REMETENTE e DESTINATÁRIO alternam-se em TESES e ANTÍTESES. O ANTAGONISMO das CONTRADITAS alçando vôo à INTANGÍVEL verdade.
sexta-feira, 18 de dezembro de 2009
SÁBADO, 9 DE JANEIRO DE 2010: "LÚDICO"
A multidão circula pelas ruas, disputando espaço com automóeis, ônibus e ciclistas. Multidão e veículos não são apenas um grotesco movimento; fazem parte de uma cena impressionista, a ocultar verdadeiras formas, encerrando conteúdo não revelado; não há transparência. Nesse instantâneo, todos fazem por acabar com mais um dia, por adiar a paz, na mais pura tradução de uma vida circular e confinada. Em grande expectativa, é o mesmo que se espera com o futuro.
Como em Edgar Allan Pöe, há segredos que não se deixam revelar. Homem e chusma confundem-se em surpreendente envolvimento, no terrível medo de se estar só; é como se o amanhã não devesse existir. Então o alarido, o som das buzinas, as luzes de neon, placas, cartazes; o mundo em liquidação. Tudo como se possível fosse afugentar, também, o martírio do presente, um futuro imediato. Por isso, o homem é bicho enjaulado em tudo o que ficou como pretérito. Qual um condenado, ele só pode reviver fatos e sentimentos, em inútil resgate de si mesmo. Porque o passado é ameaça para quem quer escapar da vida; ele invade a alma e deixa sensação de que a vida não é, não foi, jamais será. E tudo é feito no exato momento em que ela é ânsia por si mesma.
Sem a esperança daquilo que não é, não existe, mas pode vir a ser, perde-se a força do sonho transformador. Substituindo-o, o realismo responsável nada constrói, antes é a própria estagnação, em reacionarismo demagógico. Destituída de fatores objetivos, a sociedade assim organizada evita buscar os elementos mediadores que assegurem a futura existência do que hoje é impossível. Então, teme-se a morte, mas não é outra coisa o que se pratica. Não se permitindo experimentar a plenitude, o homem civilizado prefere a morte adiada, cultuando- a como a um deus que aplacará o fantástico e absurdo da imensurável existência. Ele confessa o seu medo, por desconhecida que é,a morte, mas, parceiro dela, não admite o seu terror à vida, pela fragilidade que lhe é inerente. Aquela é vigorosa, iminente e fatal; esta é somente uma formidável promessa, jamais cumprida.
A “realidade da própria antecipação visada” pela imaginação utópica não delirante é “a única realidade plausível que existe”; negá-la é negar a imaginação concreta, a trabalhar não só com dados reias como também com a vontade do homem; recusá-la é antecipar a morte, escondendo-se nos movimentos circulares das multidões delirantes.
Na “tendência do coração humano a torturar-se a si próprio, levada ao último limite”, a imaginação utópica, interior ao homem, não pode ser desprezada em prejuízo de sua vida. A previsibilidade de mundos rigorosamente ordenados’ garante exclusivamente o poder dos que se entendem iluminados na condução da humanidade; ao contrário, a imaginação do concretismo utópico é uma necessidade na sobreposição dos clamores falsamente civilizatórios e libertários.
A “resignação com a possibilidade do aniquilamento total” do ser humano há que ser alterada quando houver disposição para o reatamento dos vínculos com a essência natural, verificada no passado. Pois hoje, como se a cibernética tivesse adotado nossos critérios nos sistemas de controle do organismo humano, o homem tem perdido o seu maior direito - o de sonhar, e o de transformar o seu sonho em realidade concreta, numa proximidade imediata. Assim, ao mesmo tempo em que perde a sua identidade, criando “o tipo e o gênio do crime profundo: o homem que não pode estar só”, ele refugia-se em suas instituições estagnadas, em verdadeira prece a um deus que inventou e em precisa acreditar. Isto porque tem perdido a capacidade de crer em si mesmo, rendido à liderança que outra coisa não faz se não limitá-lo de tal maneira a nutrir hostilidade contra os seus desejos mais genuínos e mais íntimos.
O homem tem se tornado um conservador, seja ele um governante, seja ele um governado. E desse conservadorismo advém a insânia, a decretar o “suicídio”, a negação da vida, como aspiração “natural”. Como é a contradição entre a sua natureza real e o que se lhe projeta como “ideal”, ele sucumbe, e passa a não mais suportar a sua permanência neste mundo, por desconfortante que é.
Resgatar crenças que indiquem um lugar melhor, a situar-se neste mundo mesmo, será estar mais próximo da vida e da felicidade que encerra.
(Marcus Moreira Machado)
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