Identificar linguagem e realidade, querer que o símbolo se torne efetivo, ativo no plano da realidade, é pensamento mágico. E, também, pensamento poético, busca de anulação do tempo. A confusão entre criação, idéias típicas do sintoma e temas de uma tradição esotérica chega até nós pela corrente subterrânea da história; passa a ser um dos modos da tradição da ruptura.
Antonie Artaud se assume como representante dessa tradição. Reescreve uma história da literatura como história de escritores loucos, que culmina nele próprio. Artaud, depois tomar peiote , de ter uma crise e ser internado (novamente, registre-se), produziu textos literariamente superiores, pela força, ritmo e riqueza de imagens. Onde se pode ver como antagônicos, em muitos escritores, já em Artaud um componente psicótico, destrutivo, e um componente criador interagiam, alimentando um ao outro. Com "Van Gogh, o suicidado pela sociedade", poema em prosa, ele reitera que louco é o homem que a sociedade não quer ouvir, impedido de enunciar verdades intoleráveis. Compreendendo a crítica de Artaud, conclui-se que categorias como 'normalidade' e 'loucura', ou 'arte', 'sintoma e delírio', são falsas, se contrapostas. Essa perspectiva é defendida por Michel Foucault em "As Palavras e as Coisas", como também é característica do surrealismo. Ela consiste em pensar o delírio, tanto quanto o sonho e a criação poética, como meios de conhecimento. Assim como a linguagem científica abre campos de conhecimento, a linguagem não-instrumental, não-discursiva, abre outros campos de experiência do real. Entender o inconsciente como consciência não-discursiva auxilia no entendimento da modernidade. Permitindo a intervenção do inconsciente, Antonie Artaud rompe com o discursivo e com a sociedade, ou seja, com o 'discurso da sociedade'.O poeta e dramaturgo Artaud expressa a arte revolucionária, pela radicalidade da rebelião individual, e por sua crítica à realidade. Por isso deve-se entendê-lo como meio de conhecimento, e não apenas como algo a ser interpretado, como objeto do paradigma clínico ou de uma teoria literária. A inserção consciente de Artaud na tradição da ruptura acentua o caráter universal de sua contribuição, por mais que esta se tenha manifestado de modo particular, irredutível, a não permitir uma escola ou doutrina de seguidores, apesar da sua influência em tantos campos dessa modernidade. Influência no teatro, na poesia, na contracultura, na antipsiquiatria: universal por expressar contradições fundamentais entre o sujeito e o mundo que lhe é exterior, o imaginário e o real.
(Marcus Moreira Machado)
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