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sábado, 17 de agosto de 2013

QUINTA-FEIRA, 22 DE AGOSTO DE 2013: "A INDISCIPLINA DA NORMA"




A INDISCIPLINA DA NORMA


Considerando o lugar de destaque conferido à 'indisciplina' entre as maiores preocupações pedagógicas contemporâneas, a compreensão deste fenômeno é procurada a partir da análise de diferentes noções. A indisciplina escolar não envolve somente características encontradas exteriormente, como problemas sociais, sobrevivência precária e baixa qualidade de vida, além de conflitos nas relações familiares, mas também aspectos envolvidos e desenvolvidos internamente, quais sejam, a relação professor-aluno;e a possibilidade do cotidiano escolar ser permeado por um currículo oculto. 

Ainda um tanto discretamente, discute-se hoje a responsabilidade de a escola, enquanto instituição, não estar preparada para receber o aluno que a procura, quando é confirmada, inclusive, práticas excludentes , por si só e pelo confronto com os alunos, produzindo a indisciplina, em irrefutável indicação da ausente melhoria desta instituição de ensino, diante das mudanças sócio-históricas atuais. A escola recepciona sujeitos não homogêneos, provindos de diferentes classes sociais, com diferentes histórias de vida e com uma “bagagem”  muitas vezes  negada pelo próprio processo educacional, através de seus agentes, uma vez planificado o objetivo de padronizar as pessoas. Pois, há quem acredite que 'quanto mais igual, mais fácil de dirigir'. A escola possui mecanismos disciplinares conducentes à disciplinarização dos comportamentos dos discentes, dos docentes  e de outros funcionários, inclusive da os da área administrativa. Assim, aponta a indisciplina como uma possível forma de resistência por parte dos alunos que não se submetem às normas impostas .

A perspectiva institucional sinaliza alguns indicativos da indisciplina relacionada a problemas oriundos ‘da’ e 'na' própria instituição, embora não negue a existência da intervenção de conflitos externos na relação interpessoal escolar.Outra perspectiva a ser abordada é a da psicologia da moralidade. Pois, quando a disciplina é relacionada ao cumprimento de normas, a indisciplina pode ter relação com a desobediência às normas. Porém, há duas causas para a não observância: a revolta contra os preceitos ditos reguladores, ou o desconhecimento deles.A moralidade está relacionada às regras. No entanto, nem toda regra tem vínculo com a moralidade. Para isso ocorrer, seu princípio deve ser o de justiça, não podendo o procedimento ter sido imposto, coercitivamente.

O desrespeito às regras pode ser sinal de autonomia, significando resistência às imposições e ao autoritarismo. Não se pode negar, a indisciplina tem vínculos com a educação moral recebida; advém da forma de relação professor-aluno; e guarda, também, ligação com a existência de um currículo oculto excludente e suas imposições. Estas análises, entretanto, devem promover discussões em busca de caminhos aptos a resolver ou amenizar o conflito, pela abordagem direcionada ao desenvolvimento do aluno enquanto 'ser moral'.
'Educação' é aquela que provoca a ascensão do ser humano, incumbindo-se, portanto, de conduzir o educando ao esclarecimento. Esclarecimento traduzido em capacidade de agir autonomamente. Para o indivíduo alcançar a autonomia moral há imprescindível necessidade de o ambiente escolar ser cooperativo, pois, as virtudes morais não são transmitidas verbalmente e sim construídas nas relações interpessoais, estimuladas de forma ativa durante a infância e a adolescência, e não ensinadas por transmissão verbal. 
O ser humano tem, invariavelmente, duas tendências morais: a heteronomia e a autonomia. A progressão moral se dá em níveis, seguindo da heteronomia até a autonomia, condicionada a fatores tangentes às experiências entre pares, nas relações interpessoais. Desta forma, pais e professores devem estar atentos às normas estabelecidas em suas relações, compreendendo a educação enquanto algo dado pelo próprio comportamento, pela própria postura e juízos morais.
Frutos do desenvolvimento moral, há duas alternativas: formar personalidades livres ou conformistas. É inevitável, portanto, considerar a educação moral presente na formação do ser humano enquanto indivíduo. Consequentemente, um dos seu fins deverá ser, justamente, o crescimento pleno do educando, ou seja, de suas funções mentais. 
Conclui-se, existe uma congruência entre as propostas apontadas sob a ótica da psicologia da moralidade e sob o foco da psicologia institucional, centrada, principalmente, na relação educador-educando, sugerindo o prevalecimento de princípios morais no cotidiano escolar, dos fundamentos da cooperação,  direcionados a despertar a autonomia nos discentes.

(Caos Markus)


quinta-feira, 15 de agosto de 2013

QUARTA-FEIRA, 21 DE AGOSTO DE 2013: "RESSIGNIFICÂNCIAS EM REPRESENTAÇÕES SOCIAIS"


RESSIGNIFICÂNCIAS EM REPRESENTAÇÕES SOCIAIS

Nas sociedades modernas, somos diariamente confrontados com uma grande massa de informações. As novas questões e os eventos agora presentes no horizonte social frequentemente exigem, por nos afetarem de alguma maneira, a busca do seu efetivo discernimento, aproximando-os do já conhecido, usando palavras integrantes  de nosso repertório. Nas conversações diárias, em casa, no trabalho, com os amigos, somos instados a nos manifestar sobre eles, procurando explicações, fazendo julgamentos e tomando posições. Estas interações sociais criam ‘universos consensuais’ no âmbito dos quais as novas representações são produzidas e comunicadas, incorporadas, desde logo a esse universo, não mais como simples opiniões, porém, na condição de verdadeiras ‘teorias do senso comum’, construções esquemáticas cujo objetivo é dar conta da complexidade do objeto, facilitar a comunicação e orientar condutas. Essas ‘teorias’ ajudam a forjar a ‘identidade grupal’ e o ‘sentimento de pertencimento do indivíduo ao grupo’.
Há muitas formas de conceber e de abordar as representações sociais, relacionando-as ou não ao imaginário social. Elas ‘são associadas ao imaginário’ quando a ênfase recai sobre o caráter simbólico da atividade representativa de sujeitos partícipes de uma mesma situação ou vivência social: eles exprimem em suas representações o sentido dado à sua experiência no mundo social, servindo-se dos sistemas de códigos e interpretações fornecidos pela sociedade e projetando valores e aspirações sociais.
O estudo das ‘representações sociais’ investiga a origem do funcionamento dos sistemas de referência por nós utilizados a fim de classificar pessoas e grupos, e para interpretar os acontecimentos da realidade cotidiana. Por suas relações com a linguagem, com a ideologia, com o ‘imaginário social’ e, principalmente, por seu papel na orientação de procedimentos e das práticas sociais, as ‘representações sociais’ constituem elementos essenciais à análise dos mecanismos interferentes na eficácia do processo educativo.
Inseridos no indispensável discernimento das ‘representações sociais’, estão os desafios dos professores em sua prática docente, destacando-se sobremaneira a educação das classes desfavorecidas e o papel da escola na ruptura do ciclo da pobreza. O chamado fracasso escolar das crianças pobres é hoje preocupação dominante no campo da educação. Estudos sobre ‘percepções’, ‘atribuições’ e ‘atitudes’ de professores e alunos, bem como de comportamentos diferenciados do professor em função de expectativas, relacionando-os ou não a efeitos no aluno, têm procurado uma melhor compreensão do problema. Tal posicionamento equivale identificar princípios condizentes com uma didática condizente à sociedade apresentada sob representações repensadas.
A análise desses estudos, de um modo geral, eles têm indicam: (1) os professores tendem a imputar o fracasso escolar a condições sócio-psicológicas do aluno e de sua família, eximindo-se de responsabilidade sobre essa derrota; (2) um baixo nível socioeconômico do aluno leva o professor a desenvolver baixas expectativas sobre ele; (3) os professores são inclinados a interagir diferentemente com alunos sobre os quais formaram altas e baixas expectativas; (4) esse comportamento diferenciado frequentemente resulta em menores oportunidades de aprendizagem e diminuição da auto-estima dos alunos sobre os quais recaíram as baixas expectativas; (5) os alunos de baixo rendimento geralmente atribuem o malogro a causas internas (relacionadas a falta de aptidão ou de esforço), assumindo a responsabilidade pelo insucesso; (f ) o frustração escolar continuada pode resultar em desamparo adquirido.
Tais resultados ajudam a visualizar o ‘beco sem saída’ onde hoje se situa educação das chamadas ‘classes desfavorecidas’. Entretanto, apontam, sobretudo, a necessidade de se ultrapassar o nível da constatação acerca do ‘imaginário’ dos indivíduos, procurando então compreender ‘como’ e ‘porque’ essas percepções, atribuições, atitudes e expectativas são construídas e mantidas, recorrendo aos ‘sistemas de significação’ socialmente enraizados e partilhados, através dos quais se orientam e se justificam. A intenção propalada de propiciar mudanças através da educação exige a clareza dos ‘processos simbólicos’ verificados na interação educativa, considerando-a não ocorrente num vazio social. Em outras palavras, para maior impacto da pesquisa educacional acerca da prática educativa, não é aceitável recusar um olhar psicossocial, de um lado -preenchendo o sujeito social com um mundo interior- e, de outro, restituindo o sujeito individual ao mundo social.

(Caos Markus)

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

TERÇA-FEIRA, 20 DE AGOSTO DE 2013: "SOFISMA REDUCIONISTA DA NATUREZA HUMANA"



SOFISMA REDUCIONISTA DA NATUREZA HUMANA

Admitimos, desde Darwin, que somos filhos de primatas, embora não nos consideremos primatas. Convencemo-nos de que, descendentes da árvore genealógica dos trópicos onde vivia o nosso antepassado, dela escapamos para sempre, a fim de construirmos, fora da natureza, o reino independente da cultura.
O nosso destino é, evidentemente, excepcional em relação aos animais, incluindo os primatas que domesticamos, reduzimos, reprimimos e confinamos em jaulas ou em reservas. Fomos nós que edificamos cidades de pedra e de aço, inventamos máquinas, criamos poemas e sinfonias, navegamos no espaço. Como não acreditaríamos, pois, que, embora vindos da natureza, tenhamos nos tornado seres extranaturais e sobrenaturais?
Há muito, pensamos contra a natureza, convictos de nos ser atribuída a missão de dominá-la, subjugá-la, e conquistá-la.
As religiões em geral, apregoam a existência de um homem cuja morte sobrenatural foge ao destino comum das criaturas vivas. O humanismo é a filosofia de um homem cuja vida sobrenatural desvia-se desse destino: homem dotado de supremacia num mundo de objetos e soberano num mundo de sujeitos.
Por outro lado, embora todos os homens provenham da mesma espécie, “homo-sapiens”, esse traço comum da natureza continua a ser negado ao ser humano pelo humano, não reconhecendo o seu semelhante no estrangeiro, ou monopolizando a plena identidade e as íntegras características de homem, fazendo distinção não mais exclusivamente entre si mesmos e os demais primatas, porém, cometendo o absurdo de determinar “diferenças” entre os seus pares. E, atualmente, se fomos obrigados a admitir que todos os homens são homens, apressamo-nos à excluir aqueles a quem chamamos “desumanos”.
Contudo, o tema da ‘natureza humana’ jamais deixou de suscitar interrogações, porque só se descobriu o desconhecido, a incerteza, a contradição, o erro. Nunca alimentou um ‘conhecimento’, mas sim a dúvida sobre o ‘conhecimento’. Quando a natureza humana emergiu como plenitude, virtude, bondade, isso ocorreu para nos considerarmos imediatamente exilados e para, deplorando-a como um paraíso irremediavelmente perdido. Ato contínuo, não foi preciso muito esforço até a descoberta de que esse paraíso era tão imaginário quanto o outro.
A ideia da natureza humana ainda haveria de perder o núcleo, tornar-se protoplasma sem forma definida, quando se adquiriu consciência da evolução histórica e da diversidade das civilizações. Afinal,se os homens são tão diferentes no espaço e no tempo, se transformam-se de acordo com as sociedades, então a natureza humana não passa de uma matéria-prima maleável, só adquire forma por influência da cultura ou da história. Além disso, na medida em que a ideia de natureza humana foi imobilizada pelo conservadorismo, a fim de ser mobilizada contra a transformação social, a ideologia do progresso chegou à conclusão: para haver transformação no homem, este não podia ter natureza humana. Deste modo, esvaziada por todos os lados de virtudes, de riqueza, de dinamismo, a natureza humana surge como um resíduo amorfo, inerte, monótono, qual seja, aquilo de que o homem se desfez, e não aquilo que o constitui.
Entretanto, não é certo que a natureza comporta um princípio de variedade testemunhado pelos milhões de espécies vivas? Não implica num princípio de transformação? Não comporta em si própria a mesma evolução, no caminho percorrido até homem? Seria a natureza humana desprovida de qualidades biológicas?
Surgiram, sim, tentativas teóricas voltadas a firmar a ciência do homem sobre uma base natural. Karl Marx colocava no centro da antropologia não o ‘homem social’ e ‘cultural’, mas o “homem genérico”. Longe de opor ‘natureza’ e ‘homem’, Marx afirmava ser a natureza o objeto imediato da ciência ocupada no estudo do homem, considerandoo do homem, visto qur "mos  ser ‘natureza’ o primeiro objeto do homem, qual seja, o próprio homem
Engels  igualmente esforçou-se por integrar o homem na “dialética da natureza”.
Esses movimentos, todavia, refluíram. E a antropologia da primeira metade do século XX lançou-se exatamente no sentido contrário, repudiando qualquer ligação com o “naturalismo”. O espírito humano e a sociedade humana, únicos na natureza, deveriam encontrar a sua inteligibilidade não só em si próprios, mas também como antítese de um universo biológico sem espírito e sem sociedade. Deste modo, o mito humanista do homem sobrenatural reconstituiu-se no próprio seio da antropologia, e a oposição natureza/ cultura assumiu a forma de paradigma, quer dizer, de modelo conceitual a nortear todos os seus discursos.
No entanto, esta dualidade ‘homem/animal, cultura/natureza’, esbarra contra toda a evidência: o homem não é constituído por duas camadas sobrepostas, uma bionatural e outra psicossocial, é evidente quial, é evidente que não transpôs qualquer imaginada separação entre sua parte humana e sua parte animal; é evidente que cada homem é uma totalidade biopsicossociológica. E fosse concebível compreender o homem somente como ser biológico, não como produtor, mas como matéria-prima da qual se modela a cultura, nesse caso, de onde teria se originado a cultura? Se o homem vive na cultura, mas trazendo em si a natureza, como pode ser simultaneamente antinatural e natural? Como se pode explicar isso a partir de uma teoria limitada a se referir ao seu aspecto antinatural?
A antropologia absteve-se de abordar estas questões, e rejeitou o inexplicável, a pretexto de ser insignificante, até que o problema desapareça do campo da percepção. Contudo, mais recentemente, a situação modificou-se radicalmente, apesar de isso ainda ser muitas vezes pouco transparente. Deixou de existir a tal fronteira pretensamente inexpugnável entre os três domínios. Surgiram fissuras em cada paradigma isolado, lacunas essas ao mesmo tempo representando aberturas a os outros domínios até então interditos, e pelos quais, agora se operam as primeiras conexões e emergências teóricas novas.
A etologia (estudo dos comportamentos instintivos), abrindo a biologia para “cima”, começou a ter sucesso nos últimos anos. Porém, foi preciso muito tempo desde o trabalho solitário de pioneiros, observando os comportamentos animais no seu meio natural, até se atingir um desenvolvimento importante. E enquanto a ecologia modifica a ideia de natureza, a etologia modifica a ideia de animal. Até então, o comportamento animal parecia regido quer por reações automáticas ou reflexos, quer por impulsões automáticas ou “instintos”, simultaneamente cegos e extralúcidos, com função de assegurar a necessidade de salvaguarda da sobrevivência e da reprodução do organismo.
Ora, as primeiras descobertas etológicas indicam o comportamento animal simultaneamente organizado e organizador. Em primeiro lugar, surgem as noções de comunicação e de território. Os animais comunicam, exprimem-se de uma forma recebida como mensagem, e interpretam como mensagens determinados comportamentos específicos.
Desta forma, as comunicações animais já abrangem um campo semiológico complexo, a uma grande variedade de relações interindividuais: submissão, intimidação, acolhimento, rejeição, eleição, amizade. Além disso, são indicadores de fenômenos organizacionais básicos, como a regulação demográfica, o arranjo e a proteção do território.
A riqueza das comunicações realizadas por meio de sinais, de símbolos, de ritos, é precisamente função da complexidade e da multiplicidade das relações sociais. Nas aves, e sobretudo nos mamíferos, a grande diversidade de indivíduo para indivíduo determina e aumenta essa complexidade.
Tudo isto significa que a sociedade, concebida como organização complexa de indivíduos diversos, baseada ao mesmo tempo na competição e na solidariedade, comportando um sistema de comunicações rico, é um fenômeno extremamente disseminado na natureza.
De qualquer modo, a substituição das noções de hordas, bandos, colônias, pela de sociedade torna-se necessária quando se descobre a organização complexa desses grupos. Também neste caso é em volta do conceito de organização que emerge uma nova complexidade biossociológica, e é em volta do conceito de complexidade que emerge a fisionomia da organização social.
Hoje, já é possível conceber que a sociedade é uma das formas fundamentais mais amplamente difundida, desenvolvida de uma maneira muito desigual, contudo muito variada, da auto-organização dos sistemas vivos. E, assim, a sociedade humana surge como uma variante e um desenvolvimento prodigioso do fenômeno social natural. A sociologia, uma ciência humana, perde então o seu isolamento e passa a ser o máximo reconhecimento da sociologia geral.
 A sociedade e a individualidade surgem-nos, assim, como duas realidades simultaneamente complementares e antagonistas. A sociedade, ao mesmo tempo em que maltrata a individualidade, impondo-lhe os seus limites e as suas coações, oferece-lhe estruturas que lhe permitem exprimir-se. Utiliza, para a sua variedade, a diversidade individual, que, caso contrário, se dispersaria na natureza; a variedade individual utiliza a variedade social para tentar expandir-se.
Nesta dupla ruptura (do biologismo e do antropologismo) e dupla abertura (do conceito de vida e do conceito de homem) tem uma importância capital. A abertura da noção de homem sobre a vida não é unicamente necessária à ciência do  homem. É também indispensável ao desenvolvimento da ciência da vida. A abertura da noção de vida é, por si mesma, uma condição para a abertura e ao desenvolvimento da ciência do homem. A insuficiência de uma e de outra tem inevitavelmente de apelar para um ponto de vista teórico que possa, ao mesmo tempo, uni-Ias e distingui-Ias, permitindo estimular o desenvolvimento de uma auto-organização e de uma lógica da complexidade.
Por efeito, a questão da origem do homem e da cultura não diz unicamente respeito a uma ignorância a ser eficazmente reduzida. Considera uma curiosidade a satisfazer. É uma questão com um alcance teórico imenso, múltiplo e geral, consolidando a interligação entre ‘natureza/cultura, animal/homem’.
Afinal, ser primata não é defeito. Agir como um símio e se autodenominar ‘homem’, isto sim, é somente frase de efeito, um sofisma reducionista da espécie humana.

(Caos Markus)

DOMINGO, 18 DE AGOSTO DE 2013: "A ADMIRÁVEL PULSÃO NARCÍSICA"



A ADMIRÁVEL PULSÃO NARCÍSICA

Até a atualidade, em sucessivas etapas o homem vem evoluindo. Convém, todavia, diferenciar ‘evolução’ de ‘progresso’, pois na primeira o que se verifica é apenas o decorrer do tempo; no segundo, o aperfeiçoamento humano é a evidência.
Quando ainda mantinha estreito parentesco com demais animais, nele os instintos eram predominantes . Mais tarde, sensações e emoções tornaram-se determinantes. Em mais avançado estágio, passou a valorizar os sentimentos. Nessa nova dimensão, não se despojou, naturalmente, de todos os seus instintos, sensações e emoções. 
Isso porque, do legado adquirido na ancestralidade do gênero, tais características são extremamente necessárias à manutenção da vida humana. Ainda hoje, cada uma dessas fases possui função primígena na garantia de sobrevivência da humanidade.
O instinto (do latim “instinctu”) é inato, ‘espécie de inteligência’ no seu grau mais rudimentar, a guiar homem e animais mais avançados na trajetória do curso da vida, visando justamente a ‘preservação dos seres’.
Os ‘instintos’ são adquiridos nas experiências vividas, no confronto com determinadas situações e nas respostas correlatas; e então herdados pelas gerações posteriores. Eles se manifestam nos humanos, na maior parte das vezes, através das ‘reações’ a certas ‘emoções’.
Muito embora ‘decisivos na manutenção do gênero, por motivarem o agir quando, como real necessidade, este se impõe, não mais deveriam reger atitudes qualificadas pela brutalidade ou marcadas por pequenez, dissimuladas sob a falsa inspiração dos ‘sentimentos’.
O instinto pode ser convertido em inteligência quando, ao atuar respondendo às volições que lhe são próprias, e por isso responsável na relação ‘causa/efeito, o indivíduo consegue converter em inteligência eficaz o até então mero instinto aleatório que repousa sobre acontecimentos incertos. 
É forçoso reconhecer, parte de cada ser humano é comandado, nos momentos de gozo e volúpia, por impulsos irresistíveis e repetitivos, independentes de sua vontade, e não por razões mais nobres.
A compreensão do homem subjugado por instintos animais, por algum tempo relegada a plano secundário, é atualmente resgatada, concebendo-se, então, o processo instintivo humano sobre nosso comportamento como algo ainda mais rude. Assim observados, muito além de qualquer reprovável suposição, mais nos assemelhamos aos primatas.
Na parte anatômica e química do que foi designado como ‘id’( a parte original, da qual, desenvolvem-se, posteriormente, o ‘ego’ e o ‘superego’), nosso cérebro é muito parecido com os dos mamíferos abrigados em nossa casa como animais de estimação.
Há várias espécies de instintos, mas basicamente dois são os principais, em luta constante luta dentro de cada um de nós: ‘Eros’, na esfera da vida, e ‘Thanatos’, na da morte. Eles governam nossas tendências naturais voltadas à construção, a primeira; e dirigidas à destruição, a segunda. É essencial o equilíbrio entre eles, na garantia de um desenvolvimento mental e emocional saudável.
Os instintos, quando desviados de sua trajetória considerada normal, são transformados em pulsão, ou seja, o impulso do inconsciente que leva o indivíduo à ação com o objetivo de anular um estado de tensão.
Diante de alguém a nos despertar uma atração sexual, é a pulsão que nos conduz a um ato concreto, caracterizado como objetivo sexual.
Biologicamente, o instinto tem por fim a reprodução humana. Porém, como o foco na manutenção da espécie é substituído pela centralização à pulsão do prazer, realizada
restritamente enquanto necessidade de relaxar uma tensão, a união sexual não evidencia uma perversidade do instinto. Porém, analogamente aos desvios sexuais, a extrapolarem a conduta sexual no contexto da pulsão, levando o homem a um patamar inferior ao da maior parte dos seres considerados irracionais; a maldade também não pode, jamais, ser vista como gesto instintivo em nível de pulsão, porque à razão humana já não mais falta a faculdade de adaptação, diferenciando o ‘id’ do seu intermediário com o mundo externo, o ‘ego’.
Ou isto, ou qualifiquemos o egoísmo como trajeto normal de inaudita ideologia contemporânea: a do narcisismo como admirável pulsão.


(Caos Markus)


SEGUNDA-FEIRA, 19 DE AGOSTO DE 2013: "O EU DO OUTRO"



O EU DO OUTRO

A expressão “sociedade de consumo” nasceu nos anos 1920 e popularizou-se entre 1950 e1960. Refere-se a um tipo de consumo puramente materialista que fixa o poder do dinheiro em um plano superior na vida.  Esse momento da história deve ser visto como ultrapassado, não porque o  consumo tenha sido superado. Longe disso, a dinâmica de expansão das necessidades se prolonga, mas carregada de novos significados, coletivos e individuais, ou seja, há agora uma espécie de ‘hiper-materialismo’. Os homens continuam sedentos de consumo, entretanto, de forma direcionada a parâmetros mais íntimos.
A qualidade de vida, a expressão de si, preocupações referentes ao próprio sentido da vida, estão em voga e se sobrepõem ao consumo desenfreado e isento de reflexão.
Por volta de 1880, a infraestrutura moderna dá início ao primeiro ciclo da era do consumo que termina, por sua vez, com a Segunda Guerra Mundial. Nessa fase, as técnicas industriais de desenvolvimento de máquinas, a padronização das mercadorias, o aumento da quantidade de fluxos não foram por si só suficientes para o nascimento do capitalismo de consumo. Mas, concomitante, verificou-se uma construção cultural e social que requereu a 'educação' dos consumidores.
A produção de massa, o ‘marketing de massa’ e o consumidor moderno são criações preliminares, assim como a dedicação de notáveis orçamentos para reforçar as marcas recém-criadas. Os consumidores passam a depositar suas expectativas e julgamentos num nome e em um fabricante desconhecido ,comprando uma assinatura no lugar de uma coisa.
O processo ‘consumo-sedução/consumo-distração’ do qual somos herdeiros, nasceu através dos grandes magazines, então ocupados em preparar todo um cenário propício à sedução e ao desejo de comprar, servindo ao mesmo tempo para excluir a ‘culpa’ no ato de 'comprar desnecessária e compulsivamente'. Nessa dimensão, não é mais para si que o indivíduo adquire o supérfluo. Ele o faz a fim de exibir a outrem o seu imaginado status. Enfim, é quando o 'eu' passa a pertencer ao 'outro'.
Inegável, os malefícios do hiper-consumo sobre a Educação, desde a infantil, passando pela  aprendizagem dos  adolescentes, até o ensino superior, são cruciais. Trata-se de um modelo social  formador de opiniões, criando conceitos, direcionando o consumo ao comportamento do educando.
As crianças durante a educação infantil , em especial, imitam o que vêem, incorporam padrões de condutas fartamente divulgados por esse modelo. Estes valores nem sempre constituem preocupação dos seus responsáveis, estando sempre ameaçados por vultosos interesses econômicos.           
Infelizmente, a ideologia do consumo implica na alienação padronizada, envolvendo, subliminarmente a violência, em multiplicidade de formas e manifestações. Obviamente, os conhecidos pré-requisitos, fundamentais para ulteriores estágios da Educação, são substituídos pela prévia requisição de um contingente de alunos a consumarem a banalização como normal graduação, tornando-se imunes ao horror da violência, aceitando-a  como forma de resolver conflitos, reproduzindo-a e, o mais grave, identificando-se com as características inconvenientes de vítimas e/ou agressores, além de drástica redução da comunicação inter-familiar, e seu mais imediato efeito, o isolamento.
Algumas ideias  demonstram muitos problemas dos indivíduos com as coisas, consigo mesmos e com o social. Contudo, por outro lado, identifica-se, atualmente,  a ‘sociabilidade ampliada’. Mesmo sendo efêmera, seletiva e emocional, está mais adequada com o caráter hiper-consumidor. Além disso, os indivíduos não abandonaram a negatividade (característica humana) de querer vencer e superar-se. Dessa forma, o mercado e o hedonismo não comandam integralmente a existência humana. A felicidade, por sua vez, a cada dia tem de ser reinventada e ninguém  detém as chaves do ficcionado paraíso terrestre, pois as satisfações de existência mudam ao longo da vida, ou seja, ela é desunificada e pluralista. Por isso, rejeitar o consumismo é pouco sábio. Apenas o reajuste e o reequilíbrio evitarão a opressão da pluralidade dos horizontes da vida.

(Caos Markus)



SÁBADO, 17 DE AGOSTO DE 2013: "A NECESSÁRIA PEDAGOGIA NEUTRALIZADA"

Conhecer os significados das palavras 'educação' e 'ideologia' é óbvia premissa para o entendimento do conceito 'educação ideológica. 'Educação' significa o ato ou processo de educar (se), abrangendo qualquer estágio do seu desenvolvimento, com abordagem da aplicação de métodos próprios dirigidos à formação e ao progresso físico, intelectual e moral do ser humano, observando-se os costumes da vida social. Equivale a dizer, educação é um ato de aprendizagem formal e/ou informal, processado de maneira didática e espontânea, levando o indivíduo à percepção da memória e dos sentidos.
Em acréscimo, etimologicamente, 'educação' vem do latim "educationis", ou seja, "ação de criar, de nutrir", cultura ou cultivo de algo traduzido e sabedoria. Considerada enquanto filosofia cuja meta é o equilíbrio em todas as instituições, através de uma pedagogia criadora de cultura e conhecimento didático; logo, pode-se afirmar, 'educação' é o próprio comportamento manifestado tanto pela moral quanto pela ética, contextualizada na ampla formação do ser humano.
Já o conceito de 'ideologia' tem origem no termo francês "ideologie": inicialmente, os estudos das ideias; mais tarde, o conjunto das ideias adquiridas com a realidade.
Filosoficamente, é a ciência ocupada em estudar a origem das ideias humanas e as percepções sensoriais do mundo externo.
'Ideologia' é, enfim, um conjunto de representações, impostas por segmentos como uma verdade acabada e universal. Uma dicotomia entre a forma de pensar e o real, portadora, assim, de concepção negativa dela mesma.
Para os marxistas são os conjuntos de ideias presentes nos âmbitos teórico, cultural e institucional das sociedades, ou crenças, tradições, princípios e mitos presentes em determinado grupo social, a defenderem os seus pessoais interesses, quer religiosos quer políticos ou econômicos.
Somente a partir de todas essas considerações poderão ser debatidas as questões da 'educação ideológica' e dos seus pilares de sustentação, quais sejam, a família, a escola, igreja, mídia, clubes, e qualquer outro lugar onde o Estado repassa a sua ideologia, reproduzindo-a, e com tanta repercussão a ponto de hoje encobrir a educação brasileira, face a modelos cujos objetivos limitam-se à difusão e preservação da ideologia da classe dominante, utilizando as escolas e os seus projetos pedagógicos como 'cápsulas de alienação', posto que não apenas o conhecimento elaborado, mas igualmente a filosofia educacional, são, a um só tempo, causa e efeito do mesmo fenômeno, a 'ideologia'.
O simples uso do livro didático é uma 'alienação ideológica', pois em sua imensa maioria, essas obras não condizem nem com a realidade dos alunos nem com a veracidade do contexto regional onde são adotadas, restando patente a subordinação intelectual pelo domínio ideológico.
É ela, a 'educação ideológica', a mantenedora de qualquer sistema de de governo, pois instrumentalizada para a conservação de poder do Estado.
No mundo globalizado onde vivemos, a distinção das classes sociais é sempre mais profunda, suas diferenças acentuadas, onde os conflitos, históricos, registram atrocidades análogas a períodos primitivos da humanidade.
Buscando uma educação livre dessa ideologia, encontramos a tentativa de divulgação dos valores das classes subalternas. Este confronto de antagonismos filosóficos e políticos é ao mesmo tempo alienador, porque pretende o domínio do Estado através de uma educação igualmente ideológica.
Não será utopia almejar uma escola transformadora, com uma pedagogia neutralizada por filosofia de ideias e ideais elaborados na co-participação entre educadores e educandos, libertos do império estatal.
A educação é passaporte para um mundo acima de tudo humanista e dialético, contribuindo na formação do ser através do conviver e do conhecer, pelo movimento inicial do fazer e do pensar (reflexivo, objetivo e subjetivo) do individuo, a fim de capacitá-lo a transformar e construir tudo ao seu redor.

(Caos Markus)