Não se pode e nem se deve crer que as pessoas não mudem, jamais, de opinião, e assim, com o passar dos anos, passem a observar, sob prismas antes ignorados ou desprezados, o quê até então julgavam pronto e acabado, insuscetível de reavaliação. Afinal, aos oitenta para uns, aos trinta para outros, a vida fica mais velha e mais sábia, revelando-se mesmo surpreendente no que pode oferecer, e menos exigente do que se supunha. Irredutível nem será bom sinônimo convicto, pois superveniência é, de fato, a ocorrência plausível para o comum mortal. Não sem motivo, no decorrer dos anos, é surpreendente o caminho que se nos apresenta um dado instante para, em seguida, quase atônitos, nos depararmos com súbita nova rota do anterior percurso.
E tudo que se nos afigurava como definitiva convicção é substituído, fazendo ruir idéias e ideologias aparentemente sedimentadas em indestrutível amálgama, forjando-se, a partir daí, conseqüente sucessão de possibilidades, como num alerta ao destino indefectível, demonstrando a provisoriedade das certezas.
Uma pequena dose de bom senso obriga uma resposta imediata à fragilidade inerente a cada um de nós seres humanos; nenhum questionamento, por sério e oportuno, compreenderá conclusões inevitáveis. Dessa forma, não há exatamente alternância de opiniões, porém acréscimos pré-conceitos circunstanciados e efêmeros. Pois, definitivamente, a regra é a indefinição e a sabedoria é a exceção.
Acreditar-se pleno, crer-se íntegro, quando se desconhece os desígnios impróprios á nossa natureza limitada, é superestimar uma capacidade subordinada a intervenções do imponderável. Da nossa essência sabemos muito pouco, conhecimento esse que nos reduz a meros espectadores, ainda que a nossa pretensão seja alcançar do infinito as suas fronteiras. Ora, semelhança não será, jamais, igualdade; e o muito conquistado pelo homem em toda a história de sua civilização não foi mais que a simples manipulação de conhecimentos básicos. Criaturas, eis o que somos; criadores, o que ingenuamente pretendemos ser.
A negação da nossa humanidade como exclusivo atributo a cada homem na face da terra tem-se operado através da transposição dos valores positivos alcançados em séculos marcados pelas guerras e pela mais franca injustiça social, em desprezo á luta pela civilização, substituindo-a pela barbárie originária, num paradoxo entre evolução e progresso. No entanto, é justamente em nome do aprimoramento que a megalomania se instala, na procura de uma tão vaga quanto inútil perfeição do homem, pretensamente elevado à condição de criador.
Enquanto a tecnologia assume patamares jamais imaginados, conferindo à raça humana uma duvidosa característica situada entre a genialidade e a supremacia, perde o homem, de forma abrupta e cruel, a sua própria "alma", em espetacular derrocada do aperfeiçoamento moral que paulatinamente vinha sedimentando como atributo distintivo da sua real singularidade; maravilhado com as múltiplas possibilidades de transformação da natureza a partir da sua intervenção, não atenta, porém, para o perigoso distanciamento entre o progresso da técnica e o retardamento do espírito, já escravo de si mesmo, ignorante e imperdoavelmente alheiro à instalação do mais insidioso descalabromoral.
Sistemas e formas de governo que não considerem a distribuição das efetivas melhorias, conseqüentes da investigação científica sistematizada, correrão, independentemente de cor partidária por cunho ideológico, risco crescente de morte prematura, corroídos na fragilidade de estruturas não comprometidas com a fraternidade universal como projeto pioneiro de vida concreta. Alimentar a revolta é duvidar da insanidade como efeito imediato da segregação; e se há hoje algo a temer, sem dúvida pouco se compara ao impérvido social fundamentado na restrição à grande maioria, impedida de compartilhar das benesses para as quais contribuiu confinada agora ao submundo da demência típica dos excluídos.
Mudar de opinião, reavaliando teses antes formuladas na exacerbação e na arrogância será perseguir uma sabedoria que, muito embora além de nós mesmos, é seguramente mel melhor modelo de sociedade, porque respaldado nos limites de quem, eterno aprendiz, enxerga na prudência o caminho mais seguro a ser percorrido, afastando-se da prematuridade deveras inconciliável com progresso humano.
(Caos Markus)
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