Muitas têm sido as conseqüências imprevistas no processo de transição da Ditadura Militar (golpe de 1964) para a pretendida democracia política, na forma da Carta de 1988. Contexto em que se nota a emergência da religião no plano da política. Não da religião que deita raízes na história do país (cu...ja principal referência está nos quase cem representantes de denominações evangélicas no Parlamento, comportando-se, em muitos assuntos, como uma bancada informal; além de inúmeros deputados estaduais e vereadores). Todavia, a religião na política se torna ainda mais singular por envolver indivíduos até então sem presença ativa no cenário republicano, imersos, por assim dizer, no limbo do Brasil (são os novos personagens da "intelligentsia" brasileira, originários da massa do povo e que desconheceram a 'socialização de elite', treinados nas escolas de 'leitura' e de 'interpretação' de textos sagrados; os que têm sido parte do segmento mais excluído da nossa sociedade -os pobres sem ocupação definida, a multidão, enfim, dos desesperados entregues ao deus-dará. Trata-se, pois, na clássica relação 'intelectuais-povo', de uma nova espécie em nossa contemporaneidade, ao largo da 'configuração tradicional' (aquela onde intelectuais com 'formação de elite' se articulam com a 'fração organizada do povo' em torno de um projeto, ideal e material, a um só tempo).
Importa notar que a República -mais do que centenária e nascida no contexto de uma difícil separação entre Igreja e Estado- manteve-se fiel, em linhas gerais, durante décadas, a essa marcação, como ilustram os casos da pouca influência exercida pela Liga Eleitoral Católica (LEC), nos anos 30 e 40, e o da dificuldade de captar o voto católico que o Partido Democrata Cristão (PDC) encontrou nas décadas seguintes. No caso, vale igualmente recordar o destino da Ação Popular (AP), movimento político inspirado na esquerda católica, envolvido de tal maneira com o mundo secular a ponto de se qualificar como de 'adesão marxista'. De qualquer forma, deve-se registrar que a "distância" entre religião e política, "preservada" pelos católicos em grande parte da história republicana, não se deve (ao menos a partir dos anos 30) a qualquer silêncio entre as duas instituições. Isso é notório nos anos da Ditadura Militar, quando a Igreja se constituiu numa das instituições de forte influência e liderança na sociedade civil.
O avanço dos evangélicos na esfera da religião coincide com um processo de aceleração da "modernização" do capitalismo sob o regime autoritário, cujo efeito foi o aprofundamento da marginalização de amplos setores das classes subalternas, mantidos distantes do mercado de trabalho e isolados socialmente em seus "guetos", sem contato com sindicatos e partidos de esquerda (então severamente reprimidos), de onde lhes poderia provir uma coordenação à sua energia participativa, com uma agenda então fundada em valores ético-morais secularizados e republicanos. A esse isolamento somou-se, ainda, a incapacidade da Igreja Católica em concorrer com as novas 'agências da fé' no recrutamento dos setores subalternos, PRINCIPALMENTE DEPOIS DE A HIERARQUIA CATÓLICA TER ABANDONADO O TRABALHO EVANGELIZADOR DAS COMUNIDADES ECLESIAIS DE BASE E DA TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO, à época, responsável pela aproximação de 'parte do povo' com uma fração dos 'intelectuais católicos com formação de elite', visando assentar autonomia e participação cívica na política nacional.
Hoje, o mais grave, a Igreja Católica repete seus erros. Talvez porque creia mesmo estar acima de qualquer suspeita, além da vida e da morte, em inusitada cumplicidade, mais ampla que a da "santíssima trindade", pois selada num "santíssimo triunvirato". E, por isso, paga o preço: a caixinha de esmolas, as espórtulas, tudo somado não rende tanto quanto a garantia do dízimo neopentecostal, na contrapartida do aval para o paraíso, através da chanchela dos neo-bispos.
(Caos Markus)
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