Por receio da perda do próprio 'eu', tem origem o impulso tendente à dominação. Temor a desnudar-se em qualquer situação onde o sujeito se vê ameaçado ante o desconhecido.
É nessa perspectiva que 'mito' e 'ciência' (ou 'razão') possuem gênese comum. Ambos querem circunscrever as forças desconhecidas da natureza; desejam equilibrar a multiplicidade incontrolada do 'sensível'.O mito, no caso, tem o seu peculiar procedimento: é o "sacerdote" da "tribo" que mimetiza gestos de cólera ou de pacificação frente às potências naturais.
Quando da existência única dos mitos, havia um 'diálogo' comunicativo entre a natureza e os homens, que se permitiam estar assustados por forças ignoradas. A ciência, todavia, transformou toda a natureza num formidável juízo de valores analíticos, compelindo-a à adoção da linguagem do número. Formalizou a 'potência' natural, limitando-a ao terreno da matemática. Essa ciência, a do "iluminismo", pretendendo desmistificar a natureza, retirar-lhe o encantamento, isolá-la do "feitiço", o fez pelo recurso da razão que, a um só tempo, explica e domina os fenômenos naturais.
Por tal processo, a ciência "iluminista" alcançou o resultado de um contra-golpe: a vitória da desventura.
Ora, o mito desejava captar a origem, cabendo ao 'rito' o controle da manifestação dessa origem. Abolido o mito e a magia, em seu lugar instalou-se a 'racionalidade', sempre de caráter ambíguo, porque "iluminadora" mas "controladora".
À imitação (mito) se sobrepôs o 'princípio da identidade': 'somente o que é idêntico na natureza deve ser conhecido'. Daí o sujeito dotado de "luz natural", iluminado e iluminista, a dominar intelectualmente o mundo.
A razão no Ocidente caracteriza-se, por efeito, como 'razão de dominação', de absoluto controle da natureza não só exterior, mas também a interior. É marcada ainda pela 'renúncia' e 'devoção'.
O paradoxo se resolve, contudo, quando se confirma que o objeto da renúncia continua a ser desejado. E, afinal, isso determinará o regresso do reprimido na civilização.
A racionalidade que afastou o sujeito do objeto, separou corpo e alma, segregou o 'eu' e o mundo, distanciou a natureza da cultura, acaba por transformar paixões, emoções, sentidos, imaginação e memória em adversários do pensamento. Cabe então ao sujeito, já sem os seus aspectos empíricos e individuais, ser o mestre e conhecedor da natureza. A fim de compreendê-la em sua dominância, e não mais visando o domínio do seu semelhante.
(Caos Markus)
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