Recebi um conselho que, confesso, me pareceu sábio. Eu deveria, pela sugestão que me foi dada, parar de escrever para adultos. A alegação foi a de que não existem mais adultos e sim marmanjos. Vaticinei um, mundo em tudo utópico, e já era chegado o momento de lidar com o presente, recomendaram-me. Um tanto curioso, eu indaguei no que se constituia o presente, e obtive como resposta: as crianças. O fundamento de tal assertiva estava no fato de que a criança é bem menos - ou quase nada - condicionada,, motivo pelo qual ela aceita mudanças, porque, afinal, ela mesmo está em plena e constante transição.
Ponderei. Não achei errônea a consideração., De fato, a criança de tudo quer saber e em tudo quer palpitar; no mínimo poderíamos dizer que o infante possui o que o marmanjo já perdeu - o senso crítico. A real dificuldade para mim que também já sou marmanjo, é entrar no mundo infantil. Mais que isso, eu admito, o meu temor é ter que "entrar no mundo", coisa que a molecadinha tira de letra. Porém, como o meu lado travesso ainda vive comigo, eu adoro desafios, como toda e qualquer criança, aliás. Eu acho um grande barato coisa mal feita, isto é deixar alguém extremamente irritado, só por deixar, dizer "não" quando quase todo o mundo nem sabe porque é que está dizendo "sim", e outras coisas do género. Até já fui em psicólogo, só para tentar descobrir o motivo da minha imaturidade. No entanto, o meu maior divertimento foi deixar a terapeuta nervosa com os problemas dela. Rí, rí muito, rí adoidado, até que ela me mandou plantar favas. Aí eu rí mais ainda, porque achei uma loucura a psicóloga perder as estribeiras com o paciente. Eu pensei com os seus botões: eu sou mesmo paciente, tenho muito mais paciência que essa psicanalista raquítica
Mas, porém,, entretanto, conduto, todavia... Embora assim meio meninão, sou "pai de família", vivo num mundo de gente séria que fala bonito e quer impressionar. Como eu poderia deveras impressionar as crianças? Trapezista, mágico, palhaço, conseguem isso com a maior das naturalidades. Eu não sou nada disso! Só sei fazer graça da própria desgraça, e a criançada não quer saber de coisas tristes, mesmo em forma de piada. Ser ou não ser... Ó dúvida cruel! Ser e não ser ao mesmo tempo... Ser metade, ser pela metade.
Um, bichinho, por exemplo, só quer brincar, não pretende ser outra coisa na vida senão um bichinho... Alguém pode perguntar a um animalzinho qualquer o que ele deseja deseja ser quando crescer? Ele nem deve ter alguma consciência do que é, e parece gostar bastante de ser o que é. Isso não é admirável?
Porque, vamos falar a verdade, nós que somos gente de carne e osso vivemos inventando de ser isso e mais aquilo durante a vida toda, e somos um bocado tristes, sem sabermos brincar nem nada. Não que a gente deva virar cachorro ou gato ou passarinho. Porém, ser feliz em ser o que é sem se preocupar com o que se é ou com o que se devia ser, é uma boa idéia, não?
(Marcus Moreira Machado)
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