Segundo Platão, a alma, que emana das esferas superiores, se localiza na matéria afim de impor a esta a lei da razão. No estado atual do mundo, entretanto, a alma platônica, em lugar de se mostrar consciente do seu destino e da sua alta origem, deixou-se de tal modo impregnar pelas inclinações e incitações da vida dos sentidos que o “Eu ”físico a absorveu, submetendo-a inteiramente às suas exigências inferiores. O homem chama razão à força central do ser individual; mas, no dizer de Mefistófeles, o homem só dela se serve para se revelar ainda mais bestial que a fera. A força política e a vontade de poder têm hoje sido desenvolvidas com o propósito de regulamentar um gigantesco mecanismo de egoísmo e monstruosa covardia. Não se respeita um só direito individual, desses, que influindo como verdadeiras forças morais criadoras, se projetam no meio social como elementos de equilíbrio do conjunto, e representam o papel de agentes de refinamento das condições de vida coletiva. O que vemos imperar é o princípio do isolamento, deslocado do todo, longe de agir como fator de ligação coletiva, de unidade superior. A satisfação dos apetites de vingança entregam, assim, homens públicos aos instintos de luta brutais, verdadeiros espartanos que são. Descortina-se um espetáculo de dilaceramento de paixões, insufladas e atiçadas umas contra as outras.
Presume-se dos estadista um indivíduo que, totalizando os valores do seu tempo, faz da sua vida uma unidade de tal modo dependente das outras unidades concorrentes do conjunto social, que cada uma delas nele se completa, a despeito de suas características particulares. A destreza política, por sua vez, é precisamente aquela que concilia na sua ação coordenadora, na sua aspiração para a unidade, o maior número de antíteses. No plano dessa terrível força de diferenciação, que cada um de nós traz dentro de si, como o irredutível do nosso próprio egoísmo, é que é chamado a operar o homem de Estado.
Os empreendimentos de ordem política não se realizam com o concurso de índoles vulgares, de aventureiros dominados de ambições imediatas. A política exige do indivíduo que a serve uma alta dose de espírito de sacrifício. As responsabilidades do poder, delas não nos desempenhamos sem a renúncia a vários bens e vantagens, que tornam agradável a existência do homem particular.
O que no momento observamos, nas campanhas plebiscitárias, são políticos sucumbirem ao frenesi e às convulsões das suas paixões pessoais, quando tudo é devastado pelo instinto cruel da revanche que os arrebata. Todos, exacerbados, exibem, com perfeita candura, as riquezas colossais dos seus tesouros de boas intenções para a elevação moral do Brasil. O Ocidente atingiu, não há dúvida, uma concepção impessoal do governo, que é exercido por homens normais, como um instrumento de justiça e de prosperidade coletiva. No entanto, o Brasil ainda entende como governo um aparelho de opressão do indivíduo contra o indivíduo. Portanto. Pode-se delinear o supremo orgulho que alguns políticos tem em ser brasileiro. Seu nacionalismo se traduz bem vivo no modo como acolhem todas as iniciativas estrangeiras. Pretendem introduzir em nosso país uma mentalidade de Primeiro Mundo, desprezando o contexto sócio-político econômico nacional. As tecnologias do Primeiro Mundo, por exemplo, que aplicamos às nossas indústrias, já vêm todas elas aperfeiçoadas, assim como os capitais que aqui investimos são fruto de gerações mais habituadas à economia nos gastos do que nós, e dispostas a deles receberem um juro muito mais baixo do que aquele que praticamos com o nosso dinheiro. A influência do fator econômico no progresso da nacionalidade e no bem estar físico e moral do povo é inquestionável. E o esforço que a classe política nacional terá de desenvolver nesse sentido independe, no momento, de sistemas e formas de governo.
(Marcus Moreira Machado)
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