"Há no mundo uma raça de homens com instintos sagrados e luminosos, com divinas bondades de coração, com uma inteligência serena e lúcida, com dedicações profundas, cheias de amor pelo bem, que sofrem, que se lamentam em vão (...). Estes homens, nos tempos de lutas e crises, tomam as velhas armas da Pátria, e vão, dormindo mal, com marchas terríveis, à neve, à chuva, ao frio, nos calores pesados, combater e morrer longe dos filhos e das mães, sem ventura, esquecidos, para que o nosso descanso opulento conservemos. Estes homens são o Povo, e são os que nos defendem (...). E o mundo oficial, opulento, soberano, o que faz a estes homens que o vestem, que o alimentam, que o enriquecem, que o defendem, que o servem? Primeiro, despreza-os ... não lhes dá proteção (...). É por isso que os que têm coração e alma, e amam a justiça, devem lutar e combater pelo Povo (...)".
Oportunamente transcrito, no excerto da crônica intitulada "O Povo", nota-se, o seu autor -Eça de Queirós- (expoente da Literatura Portuguesa Realista -movimento em que a razão e a inteligência reagem contra a imagem e o sentimentalismo dos românticos) utiliza expressões e vocábulos cujos conteúdos encerram alusões muito próprias à melhor compreensão do efetivo conceito de 'Constituição', encetando elementos fuadamentais à sua existência.
Observam-se, com efeito, presentes no contexto do literato, e consolidados no panorama que descreve, "raça", "Pátria", "Povo", "mundo oficial"; e as referências "não lhes dá proteção, "amam a justiça": tudo em clara indicação de verdadeiras noções de 'Nação', 'Estado', 'Governo', 'Soberania', 'Direito', ou 'Justiça', ainda que sob alguma imprecisão, justificada, todavia, em se tratando de pretensão literária não específica à Teoria Geral do Estado.
O mais importante, no caso, é o meu, o seu, o nosso reconhecimento de que, anterior ao ordenamento jurídico constitucional, há sempre, aqui ou alhures uma vontade de constituição. Vontade precedente que por isso mesmo é exigente: não deseja um Estado ou um Governo, somente. Mas quer desse Estado e desse Governo o absoluto respeito ao constituído em nome do Povo.
(Caos Markus)
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