O castigo no passado imposto aos indivíduos considerados culpados pela Justiça traduzia-se em cenário de peça teatral, exposta ao público com rigor de crueldade onde os corpos dilacerados transformavam-se em suplicio para os presos. O corpo supliciado, esquartejado, amputado, mutilado simbolicamente no rosto ou no ombro, sendo exposto vivo ou morto, era oferecido como espetáculo teatral, ao mesmo tempo em que constituia-se em alvo principal da repressão penal.
Depois, nova concepção, a certeza de ser punido é que deve desviar o homem do crime e não mais o ignominioso teatro.
Não tocar mais o corpo, ou o mínimo possível, e, mesmo assim, para nele atingir algo não considerado o corpo propriamente dito
A respeito, cabe refletir: prisão, a reclusão, os trabalhos forçados, a servidão de forçados, a interdição de domicilio, a deportação que parte tão importante tiveram nos sistemas penais modernos, são penas “físicas”. Com exceção de multa, referem-se diretamente ao corpo. Mas a relação 'castigo-corpo' não é idêntica à anterior.
O corpo encontra-se aí em posição de instrumento ou de intermediário; qualquer intervenção sobre ele (pelo enclausuramento, pelo trabalho obrigatório) visa privar o individuo de sua liberdade considerada concomitantemente como um direito e como um bem.
Segundo essa penalidade, o corpo é colocado num sistema de coação e de privação, de obrigações e de interdições. O sofrimento físico não é mais o elemento constitutivo da pena. O castigo passou de uma arte de absurdas sensações a uma economia dos diretos, suspensos, então.
Se a justiça ainda tiver que manipular e tocar o corpo dos justiçáveis, tal se fará à distância, conforme regras rígidas, visando a um objetivo pretensamente bem mais “elevado”. Por efeito dessa nova retenção, um exército inteiro de técnicos veio substituir o carrasco, anatomista imediato do sofrimento: os guardas, os médicos, os capelães, os psiquiatras, os educadores, por sua simples presença ao lado do condenado. Eles cantam à Justiça o louvor a ela necessária. Pois não é mais o corpo, e sim a alma a ser castigada. Um castigo a atuar profundamente sobre a psique, o intelecto, a vontade, as disposições.
Naturalmente, há um veredito, reclamado por um crime. Contudo, funciona para a sociedae como maneira de tratar um criminoso, através da punição ocultada sob o propósito e o pretexto da cura, ou, utilizando o termo mais contemporâneo, da "ressocialização".
(Caos Markus)
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