Longe muito longe daqui, numa terra muito distante, havia um castelo e uma princesa. Não, não havia nenhum rei. Não que ele tivesse morrido subitamente. Em verdade, muito pouco se sabia sobre o rei, apenas era certo que um dia, desgostoso com os seus súditos, resolvera partir. Ficara a princesa, não porque o monarca quisesse garantir um eventual retorno, mas sim em razão de à época estar ela acometida de grave enfermidade, impossibilitada, pois, de seguir com o pai.
Muitos de vocês perguntarão: o rei teve coragem de, por um aborrecimento qualquer, deixar a própria filha, e ainda doente? E a rainha, cadê ela? Toda história do gênero tem uma. Existira sim uma rainha. Preferira ela, no entanto, permanecer no castelo, quando o seu amado esposo desistira de ser rei, imaginando que, passado aquele momento de enorme aborrecimento, ele voltaria para a família e para os súditos, pois quem iria governar melhor do que havia governado aquele monarca?
Quanto à princesa, podem vocês imaginar que a tristeza do regente não era em nada pequena, a ponto de abandonar filha, esposa, cetro e majestade. O real motivo dessa drástica atitude, eis o que de fato todos querem conhecer. Até mesmo a rainha, pessoa bondosa, porém sempre muito ocupada em fazer caridade que tempo não dispunha para ouvir os reclamos do consorte, ignorava aquela mágoa. Comenta-se que o rei insistia em professar idéias libertárias, abominando a monarquia, o que teria provocado a indignação e a repulsa do seu séquito que por gerações, por ascendentes e descendentes jurara fidelidade à Coroa e amor à dinastia. E que, já tomados pelo ódio, passaram então a desprezar o notável, porque queriam ter a quem obedecer e o monarca não desejava ser obedecido por ninguém, apenas pretendia o respeito mútuo entre cidadãos. Porém, cidadania era para a plebe algo tão inóspito quanto a abundante e lúgubre floresta que do castelo já se avistava.
A ideologia do regente... Ah! não interessa a ninguém. Certamente vocês estão muito mais interessados nos probleminhas domésticos da realeza, se a princesa ainda era virgem, se a rainha não traía o rei, se algum conselheiro era dado aos maus hábitos de ... Não é mesmo?
Embora numa terra muito distante da nossa, em nada somos diferentes da vidinha daqueles súditos. Preferimos, também, o fascínio de um mágico poder a nos governar com tributos e promessas, com promessas e caridade, com caridade típica da realiza. Mas, essa é uma outra história, é a nossa história que, por assim ser, nunca nos tem interessado.
Então, voltemos ao castelo.
Longe de lá, o regente nada mais regia do que a sua própria vida, cansado que estava de reger a ignorância do seu povo. Anônimo, o monarca delirava em sonhos de fantástica liberdade, propagando entre os gentios a concepção de um governo sem senhores nem vassalos. Por onde passasse, pregava os ensinamentos da humanização de todos os povos de todas as nações. A princípio, conseguira arregimentar alguns seguidores, todos convictos da prosperidade inerente à nova ordem. No entanto, em vão clamaram. A obstinação da excelsa maioria para com a idolatria fez perecer discursos e sepultar quaisquer ideais de fraternidade. Pior, bem pior, foi a derradeira aparição do "rei": já proscrito, foi caçado e morto, condenado por anarquismo.
A história tristeza alguma contém. Não é necessário imaginarmos um rei, uma rainha e uma princesa em meio a uma narrativa de ignaro séquito. Cá entre nós isso nos é bastante familiar. E é justamente essa familiaridade que nos aproxima do lendário, muito mais do que possa servir como severa advertência. Ainda por muitos e muitos anos acreditaremos em fadas, duendes, gnomos, reis e políticos, porque o fantástico é surpreendentemente mais crível. Ainda sonharemos com a liberdade mais próxima de um gênio da lâmpada de Aladin. E preferiremos viajar num mágico tapete para conhecer as riquezas saqueadas por um Ali Babá qualquer e a sua corja safada; ou, então, esperaremos um Robin Hood voltar, certos de que ele é um benfeitor que a todos nos alimentará e vingará de um vago e indefinido mal capitalista. Ainda insistiremos na falsa idéia de uma ultrajante humildade, no dualismo do "ter" e do "ser".
Repetidamente ouvimos histórias que, embora sejam as de outros povos, em tudo se identificam com o nosso imaginário.
Talvez isso se explique com a oportuna observação de que ainda não tenhamos tirado a fantasia, porque o que mais gostamos nessas histórias são os nossos próprios personagens - os bufões, mal pagos para fazer pilhéria até mesmo da própria sorte.(Marcus Moreira Machado)
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