Ela diz que é para eu esperar um sinal. Eu, encabulado, faço de conta que não é comigo. Mas, diante da minha hesitação e depois de ter aguardado tempo razoável, mesmo assim me agradece, formulando um convite sensual para que eu volte. E eu. . . Arre! Não sei distinguir aquele calafrio que percorre o meu corpo - se é medo, se é vergonha, se é excitação. Só me lembro da inquietação e do arrependimento por ter me comportado de forma tão juvenil, deixando escapar aquela rara oportunidade em que um homem de meia-idade é fragorosamente cortejado como se o tempo o tornasse mais desejável que na vigorosa juventude.
À noite, em casa, era impossível fixar a atenção no mais simples noticiário de TV ouvir pelo rádio uma canção qualquer; tudo me escapava aos sentidos, estes inteiramente dominados pelo torpor da sensação quase indescritível que - como nas antigas fotonovelas -me fazia levitar, Inútil procura dormir, o sono não vinha; nem fome; nem sede, o apetite cedera lugar ao êxtase. A voz insinuante estava ali, presente em meus ouvidos, e convidando-me a imagens carregadas de uma tonalidade idílica. Definitivamente, eu deixara de ser um respeitável senhor. Agora, presa dos mais disparatados arroubos, somente vistos nos adolescentes não maculados pelo pudor, o cidadão circunspecto, cumpridor intransigente dos elementares a que estamos todos sujeitos com passar dos anos e com forjar do condicionamento social, este cidadão já nem mais existia; dele apenas o jeito antiquando de se vestir, o bigode sempre apagado, e a maneira contida de responder aos acenos e cumprimentos no dia-a-dia e no vai e vem entre a casa e o trabalho, entre o escritório e o lar. Adiando um novo encontro, procurei a resgatar a sobriedade típica aos chefes-de-família, pretendendo aceitar os fatos como um breve episódio que por passageiro, me devolveria a serenidade conquistada na férrea disciplina conveniente aos da minha posição, um lídimo representante dos bem-sucedidos no seio da sociedade, um honrado membro da comunidade local. Porém, a idéia de uma aventura a romper com a placidez do meu conforto, a sugestão de uma experiência incomum aos anos seguidos de abstinência aos prazeres mundanos, atormentavam-me o espírito, em desassossego inevitável.
O receio de que a minha conduta pudesse revelar o meu íntimo segredo obrigou-me, de início, a dissimular preocupação com o orçamento doméstico, a inventar indignação com a economia do país e com a fome no mundo; mais tarde, sem que eu me desse conta, o mau humor era visível e, incontrolável, aos filhos e á esposa eu respondia asperamente, chegando mesmo a insultá-los, para o seu grande espanto. Aconselharam-me a procurar um médico, um especialista, diziam; seria stress, muito serviço, precisava relaxar.
E o único relaxamento que ocupava o meu imaginário era o de me permitir aceitar o convite daquela voz macia, lânguida, que, em poucos segundos, modificava toda a minha calma existência, tornando-me um homem ávido de prazer, sequioso do amor de uma mulher desconhecida, porém, generosa e impudica. Forçado a manter guardando à sete chaves o sentimento que me transtornava, o suor frio me cobria o corpo, as palavras me escapavam, trêmulo, quase sem raciocínio. Mais um pouco e certamente uma síncope faria de mim uma outra vítima de súbita parada cardíaca. Algo tinha que ser feito; eu que admitisse ser de carne e osso, e que, como qualquer mortal, também tinha esse direito. Por que não? Eu não fôra um bom marido, um pai dedicado, um filho exemplar? Uma inusitada paixão poderia despertar o ódio nas pessoas que me admiravam? E eu? Não merecia, também ser feliz, mais feliz ? E não havia quem, sem nunca ter me visto antes, sem nada pedir e com muito a oferecer, se declarava, amável, solícita, sem se importar com o futuro?
Refletí. A decisão estava tomada: custasse o que custasse, eu me libertaria do jugo a que estivera submetido sem a menor piedade de ninguém. Esperar a meia-noite foi a única cautela. Saí à rua, caminhei dois longos e extenuantes quilômetros, quando, enfim, com o coração disparado e as pernas trêmulas, pude perceber a sua presença. Ali, imóvel, como da primeira vez, ela sussurrava aos meus ouvidos: "introduza o seu cartão magnético. . . digite a sua senha. . . obrigado, volte sempre".
(Marcus Moreira Machado)
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