Os constrangimentos que o Estado impõe ao indivíduo estão inteiramente fora de proporção com o conforto que oferece em troca. O cidadão não renuncia à sua independência senão, evidentemente, com fim determinado e na esperança de obter certas vantagens. Ele supõe que o Estado, ao qual sacrifica parte do seu direito de soberania, prometa-lhe em compensação valer sobre a sua vida e a sua propriedade; crê que o Estado se servirá das forças reunidas de todos os cidadãos para executar ações proveitosas ao indivíduo, que este não poderia nem empreender nem realizar sozinho. Pois bem! Forçoso é admitir que o Estado só corresponde a estas suposições muito imperfeitamente; e não o faz melhor que os grupos bárbaros primitivos, que concedem aos seus membros liberdade individual incomparavelmente mais ampla que a permitida pelo Estado 'civilizado'. O capricho de alguns homens ou o egoísmo de pequenas minorias limitam a esses reduzidos contingentes o fim a que eram dirigidos os esforços do conjunto. O excesso moderno de governo, os documentos, os protocolos e funcionalismo, as proibições e licenças sem fim, não protegem a vida e a prosperidade do indivíduo mais do que faria a ausência de todo esse intrincado aparelho. Em troca de todos os sacrifícios, de dinheiro e liberdade, que o cidadão faz ao Estado, não recebe deste auxílios outros senão a 'justiça' (por toda parte incomensuravelmente lenta e dispendiosa) e a 'instrução' (muito distante de ser acessível a todos, no mesmo grau). Dizer que a liberdade individual é enfraquecida em atenção aos direitos da coletividade é ocultar a realidade, porque essa suposta 'atenção' não impede que os indivíduos sejam oprimidos, e a todos priva da maior parte de sua liberdade natural. A lei exerce de improviso sobre os cidadãos as intimidações que, sem ela, algumas naturezas impetuosas exerceriam, em casos excepcionais, sobre determinados indivíduos, a mesma dependência em que se acha o cidadão para com as instituições que aparelham o Estado. E este não dispensa a pessoa de proteger-se a si própria, tal qual faz o selvagem livre, com a diferença que aquela é mais inepta que este, no desaprendizado de tomar conta de si. O selvagem se revoltaria, mas o 'civilizado' não possui mais a noção exata de seus interesses, habituado, desde a infância, a sofrer opressão e submissão. O Estado incutiu-lhe na mente que as administrações e as autoridades devem ocupar-se dele em todas as situações.
Segundo a moderna concepção de Estado, o burocrata deve ser o mandatário do povo, de quem recebe os salários, os poderes, a consideração, o cargo. No entanto, ao invés de ele mesmo se considerar um servidor da nação, tão-somente fortalece esse Estado auto-protetor, que, mesmo não passando de um fantasma impessoal, subjuga o cidadão como propriedade sua, lamentavelmente. (Marcus Moreira Machado)
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