"Eu sou eu mais as minhas circunstâncias", refletiu Ortega y Gasset. Com efeito, é certo que em dado momento uma particular situação exige conduta singular e supostamente contraditória a outra, decorrida numa condição diferente. Ser incoerente é então muito mais atributo da personalidade que fraqueza moral. Ora, não é certo que a adolescência sucede a infância? E para cada idade não existe uma relação de conveniência entre o objeto e o seu co-respectivo desejo? E que o valor de uma coisa implica em comparação e preferência?
A "desejabilidade", se livre da utilidade normativa, fundamenta o 'valor'. Assim, o hedonismo, não confundido com devassidão, é determinante na fixação do valor de 'riquezas'. Entretanto, no desprezo aos prazeres, a valorização da posse relega a própria vida a 'valor secundário', forjando circunstância prevalentes sobre o ego. Daí o desafio de Prudhon à sugerida contradição: "Sendo a riqueza composta do valor das coisas possuídas, como se explica que uma nação é tanto mais rica quanto as coisas estão por mais baixo preço?".
O que se nos parece é que 'a riqueza de uma nação' não deveria ser constituída tal qual a riqueza de um indivíduo em particular, isto é, pelos valores das suas posses. Contudo, quando suprime-se a relatividade do conceito de riqueza, impondo-se padrões de utilidades, certamente, até a ética e a moral adquirem valor secundário, vez que são reduzidas a simples reflexos de circunstâncias artificializadas.
Sem dúvida, vivemos numa sociedade paradoxal, onde o quê de fato pode e deve ser mais útil é exatamente o quê menos valor possui. Com efeito, no Brasil acentuadamente, a ostentação é mais considerada que uma lauta refeição, ou mesmo um simples pedaço de pão com manteiga. O vago conceito de 'raridade' desse ou daquele item acaba por privilegiar muita coisa que não se pode prazeirosamente consumir. Inegável, o 'supérfluo' não existe. Desnecessário será, sim, tudo aquilo que não proporcione efetivo deleite. Por exemplo, uma tela de Rafael somente tem importância se corresponde ao fascínio de um amante da pintura; e uma coleção de "souvenirs" não será vendida por preço algum, se o seu dono a vê como propriedade, como um bem de inestimável valor. São casos que ilustram a relatividade do conceito de riqueza.
O que não se pode admitir como razoável é a condição onde o indivíduo deixa de ter uma conduta na conformidade de suas circunstâncias, para -sem hierarquizar suas necessidades- ser ele mesmo a própria circunstância, ou seja, numa relatividade imaginária, ser um circunstancial.(Marcus Moreira Machado)
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