Cá neste rincão rococó, cá nestas plagas barrocas, encontrei dia desses, todos juntos numa mesma praça, em feliz coincidência, um pregador religioso, um sindicalista e um marreteiro.
Bradava o pregador a falência da vida temporal, conclamando os passantes à vicissitude da abundância no reino do céu. Bramia o sindicalista a falência do capitalismo, incitando os transeuntes à fartura na próxima, nova e igualitária sociedade. Proclamava o marreteiro a falência da velha e esfolada faca de cozinha, anunciando à multidão as inigualáveis vantagens de um revolucionário picador de legumes.
No mesmo exaltado tom, rivalizavam-se os três 'oradores-profetas' de uma nova era, cada um deles querendo ocupar sempre mais espaço, entre os fiéis, os proletários e os consumidores. O povaréu, ouvindo: "- a Cesar o quê é de Cesar... vade retro, satanás!". "- Abaixo a burguesia... morte aos gringos imperialistas!". "- Nada de faca, dona Xica... pica, pica, pica tudo... até lingua de sogra!".
No meio da turba, não é que um fulano não entendeu nada, misturou tudo, pajelança com os discursos, e murmurou "-...Compro a danada da maquininha, pico os tais gringos e me livro do demônio... vou 'prô' céu ..." !?.
Insistentes, contudo, os "oradores" rogavam a atenção de todos, e exibiam a basófia, em meio ao alarido típico de gentarada se acotovelando. Clamavam... Clamavam em nome de Deus, em nome da liberdade, em nome da facilidade. Quão úteis são os três! -pensei. Como é bom viver em plena democracia! -testemunhei. Que felicidade tropicana! -exclamei. Porque, a um só tempo, eu tenho assegurado o meu inalienável direito de ir e vir -ainda que seja da terra para o céu (ou seria o contrário!?); não mais serei escravo da miséria -já é chegada a hora da minha tão sonhada emancipação econômica, com a derrocada da opulência alheia; que bom poder ser consumidor em potencial de bugigangas utilitárias -mesmo que continuem sendo só bugigangas sem uso.
Exaltei-me, em louvor: '- Eu quero ir para o céu! Eu quero ser socialista! Eu quero comprar!!!'. E, ponderei: 'acima de tudo, eu quero sentir o imenso prazer em ser mais um desses "artistas", a discursar intermináveis blás-blás-blás aos ouvidos moucos de tantos quantos crêem. E, finalmente, decidi: serei também missionário -vou picar inhame e aipim, picar cana cubana na goela dos loucos de todos os gêneros!(Marcus Moreira Machado)
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