No Brasil há músicos e jogadores de futebol. Muitos deles, negros, são instrumentistas ou atletas que fascinam o francês, o italiano, inglês, espanhol -na Europa re-unificada através de pretensa índole comum (muito menos do que pela real identidade partilhada, qual seja, a 'arrogância, mãe da ignorância').... Cacá Vasconcelos, em meio a toda negritude de sua raça, é brasileiro e é percussionista. Na Dinamarca ou na Suécia, Vasconcelos grava música supostamente dinamarquesa ou sueca, com todo o sabor "jazz-afro-brasileiro". E a gente cá, pensando: "será que eles não enxergam ou será que não ouvem?". Flora Purim - esta, uma branca (ou, será, meio-branca? afinal, aqui todos temos um pé na cozinha e o outro no mato, sangue negro e sangue índio nas veias) -, por várias vezes foi considerada melhor intérprete de 'jazz' no país de Tio Sam. Da mesma maneira, o "Traditional Jazz Band", de anglo-saxão só tem o nome, pois brasileirinho da silva, conseguiu sagrar-se favorito, mais de uma vez, em New Orleans, justamente o berço do "jazz". Pepito Martinez, pelo nome em nada lembra a raça negra, mas foi aqui, no Brasil (em meio à mescla de ritmos a fundir a musicalidade tão peculiar ao nosso povo), onde sua banda aprendeu a tocar, e tocar bem. Falar de Machado de Assis, de Lima Barreto (o grande defensor do 'maximalismo' russo e germânico do país), é raciocinar sobre a origem da Academia Brasileira de Letras por um mulato. Há o inverso no preconceito? Naturalmente. Lembro-me de quando, ainda adolescente, passando por um boteco, eu ouvi som de timba ou atabaque acompanhando o samba no lugar. Habituado à percussão desde menino, sempre incentivado por meu pai, me deu uma vontade louca de batucar, e pedi aos músicos -todos negros- para dar uma 'canja'. Foi engraçado. Ouvi: "-Ô...! minha gente, o couro na mão de branco... sujou!". Dez minutos depois, eu já era chamado de 'irmão', e convidado a ficar para aquele e mais outros batuques. No momento, outro branquelo como eu (será mesmo!?) comentou: "-Esses pretos são cheios de preconceito, pensavam que você, por ser branco, só podia ser ruim de samba". E respondi: "-Espera aí, o maior preconceito do branco é achar que negro não pode ter preconceito!". Não se falou mais no assunto. Talvez o intelectualizado europeu conheça do nosso carnaval somente a nudez e não o lindo espetáculo de coreografia muitas vezes idealizado por negros que habitam a pobreza dos morros cariocas, não a nobreza da harmonia, para não falar de todo um conjunto de ricas divisões nas frases musicais dos tamborins, agogôs, surdos e ganzás. Há quem diga que "o batuqueiro é cheio de 'trejeito', razão pela qual o seu modo de agir é expressivo e magnífico. Não se deixa vencer pelo cansaço e facilmente cumpre o tempo correto da apresentação do batuque". Mas, pretender que o tal de Primeiro Mundo conheça a história do folclore afro-brasileiro, isso é não levar em conta a história da colonização do Brasil, impregnada de ranço moldado na imaginada superioridade racial. Ah, meu caro irmão, de além-mar! Você também não conhece Cassiano Ricardo, o poeta do nosso modernismo que, sobre o 'velho espírito' dos acadêmicos olhares da também velha Europa, assim se manifestou: "(...) a meta da vanguarda brasileira era a libertação dos 'ismos' estrangeiros, ainda que fossem os da vanguarda européia, em benefício de uma realidade local". Pois a nossa brasilidade está assentada em princípios e valores frutos da nossa riquíssima miscigenação racial, a fazer de homens rudes verdadeiros heróis, exaltados em uma única frase que vale por todo um hino - "O sertanejo é antes de tudo um forte!". Então (é fácil explicar; é difícil ser entendido), leve consigo, fidalgos de outrora, plebeus de agora, este nosso orgulho: "Eu sou negão!". E se quiser aprender um pouco sobre nós, só mesmo vindo morar aqui, abandonando a sua intelectualidade acadêmica, o seu jornalismo de pasquim, e casando com uma "negona", caindo no pagode depois de um clássico no Maracanã. O convite está feito. Venha, porque outra qualidade nacional (lamentável, talvez) é a nossa 'hospitalidade', sempre recebendo intrusos como se fossem nossos parentes mais próximos, servindo-lhes feijoada e vatapá. Aliás, tudo coisa de negão.
(Caos Markus)
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