Nada de novo acontece. Está tudo fora do lugar como sempre esteve. Todo mundo prometendo e ninguém cumprindo. Um plano após o outro, a inflação nossa de cada dia desafiando economistas ortodoxos e heterodoxos, reforma ministerial, sucessão presidencial... Já ouvi isso antes. Quando foi? Em 1993?
O futuro faz tempo já chegou, ele já não causa espécie. No Brasil estamos de volta ao passado; num breve instante tudo aconteceu: a Independência, a República - a Velha, a Nova duas vezes -, Getúlio, os militares antes e durante, os militares depois, .os civis agora como outrora, Salvador, Rio de Janeiro, Brasília, cana-de açúcar, café e cimento. Calendário, agendas permanentes serão um bom presente? Será bom, compromisso marcado em país tão incerto?
Cá no Brasil o tempo varia. E tanto que ampulheta jamais seria de exato formato entre nós; provavelmente ela teria alterada uma de suas bocas, cabendo muito mais areia na parte de cima; “estrangulando o tempo”, impedindo-o de “se colocar” na parte inferior. Aqui a pontualidade inglesa só existe na saída, nunca na chegada. E mesmo porque nós brasileiros somos todos atletas, todos correndo contra o tempo, batendo e superando recordes, num espetacular despreparo físico na maratona contra a penúria a que os mais sofisticados invariavelmente chamam “recessão”; possivelmente São Gregório desconhecia Pindorama. Assim, em se tratando de datas, para nós o que de fato sobrevivem são as calendas gregas, quer dizer, “no dia de São Nunca”.
E o que falar de “khronos”? Certamente não temos um tratado das divisões do tempo a enumerar sucessivamente os fatos históricos. História existe a de outros povos, não a nossa. Somos mouros porque somos ibero-americanos, romanos decisivamente há muito que somos, cristianizados ou não; ainda somos atenienses, espartanos e cretenses pela saga latina no “helenismo”. Pois somos quase tudo e quase nada. Pois somos senhores e vassalos na Cisplatina “inglesa” ou na industrial revolução galesa. Mas, por sermos tanta coisa ao mesmo tempo, justamente é o tempo que não temos, porque, escravos, dele, não o discernimos como lógica sucessão de dias, horas, momentos.
A fadiga, as preocupações excessivas que eram, são e serão, têm em suas origens outros tantos anos, outros tantos séculos. Brindaremos aos que ainda não vieram. Todos na pauta, como roteiro dos nossos compromissos, não mais que isso. De resto, podemos cantar: “o mesmo banco, na mesma praça, as mesmas flores nos mesmos jardins”. É exatamente isso: nada de novo “acontece no meu coração... quando cruzo a Ipiranga com a Avenida São João”. E tome mais Tropicália - I, II, III... E mais contracultura e “underground”. Pois, ainda não estamos estourando champanhe às barricadas da parisiense revolução de 1968? Em versão Lindberg, yuppie, que é a parte que nos “cabe neste latifúndio”. Ou, será, comemoraremos, ao som de Edith Piaf, a Resistência aos Germanos? E sempre fazendo de conta que saudosamente somos modernos, insistindo em não ver o tempo passar, teimando na idéia de que o velho é melhor que o novo...!? Se assim for, nada começará, porque 1993, 1992, 1889, 1822, 1500 são mais velhos, e - pela absurda lógica - melhores.
Aliás, no fim do túnel existe um poço que não tem fundo; não adianta encontrar nenhum farolete no fim do primeiro quando há abismo no segundo. Preciso é identificar o responsável por tão grotesca construção. E é aí que a coisa pega: nós acreditamos muito mais em trevas do que em lume, e por isso somos todos co-responsáveis pela ocultação das verdades mais imediatas, aquelas que dizem respeito à nossa capacidade de renovar.
Se temos sido incapazes de efetivar mudanças a partir de cada um, continuaremos incapacitados para o exercício da aspiração maior, a democracia. Sem democracia estaremos perpetuando o arcaico em nome de uma suposta tradição, e tradicionalmente festejaremos o formalismo sem conteúdo, mais iludidos que esperançosos. E como esse tipo de esperança é a primeira que mata, morreremos sempre a cada novo ano. (Marcus Moreira Machado)
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