“Eu sou eu mais as minhas circunstâncias”, asseverou o filósofo. Pois, certo é que em dado momento uma particular situação é exigente em uma conduta singular e aparentemente contraditória àquela outra, verificada em condição diferente. Ser, então, incoerente é muito mais atributo da personalidade que debilidade moral. Não é certo que adolescência sucede à infância? E para cada idade não existe uma relação de conveniência entre uma coisa e qualquer desejo? E que o valor de uma coisa implica em comparação e preferência?
A “desejabilidade”, se livre da utilidade normativa, fundamenta o valor; o hedonismo, não confundido com devassidão, é determinante na fixação do valor de riquezas. No entanto, no desprezo aos prazeres, a valorização da posse relega a própria vida a valor secundário, forjando circunstâncias a prevalecerem sobre o ego. Daí o desafio de Proudhon à aparente contradição: “Sendo a riqueza composta do valor das coisas possuídas, como se explica que uma é tanto mais rica quanto as coisas estão por mais baixo preço?”
O que se nos parece é que a riqueza de uma nação não deveria ser constituída tal qual a riqueza de um indivíduo, isto é, pelos valores das suas posses. Mas, quando suprime-se a relatividade do conceito de riqueza, impondo-se padrões de utilidades, certamente até mesmo a moral e a ética adquirem valor secundário, uma vez reduzidas a mero reflexo de circunstâncias artificializadas..
Certamente vivemos numa sociedade paradoxal, onde o que de fato pode e deve ser mais útil tem menor valor. Pois, aqui considera-se mais uma forçada reserva de dólares que uma lauta refeição, ou mesmo simples pão com manteiga. O vago conceito de raridade desse ou daquele item acaba por privilegiar muita coisa que não se pode prazerosamente consumir. O supérfluo não existe, isso é inegável. Desnecessário será tudo aquilo que não proporcione efetivo deleite; uma tela de Rafael somente tem importância se corresponde ao fascínio de um amante da pintura, e uma coleção de “souvenirs” por preço algum será vendida quando o seu dono a entende como valorizada propriedade. É a relatividade daquele mencionado conceito de riqueza.(Marcus Moreira Machado)
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