REMETENTE e DESTINATÁRIO alternam-se em TESES e ANTÍTESES. O ANTAGONISMO das CONTRADITAS alçando vôo à INTANGÍVEL verdade.
quinta-feira, 25 de junho de 2009
TERÇA-FEIRA, 30 DE JUNHO DE 2009:"A PERDER DE VISTA"
De várias maneiras, andam descobrindo o Brasil. Há sinais de proximidade de terras, como há escrivães de plantão, sempre prontos à narrativa de tão auspicioso descobrimento. A cultura nacional, também, a cada dia é redescoberta, como segmento de raízes mais nobres. E, ainda que matemos, roubemos, julguemos e condenemos, somos fidalgos.
Em "Calabar, O elogio da traição", Ruy Guerra e Chico Buarque lembram, na voz emocionada do personagem Mathias: "Sabe, no fundo eu sou sentimental. Todos nós herdamos no sangue lusitano uma boa dosagem de lirismo. Além da sífilis, é claro. Mesmo quando as minhas mãos estão ocupadas em torturar, esganar, trucidar, meu coração fecha os olhos e, sinceramente, chora".
Mathias de Albuquerque, "governador e comandante supremo de Pernambuco, Itamaracá, Paraíba e Rio Grande" só faz lembrar uma certa hereditariedade, mesclada entre o atroz e o passionário, presente no caráter nacional. Pois, acrescenta a cantiga: "Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal, /Ainda vai tornar-se um imenso Portugal. /Ainda vai tornar-se um Império Colonial".
Por isso esse Brasil, esse país colonial, descoberto aos poucos, essa "erva marinha", esse "rabo-de-asno" indicando a promissão que nunca chega. Coincidência ou não, Pascoal recebeu esse nome em virtude de ser o tal monte o primeiro ponto avistado pela maruja de Cabral, no dia de uma das oitavas da Páscoa; e hoje todos esperamos, ainda, que venha a ser uma Canaã, como de Deus fosse realmente brasileiro e nós os únicos de Abraão.
Porém, já é chegada a hora de darmos nome ao boi, isto é, ao povo destas plagas. Porque se somos assim tão pacientes, de qual adjetivo nos servimos? O "paciente-resignado", o "paciente-sofredor", o "paciente-manso", o "paciente-doente", ou aquele outro tipo, "o que recebe a ação de um agente"? Ou seríamos todos eles simultaneamente? O quê é bem mais provável, dada a aparente complexidade a permitir até uma "especialização sociológica" - os "brasilianists", estudiosos supostamente ilustres porque hipoteticamente examinam e entendem melhor do Brasil e dos brasileiros do que nós mesmos.
Essa nossa condição de colonos reflete-se, notadamente, nas fontes de inspiração aonde buscamos paradigmas à nossa evolução. Exemplos não faltam. como é o caso de legislações consideradas de primeiro mundo que procuramos imitar, sem, no entanto, a devida atenção para o contexto de quarto mundo em que vivemos e, portanto, a sua inadequadação.
Aqui tudo é virtual. Tudo existe como faculdade, mas sem exercício atual ou efeito atual. Pois, não se diz que o Brasil tem uma inigualável riqueza potencial? E o que é isso senão uma realidade intrínseca, porém não revelada? Esse conformismo de que somos o país do futuro, de que somos o futuro do país, essa a grande potência e tudo o mais, somente nos projeta para o passado, numa constante "redescoberta". Talvez isso explique a megalomania, típica dos inseguros, característica de um sentimento de inferioridade que se procura esconder.
É a espera do porto seguro, das boas relações com os "amistosos nativos", ainda que tenhamos nos tornado selvagens, em nova edição da antropofagia. Por acalentarmos a idéia de que vivemos num paraíso é que, a cada dia, é maior o inferno, nesse ritual de sangue e tragédia que tem marcado a inglória nacional. promovendo o infortúnio e a insegurança como norma de conduta.
Não há terra à vista. Nem mesmo a mais insignificante bodelha a indicar prosperidade. Se algum contemporâneo escriba relata a fecundidade de uma nova Cabrália, o faz para exclamar: "aqui em se plantando. . . tudo se dá. Como que ainda dominado pela entidade maléfica de anhangá, a nação brasileira vive do prosaico, reciclando a sua história, à bordo de um aquidabã supostamente intrépido, todavia, reduzido à decadência e ao fracasso.
"Quando me encontro no calor da luta / Ostento a aguda empunhadura à proa / Mas o meu peito se desabotoa / E se a sentença se anuncia bruta / Mais que depressa a mão cega executa / Pois que senão o coração perdoa". Versos que expressam dualidade, retratam a propensão quase que natural, a índole, por assim dizer. dessa raça ambígua. Hesitamos, certamente, entre "um sereno jeito" e o "golpe duro e presto", na "distância” entre “intenção e gesto".
De fato, esta terra ainda vai cumprir seu ideal, ainda vai tornar-se um imenso arraial. E, no elogio da traição, não mais distinguirá herói de traidor, no moto perpétuo do recomeço, mais ensaiando que principiando. O rabo-de-asno deverá deixará de ser erva marinha para ser daninha, anunciando baderna à vista. E aquela teoria de que o Brasil foi descoberto por obra do acaso será então definitivamente confirmada, porque não pelo mesmo motivo é que se faz tão pouco caso; o descaso não é descoberta" e sim a mais extravagante "invenção".
O Brasil dos viajantes quer ser mesmo deles; não apenas pintura de Debret ou Rugendas, o país insiste em não passar de itinerário na "Viagem Pitoresca ao Brasil", subsidiando a antropologia com um fato manancial iconográfico. Afinal, com fauna e flora assim tão exuberantes, tão exóticas, seria, a priori, até compreensível que, em espetacular processo de simbiose, nascesse uma "sui generis" espécie humana, parasitariamente vivendo sobre o topo de outras mais elevadas.
E, com ‘avencas na caatinga’, e ‘alecrins no canavial’... Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal !
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