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sábado, 30 de novembro de 2013

TERÇA-FEIRA, 10 DE DEZEMBRO DE 2013: "A LUCIDEZ SUBTRAÍDA"


Muitas mudanças estão ocorrendo. Não podemos ignorá-las nem condená-las.
Há cada dia, torna-se mais difícil a percepção da 'realidade', diferenciando-a da 'aparência'. Os afetos verdadeiros distanciam-se dos sentimentos, substituídos por sensações movidas por interesses escusos.
O fugaz, quer no mundo físico quer no digital, é obstáculo à distinção entre o vulgar exibicionismo e a existência concreta.
Parece, se não nos percebem, então não existimos. Pior, se não devassamos a vida alheia, algo nos falta.
Um tanto inconscientes, estamos mais voltados para o exterior, afastados de nós mesmos.
Agitamo-nos, olhando-nos, o tempo todo, no espelho dos outros.
Sim, é importante ser reconhecido, mas não a qualquer preço, num esforço absurdo a realçar o que não somos, violentando caráter e temperamento de cada um de nós próprios, guiados tão apenas pela pretensão de causar impacto, rejeitando a autenticidade.
Antes, todos possuíamos um aspecto público, mais expressivo no campo profissional e em diversos ambientes sociais. Paralelamente, havia um ambiente privado -o familiar, o pessoal-, invariavelmente, inviolável, ignorado pela maioria das pessoas. 
Atualmente, há uma mudança de ênfase na divulgação da intimidade.
Agora, com as redes sociais, os blogues, o Youtube, o Twitter, além de outras acessíveis ferramentas, inclusive, acopladas à telefonia móvel, os meios para divulgar e ver em tempo real quase já não separam o público do privado, a verdade da ficção.
Nota-se uma "febre" por divulgar-se, autopromover-se, oferecer-se em exposição constante, 'compartilhando-se'. Monitoramos e somos monitorados a cada instante, através de mensagens cuja repercussão reflete a banalidade do cotidiano.
Muita gente dirá que é natural essa efervescência, dada a visibilidade facilitada e a carência de sermos valorizados.
Preocupante, contudo, é saber quais são as razões deste simulacro, do frenesi destas "permutas" virtuais. Virtualidade não restrita ao meio digital, todavia, presente fora das câmeras, dos monitores, a ponto de justificar a velha indagação, adequando-a à contemporaneidade: a vida imita a "arte" ou a "arte" imita a vida?. E, obviamente, aqui há de se entender "arte" como todo o conjunto de produção sem criação alguma, divulgado numa velocidade intensa, a percorrer instantaneamente milhares de quilômetros. O longínquo, de tão perto, tão próximo, gerou uma "miopia" social.
Preocupa a escassez de tempo para conhecermos e reconhecermos a nós mesmos; para selecionarmos, refletirmos, aprofundarmos, avaliarmos (em suas contradições e afetos concretos) as pessoas ao nosso redor.
Preocupa a perda de identidade: a própria e alheia.
Sem essas identidades, o imaginário restará confinado à manipulação do lúdico, inapto a discernir, entre 'imagem' e 'ação', a lucidez subtraída.

(Caos Markus)

SEGUNDA-FEIRA, 9 DE DEZEMBRO DE 2013: "A ALDEIA NA GALÁXIA"

A ALDEIA NA GALÁXIA

Algumas considerações de Herbert Marshall McLuhan, autor identificado, principalmente, por uma de suas obras, "A Galáxia de Gutenberg":
"As escolas esforçam-se para sustar a Evolução  -a própria essência da vida. Mas a vida se rebela e termina encontrando meio de ficar fiel à Biogênese, à Psicogênese e à Sociogênese. Cada criança que nasce inicia nova Humanidade."
"Os filhos do homem tecnológico reagem, com espontâneo deleite, à poesia dos trens, dos barcos, dos aviões, e à beleza dos produtos da máquina. Na aula, os círculos oficiais suprimem toda a sua experiência natural: as crianças estão divorciadas de sua cultura. Não lhes permitem aproximarem-se da herança tradicional da humanidade pela porta da consciência tecnológica. Esta porta  -a única aberta para elas- é fechada em seus narizes. A única porta que fica aberta é a das caras sérias. Poucos a encontram e muito menos ainda encontram seu caminho de regresso à cultura popular".
Comentário do Educador Lauro de Oliveira Lima:
"O professorado brasileiro não atingiu sequer a 'galáxia de Gutenberg': utilização do livro.
Comporta-se, ainda, como o 'lector' medieval que 'recitava' pergaminhos e papiros para alunos analfabetos.
A biblioteca não é ainda a fonte de informação: transmite suas 'mensagens' oralmente, como faziam os povos pré-históricos, sem tradição escrita."

(copydesk, Caos Markus)

DOMINGO, 8 DE DEZEMBRO DE 2013: "O INCERTO CONTRADITÓRIO"

Somos profundamente contraditórios. Essa é a nossa riqueza e pobreza. Riqueza, porque nos mostra como um mosaico cheio de cores diferentes, de desenhos irregulares, que, no conjunto, fazem sentido. Pobreza, porque há muitas diferenças entre o que queremos e aquilo que somos, entre o que dizemos e o que fazemos. Todos somos profundamente contraditórios. Esse é o ponto de partida para avançar. Aceitar essa precariedade, provisoriedade, incompletude.
Somos muito diferentes uns dos outros nas nossas reações, motivações, comportamentos. Não podemos impor nossa forma de ver como a única possível. Os que impõem uma única moral, um único ponto de vista, um só comportamento não entenderam a complexidade do ser humano. Os moralistas, que ditam regras, costumam esconder suas inseguranças, nas certezas que impingem aos outros, em comportamentos que costumam não praticar.
Uma das aprendizagens mais difíceis da vida é desconfiar das certezas, descrer dos que aparentam saber tudo, rever dogmas que parecem definitivos e aceitar conhecimentos mais provisórios, incertos, incompletos. É preferível viver com poucas certezas solidamente construídas, do que com muitas nunca questionadas. Nossos pais e mestres nos ensinaram aquilo que tinham como certo, em geral, de boa vontade. Nossa tarefa é reexaminar ese ensinamento, revê-lo à luz da nossa experiência e não ter medo de questioná-lo, repensá-lo e, se for necessário, mudá-lo. Nosso compromisso é com a verdade que percebemos em cada momento e não com verdades absolutas, imposições externas.
É melhor caminharmos na incerteza e aceitar nossas contradições do que agirmos teleguiados por verdades absolutas que nos infantilizam. Esse é o primeiro passo para aprender sem que sejamos impedidos de crescer, para ser mais humanos e nos realizar cada vez mais.

(Caos Markus)

QUINTA-FEIRA, 12 DE DEZEMBRO DE 2013: "UMA INJUSTA TEORIA DA IMPARCIALIDADE"

Compreendendo a Justiça pelo conceito de 'equidade', reformulando-a, porém, em necessária  adequação à atualidade, dois serão os seus fundamentais princípios. No primeiro, cada pessoa tem o mesmo direito irrevogável a um esquema plenamente compatível de liberdades básicas iguais, coerentes com o genérico esquema de liberdade essencial para todos. E, no segundo, as desigualdades sociais e econômicas devem satisfazer duas condições: inicialmente, estar vinculadas a cargos e a posições acessíveis em  condições de paritárias de oportunidade; em seguida têm de beneficiar ao máximo os membros menos favorecidos da sociedade. 
O primado das liberdades básicas tem precedência sobre o subsequente. E a parte relativa à igualdade de oportunidade é premissa de anterioridade sobre a posterior, que é descrita como o 'princípio da diferença'. O primeiro dos dois princípios de justiça estabelece condições mais amplas  ao exercício de todo o jogo político e isso explica sua preexistência. 
As liberdades não são consideradas abstratamente como se indicassem um valor absoluto e evidente. Deverão ser especificadas as idênticas liberdades elementares, levadas em conta na formulação dessa regra. Liberdade de pensamento e de consciência, liberdade de participação política, liberdade de associação, liberdades e direitos vinculados à preservação da integridade física e psicológica, e direito a liberdades cingidas pelo Estado de Direito. 
Tais elementos fazem parte da cultura democrática tradicional. Seus componentes são selecionados analiticamente, isto é, seus componentes são selecionados porque correspondem a condições necessárias ao desenvolvimento e ao exercício das duas aptidões morais indicadas na concepção de pessoa: a capacidade de julgar tanto a justiça das instituições quanto a das políticas sociais; e a competência de tentar a realização das concepções do 'bem', no sentido mais amplo dessa palavra. 
A introdução do segundo parâmetro relativo à igualdade de oportunidades também se relaciona às condições concretas, mas não é um requisito formal. 
Na justificativa do alicerce da 'diferença', mais complexo, aí sim residem as controvérsias quando discute-se uma teoria da Justiça. Pois, retóricas e sofismas são frequentemente utilizados com o objetivo de esclarecê-la, sem, no entanto, qualquer persuasão. Porque, notório, por 'equidade' entende-se não somente 'equivalência', mas também 'neutralidade'. E permanecer neutro diante de desigualdades é abolir a Justiça na prática, construindo uma injusta Teoria da Imparcialidade fundada na inadmissível isenção.

(Caos Markus)

SÁBADO, 7 DE DEZEMBRO DE 2013: "DIMENSÕES E PLENITUDE"

Ao longo da vida encontramos e convivemos com muitas pessoas diferentes,
na família, na escola, no trabalho, no lazer. Na juventude estamos abertos a
muitas pessoas e grupos diferentes. É uma fase de experimentação. Aos
poucos afunilamos as escolhas, reduzimos o número de amigos, mantemos
relações mais estáveis, em geral de casal com filhos. Eventualmente
descobrimos algumas pessoas diferenciadas, com as quais nos identificamos
rapidamente, que suscitam nossa admiração. Elas se incorporam ao nosso
círculo de amigos, trazendo vitalidade, frescor, ampliando nossos horizontes.
A vida, de repente, pode nos surpreender com o encontro inesperado com uma
pessoa muito especial, que intuitivamente percebemos que vale muito a pena
conhecer mais profundamente, conviver intimamente e torná-la nossa parceira
exclusiva. Só que dar esse passo pode implicar em realizar mudanças
profundas, como sair de relacionamentos estáveis anteriores, avaliar o que
será melhor para os filhos, ter coragem para enfrentar o novo e o risco de
que o relacionamento se esvaia com o tempo.
Não há garantia antecipada de que uma decisão será melhor que outra, mas
quando você encontra essa pessoa, a assume completamente e quando o
tempo reafirma a validade dessa escolha, a vida ganha uma dimensão de
plenitude desconhecida, tudo adquire um sentido mais profundo, ao
desenvolverem os dois uma cumplicidade maravilhosa, abrangente, se
ajudando, completando, numa cumplicidade e sinergia crescentes.
Num mundo em que passamos tanto tempo convivendo com pessoas,
principalmente no trabalho e na Internet, em que predominam mais as
aparências do que a realidade, nossa vida se ilumina quando conseguimos ter
um grupo de pessoas nas quais confiamos e com as quais podemos contar
sempre, ficar a vontade, sem fazer cerimônia, mostrando-nos como somos. A
vida vale muito a pena com amigos fieis e principalmente no relacionamento
com um companheiro(a) em clima de total confiança.
Realização profissional, sucesso econômico e social são objetivos
interessantes, mas a realização maior se dá na capacidade de desenvolver nossa autonomia, liberdade integrada com relacionamentos verdadeiros,
confiáveis e estáveis com pessoas que nos ajudam a crescer num clima de
confiança e respeito.
Muitos dizem que isso é utópico, que os relacionamentos hoje são muito
interesseiros e descartáveis. Muitos focam demais as redes sociais, como
espaços de convivência. Tudo depende do que queremos construir, dos
valores que cultivamos, das atitudes profundas com que enfrentamos a vida.
Se somos pessoas que evoluem sempre, em todas as dimensões, atrairemos
pessoas mais interessantes e maduras emocionalmente. Se somos
dependentes e infantis, atrairemos também pessoas mais dominadoras e
complicadas, o que ampliará nossas deficiências e dependências e dificultará o
caminho para a nossa realização.
Podemos aprender a fazer melhores escolhas com o tempo, sendo mais
observadores, não entrando de cabeça em qualquer relacionamento ou
amizade, avaliando realisticamente todas as situações que se nos apresentam
no dia a dia e nas redes sociais. É um mix de intuição inicial com avaliação
continuada, indispensáveis ambas para tomar decisões mais confiáveis em um
campo tão movediço como o dos sentimentos e afetos.
Quando eu evoluo, começo a sintonizar com pessoas que se encontram em
patamares, movimentos e valores semelhantes. Se sou coerente, verdadeiro
na comunicação com os demais, encontrarei algumas pessoas – entre muitas
que não nos apreciarão – que compartilharão também dessas mesmas atitudes
e postura diante da vida. Haverá uma crescente sintonia, compartilhamento,
confiança.
A vida vale muito a pena quando conseguimos crescer em autonomia,
liberdade pessoal e em convivência íntima com pessoas confiáveis,
interessantes e especiais. 

(Caos Markus)

SEXTA-FEIRA, 6 DE DEZEMBRO DE 2013: "ASSUMINDO CIRCUNSTÂNCIAS"

A ideia de que podemos tudo e tudo depende de nós, do nosso agir, é extremamente sedutoraMas, infelizmente, simplista. Vale como estimulo a atitudes pró-ativas, de impulsionar-nos à mudança. 
Há limites objetivos em muitos campos: cada um tem qualidades diferentes. Nossa história acumula experiências, crenças, procedimentos que podem, em parte, ser modificados, porém, como roteiros internalizados, são sempre os primeiros a ser mobilizados diante de cada nova situação.Tendemos a repetir processos, escolhas e procedimentos. Somente quando estamos preparados para um salto de qualidade na aprendizagem, com a experiência, com a vida, podemos afastar-nos, um pouco, das escolhas prévias.
É possível mudar, mas não é tão fácil para a maioria. Há muitas alterações apenas aparentes: separar-se de alguém é uma mudança, contudo, pode ser mais aparente do que real, se levar a novas escolhas próximas das anteriores, ou se repetir, na sequência, padrões familiares. Algumas pessoas aprendem e mudam; outras, aparentando um real aprendizado, repetem modelos.
Percebe-se a complexidade da transformação nas iniciativas diante de decisões postergadas, não consumadas. Se o valor da vida ou a relação afetiva são muito fortes, é possível a efetiva mutação. Uns mudam para sempre, deixam o patamar anterior e agem de forma diferente, enquanto outros o fazem temporariamente e, diante de outras circunstâncias, retornam a ocorrências passadas.
Há algumas ilusões no processo de transformação: trocar de ambiente, pressupondo imediata renovação em nossas vidas, é iniciativa a ensejar, sem dúvida, um componente (no outro lugar escolhido) que possa contribuir para atenuar conflitos ou facilitar algumas situações; contudo, o contrário não ocorre, isto é, o ambiente por si só não nos modifica, porque sempre partimos levando conosco os nossos valores, crenças, percepções e formas de escolher e avaliar; com uma determinada relação entre pensamento e ação. 
Expressiva parcela de indivíduos quer de fato mudar. A grande maioria, entretanto, não consegue, e dificilmente o fará. Uns porque vivem na defensiva, fechados, e não estão internamente prontos para isso. Outros, porque, embora o desejam, limitam-se à vontade, não atuando, efetivamente, na construção do novo.
Muitos fingem socialmente uma condição de felicidade inabalável, a conquista de uma estabilidade financeira, profissional e emocional. Ocultam a sete chaves os seus problemas, como se simular pudesse ser um lenitivo. E fazendo disso um lema inconsciente, passam a acreditar nessa acomodação, prestigiando-a, valorizando-a, mesmo sem prestígio e valor algum. 
Há quem transfira às autoridades as decisões do seu bem-estar social, responsabilizando-as tão-somente, enquanto se eximem de qualquer culpa diante de certas derrotas. Esperam de líderes a solução não só dos problemas coletivos, mas, principalmente dos individuais. E a sociedade privilegia a média, a "normalidade", suscetível a degenerar facilmente em mediocridade. Muitas pessoas possuem toda a informação e o conhecimento necessários às mudanças, e, conscientemente, fazem tentativas parciais, não focando continuamente o processo, passo a passo. Elas iniciam entusiasmadas, desistindo, logo adiante. 
Então, permanecem sempre no mesmo nível. Mais tarde, recomeçam e desistem. Analogamente, lêem mais ou menos, entendem menos que mais e não se atrevem a falar. Não aprendem realmente. E paulatinamente, criam resistência à aprendizagem, pela soma de tentativas fracassadas.
Não acreditando intimamente no seu potencial, nem que vá ser bem-sucedido, não são poucos a manter imagem contrária. Apesar de almejarem mudança, são insatisfeitos, irritados com os parceiros, punindo tanto os que estejam em seu convívio quanto, principalmente, intimamente, a si próprios. 
Diante de qualquer problema, recolhem-se aos seus casulos, não entram em polêmica, nem procuram o novo;  se "defendem". Não almejam desafios  nem exploram as contradições e possibilidades. São conservadores, mantendo intactos os seus valores, tradições e formas de agir; têm dificuldade visceral em mudar. Fazem qualquer coisa para ficar onde estão. A "segurança" é o seu grande valor. A tradição, sua bandeira.
Assumir as suas circunstâncias, admitindo-as ou negando-as, eis o critério indispensável à qualidade das mudanças.

(Caos Markus)

QUINTA-FEIRA, 5 DE DEZEMBRO DE 2013: "DO MUNDO QUE SE VÊ"


Eu vejo o mundo de um jeito específico e me parece tão firme, tão claro, que imagino que o outro também deva enxergá-lo da mesma forma. Mas, ao falar com ele, fico surpreso quando, às vezes, não sou bem compreendido, quando não aceita imediatamente o que considero evidente. O que é claro para mim só é claro para mim. Não significa que o seja igualmente para o outro. O mundo que vejo não coincide com o que o outro vê. Pode ser parecido, mas não o mesmo.O mundo que vemos é, por um lado, orientado pela cultura, pela educação, pela religião e, por outro, pela nossa experiência pessoal, pelas nossas formas de interagir com o mundo, de comunicar-nos de forma aberta ou fechada, confiante ou desconfiada. Estamos sempre em um contexto maior, que nos envolve como a peixes na água e que nos parece "natural". É tão natural que não o percebemos ou o damos por pressuposto. E, ao mesmo tempo, o contexto está em nós. Queiramo-lo ou não, a sociedade está o tempo todo interagindo, comunicando-se conosco, orientando-nos, balizando a nossa percepção e a ação. A sociedade reforça certos comportamentos e desaprova outros. Envia-nos continuamente feedbacks de aprovação ou desaprovação, de incentivo -se não questionamos os princípios básicos – ou de desaprovação- se os confrontamos.Uma parte de cada um de nós está codificada, articulada, claramente organizada. Mas uma outra parte se nos escapa; está desarticulada, parece desconexa, sem sentido. Há informações, em nós, claramente sistematizadas, que tanto nós como os outros captamos e agimos em função delas. Mas e as outras? Se nem mesmo eu encontro o seu significado, se não consigo organizá-las, como vou esperar que os outros as compreendam? É no processo de comunicação que essa desorganização diminui e consigo encontrar áreas de significação no caos, tanto no meu “inconsciente” como no do outro. O outro lê nas entrelinhas do não-verbal, do que sugiro, do que deixo escapar e da entonação e me devolve a sua leitura, que me ajuda a ler-me, a compreender-me. Se as interpretações de muitas pessoas sobre mim são convergentes, se coincidem no essencial, a minha leitura sobre mim mesmo se modificará. Pela comunicação procuramos estruturar e organizar o caos pessoal: as incertezas de cada um, as nossas contradições, assim como o caos grupal: as incertezas nas relações interpessoais e nas múltiplas interações de grupos pequenos e grandes, sólidos e mutáveis, masculinos e femininos, reconhecidos e desconhecidos, conservadores e inovadores. Também procuramos compreender o caos social: a complexidade das interações estruturais e as inter-relações entre o local, o nacional e o internacional, entre o pequeno e o grande, entre o universo masculino e o feminino, da criança e do adulto, da cultura erudita e da popular, entre o trabalho e o lazer, entre o material e o espiritual, entre o passado, o presente e o futuro. A comunicação nos ajuda a criar balizas (pontos de referência para perceber, julgar, agir)e a nos tornar visíveis para os outros, o que nos possibilita encontrar o nosso espaço pessoal, profissional e emocional diante dos demais. Além disso, desvenda, cura e ajuda a "reviver" situações introjetadas. O ponto de partida de Freud é que a comunicação cura. Falar com o outro revela o que estava escondido até de nós mesmos. E as outras linhas terapêuticas caminham, com variantes, na mesma direção: a comunicação com o outro é reveladora. A revelação aumenta se há um clima de confiança, um ambiente em que ambos nos encontremos sem medo e com respeito e oferecemos uma visão menos caótica um do outro. Toda comunicação é reveladora, mas a efetuada em clima de compreensão, de não condenação e de aceitação profunda acelera o processo de crescimento e de desvendamento de áreas dispersivas do nosso ser, gerando segurança. A aceitação mútua, na comunicação entre pessoas, é a pedra de toque para o avanço profundo de cada um de nós na reorganização dos espaços pessoais, no gerenciamento das diversas tensões e na digitalização, isto é, na sistematização do que estava um caos.

(Caos Markus)

QUARTA-FEIRA, 4 DE DEZEMBRO DE 2013: "RUPTURAS E INOVAÇÕES"

Em decorrência das transformações drásticas em todos os campos – do pessoal ao social –, os serviços, o trabalho, o lazer e a educação se modificaram profundamente. Dessa forma, a tendência é a de uma aceleração ainda maior nos próximos anos.
Caminhamos rapidamente para uma sociedade muito diferente que, em parte, vislumbramos, mas ainda nos reserva várias surpresas. Será uma sociedade conectada, com possibilidades de comunicação, interação e aprendizagem inimagináveis hoje, embora com imperfeições e contradições. Ou uma sociedade de maior participação direta, que decidirá as principais questões sem tantos intermediários (com mais debates, consultas e referendos on-line).
A aprendizagem será a essência da nova sociedade: aprender a conhecer, sentir, comunicar-se e equilibrar o individual e o social. A informação estará disponível, e as formas de aprender e de organizar o ensino serão muito variadas.
As cidades se conectam, transformando-se progressivamente em cidades digitais; os serviços, o lazer e a aprendizagem se virtualizam. Pesquisar qualquer assunto em grandes portais de busca ou base de dados será banal. A maior parte das pessoas estará conectada nos próximos anos às redes digitais por celulares, computadores portáteis e TVs digitais interativas, com utilização muito divergente e contraditória, mas as possibilidades de interação serão sempre crescentes.
Os processos de comunicação implantados serão profundamente diferentes dos atuais. Estaremos permanentemente interconectados através de imagem e som e poderemos interagir quando o acharmos conveniente. Mas as tecnologias evoluem muito mais rapidamente do que a sociedade e sua cultura.
A cultura implica padrões, repetição, consolidação. A cultura comunicacional e educacional, também. As tecnologias permitem mudanças profundas já, hoje, que praticamente permanecem inexploradas pela inércia da cultura tradicional, pelo medo, pelos valores consolidados. Por isso sempre haverá um distanciamento entre as possibilidades e a realidade.
O brasileiro é um povo, em geral, acolhedor e aberto. Ao mesmo tempo, pela mentalidade dos que querem levar vantagem e da falta de punição real para os poderosos, aumenta a desconfiança de tudo e de todos, o que esgarça as relações sociais. O individualismo prevalece sobre o sentimento de solidariedade. Pesquisas mostram que o brasileiro é um dos povos mais desconfiados do mundo, que menos acredita nas saídas sociais, institucionais, embora seja generoso em momentos de crises e diante de grandes tragédias.
Os países se agrupam em blocos comerciais e políticos e, ao mesmo tempo, continuam as guerras, o terrorismo e a destruição ecológica do planeta. Aos avanços da ciência se contrapõem a ganância da indústria dos remédios, da beleza, das drogas, da venda de armas, da exploração infantil.
O ser humano avança com várias contradições, bem mais devagar que os costumes, hábitos e valores. Intelectualmente também avançamos muito mais do que na prática. Há sempre um distanciamento grande entre o desejo e a ação, entre a vontade de mudar e as decisões concretas. Nunca tivemos tantos bens para consumir, gratificar-nos, entreter-nos e aprender, nem tantas tecnologias para comunicar-nos, viajar virtualmente e informar-nos.
Ao mesmo tempo, continuamos a ser uma sociedade dividida, desigual, com uma minoria tendo acesso fácil a todos os bens, enquanto uma parte significativa da população se esforça muito para garantir um nível mínimo de sobrevivência , sem citar o um número elevadíssimo de marginalizados (excluídos), que mal conseguem sobreviver.
A abundância de oportunidades não é igual para todos. Os bens econômicos e culturais estão distantes de uma parcela significativa da população. Muitas pessoas ainda são dependentes de modelos de vida determinados pelos pais, pela religião e pela cultura local tradicional. Apesar de tudo, está se construindo uma outra sociedade, que, em pouco tempo, será muito diferente da que temos atualmente.
A sociedade aprenderá de múltiplas formas, em diferentes tempos e espaços, tanto os oficiais como os informais; na escola, na cidade e no mundo; com mestres e com colega;, com tecnologias simples e com tecnologias avançada; através do contato físico ou da comunicação em rede.
Aprendemos com os grupos que nos interessam, presencial e virtualmente. Formamos comunidades de interesses que se apoiam a distância e que quebram a hegemonia dos controles e mídias tradicionais. Uma comunidade virtual, convenientemente organizada, representa uma importante riqueza no conhecimento distribuído e na capacidade de ação colaborativa.
Existem muitas comunidades de aprendizagem, de lazer e de negócios, que abrangem todos os interesses possíveis. O espaço virtual ou ciberespaço amplia em todas as direções tudo que já conhecíamos e realizávamos, potencializado pelas possibilidades que a interação a distância em tempo real traz pela primeira vez na história. Nesse espaço, convivem vários grupos que contribuem para melhorar a sociedade em alguma área e outros que exploram todas suas mazelas e fraquezas, aumentando as tensões e contradições existentes.

(Caos Markus)

TERÇA-FEIRA, 3 DE DEZEMBRO DE 2013: "RAZÕES EM COMUNICAÇÃO"


Comunicamo-nos porque temos carências, porque precisamos de muitas informações, preencher desejos, expectativas, acalmar nossos medos.
Comunicamo-nos na busca de integrar o eu dividido, as tensões que nos dispersam, os antagonismos que nos puxam em várias direções.
Comunicamo-nos na busca da integração de todas as dimensões dentro e fora de nós, do pessoal, passando pelo grupal até chegar ao estrutural.
Comunicamo-nos para fugir da solidão, porque nos sentimos sós, profundamente sós nos momentos decisivos - ao nascer, ao morrer e diante das muitas escolhas que vamos realizando ao longo da vida.
Comunicamo-nos para humanizar-nos, para conseguir tornar-nos mais equilibrados, abertos, sensíveis, positivos.
Comunicamo-nos para aprender, para desenvolver nossas melhores qualidades pessoais, profissionais, emocionais, familiares, estéticas.
Comunicamo-nos para sermos mais livres, menos dependentes do que nos escraviza: dinheiro, bens materiais, dependências emocionais, pessoas controladoras.
Comunicamo-nos para sermos felizes, para realizar as nossas verdadeiras possibilidades e ajudar para que outros também as realizem.
Comunicamo-nos para sentir o prazer de estarmos juntos; para realizar-nos em todos os níveis possíveis - no emocional, no intelectual, no familiar, no profissional.
Comunicamo-nos para mostrar aos outros que temos valor e para sentir-nos valorizados, acolhidos, produtivos.
Comunicamo-nos para inserir-nos, para sermos aceitos e interagir em vários espaços significativos, em vários tipos de "comunidades":
-comunidades de afeto e segurança (amizade, família);
-comunidades de trabalho, de aprendizagem, de lazer, de fé;
-comunidades locais, nacionais e internacionais;
-comunidades presenciais e virtuais.
Comunicamo-nos tentando entender o que estamos fazendo aqui na terra, na busca de um sentido para o caos e incertezas do nosso cotidiano.
Comunicamo-nos na busca das explicações fundamentais: De onde viemos? Para onde vamos? O que está além do que vemos?
Comunicamo-nos para tentar enfrentar a pedra de toque da nossa existência, que é a morte, ao percebermos a inexorabilidade do fim da nossa vida, apesar de tantos avanços da ciência.
Queremos saber se temos alguma chance de continuar existindo além da nossa vida física, se há uma lógica neste gigantesco universo que expresse de forma mais atual a ideia de um Deus, de uma grande Força.

(Caos Markus)


SEGUNDA-FEIRA, 2 DE DEZEMBRO DE 2013: "COTIDIANO PERSONALIZADO"

Vamos construindo redes cada vez mais complexas de comunicação pessoal, interpessoal e grupal.
Vamos construindo nossos "ninhos" familiares, profissionais e ideológicos, a partir dos quais percebemos, nos comunicamos, vivemos, agimos.
É importante examinar essas teias, essas redes, que formam o nosso "capital humano", nosso valor pessoal e social e observar que tipos de pessoas atraímos, como as pessoas interagem conosco, como elas nos percebem.
O exame dessas redes pessoais nos dará uma radiografia aproximada de como andamos, em que estágio de amadurecimento estamos. Podemos examinar a nossa credibilidade (como as pessoas nos vêem), nossa competência (em que campos somos reconhecidos), nossa comunicação (nossa riqueza de troca, de intercâmbios).
Se os outros nos percebem como pessoas ricas, equilibradas, competentes, se aproximarão mais de nós, seremos mais requisitados, aumentará a rede de inserção em espaços de interação, aumentará o nosso poder de influência, nosso capital humano.
Se, pelo contrário, somos vistos como pessoas problemáticas, egoístas, pouco competentes, seremos deixados de lado, nossa palavra não terá peso, nossas interações serão superficiais ou, no máximo, haverá trocas comerciais com pouca riqueza intelectual e emocional.

(Caos Markus) 

DOMINGO, 1 DE DEZEMBRO DE 2013: "EXPRESSANDO-SE NA DIVERSIDADE"



Vivemos formas diferentes de comunicação, que expressam múltiplas situações pessoais, interpessoais, grupais e sociais de conhecer, sentir e viver, que são dinâmicas, que vão evoluindo, modificando-se, modificando-nos e modificando os outros.
Há processos de comunicação superficiais -que expressam mais a exterioridade das coisas - e outros mais profundos- que relacionam o exterior com o interior, que desvendam quem somos, como pensamos, por que agimos de determinada forma.
Há processos de comunicação mais autênticos- que expressam o que somos, até onde nos percebemos, que manifestam coerentemente a nossa percepção de nós mesmos e dos outros. Há processos de comunicação inautênticos,que não correspondem ao que percebemos, pensamos e sentimos, que servem a determinados propósitos, que podem levar-nos a deturpar a leitura que os outros fazem de nós - mais ou menos propositalmente.
Há processos de comunicação que produzem mudanças,que nos modificam e modificam outras pessoas, enquanto outros processos não nos modificam, nos deixam onde estávamos, nos confirmam em nossos universos mentais pessoais ou grupais. 
 
A comunicação aparente

É um processo de "comunicação" onde as pessoas falam e respondem, sem prestarem verdadeiramente atenção ao outro e ao que ele está dizendo. Cada um precisa "desabafar", ter alguém com quem conversar. Se a necessidade é forte e de ambas as partes, a "comunicação" se transforma num diálogo animado, mas "de surdos", porque cada um fala de si, extravasa suas idéias, sentimentos, necessidades. Ambos falam, sem comunicar-se verdadeiramente. É um tipo de interação importante, porque ajuda a desanuviar a tensão pessoal, a sentir-se vivo. É uma comunicação unidirecional, de uma direção só: A fala para B e B fala para A, mas o que dizem realmente é pouco significativo para o outro, porque este também desabafa, está expressando suas necessidades.
Não há troca, mas a utilização do outro como interlocutor visível. Sirvo-me do outro para dizer o que quero. A sua resposta não é significativa, não modifica o que digo, porque na realidade estou mais atento ao que tenho a dizer do que ao que o outro me está falando. Interessa falar, não tanto que o outro fale, mesmo que haja diálogo aparente. Duas pessoas podem estar conversando durante horas dentro deste tipo de interação aparente.
Uma variante da comunicação aparente é a de duas ou mais pessoas que já estão prevenidas em relação às outras e que já sabem de antemão (ou imaginam) o que elas vão dizer, como pensam, que respostas vão dar. Com isso, não estão atentas a qualquer informação nova, porque não a esperam de antemão. Vão para a interação na realidade para um confronto ou para um convencimento. Eu vou mudar o outro, não a interagir com ele. Vou impor o meu ponto de vista.
Muitas interações educacionais são deste tipo. O professor acha que a sua fala é importante, e o aluno quer ser ouvido. Em determinados momentos se encontram e pode acontecer um diálogo de surdos. O professor, que tem mais poder, pode sair do encontro satisfeito por ter feito prevalecer os seus pontos de vista, por ter "ouvido" os alunos. Mas provavelmente, eles saíram desiludidos, porque perceberam a distância, a arrogância e a manipulação disfarçada na linguagem do professor.
Muitos casais conversam muito. Olhando de fora parece que interagem, mas se as posições e expectativas já estão pré-definidas, a interação será muito mais aparente que real. A interação dos que querem convencer-nos, dos donos da verdade, dos que se acham superiores costuma ser aparente, porque ambos não se escutam. O que quer convencer, repete sempre os mesmos argumentos; o outro faz que ouve e continua "na dele".
Pais e filhos costumam, com freqüência, ter interações superficiais baseadas na avaliação prévia que uns têm dos outros. Há pais que aconsideram que seus filhos precisam ser orientados em tudo, pela sua inexperiência. Por sua vez esses filhos "acham os pais caretas", cheios de desconfiança e repetitivos: sempre dão os mesmos conselhos. Neste caso, podem estar juntos, "conversar", mas será uma conversa surda, que provavelmente terminará em fracasso.
A comunicação superficial

É uma interação limitada, com trocas previsíveis sobre temas socialmente definidos e com limites pré-estabelecidos - culturalmente ou pelos grupos e indivíduos. São trocas de mensagens sobre assuntos específicos e que não expõem muito a intimidade de cada um, por exemplo sobre futebol ou fofocas de pessoas ou artistas, em reuniões sociais, festas, bate-papos. Fala-se animadamente, mas sem interação pessoal, sem revelar o eu profundo a não ser neste campo específico. São processos úteis de manutenção dos vínculos dentro de um grupo ou comunidade, mas que pouco revelam dos indivíduos, porque eles se escondem, não querem se expor ou o fazem somente em outros espaços mais restritos.
O trabalho profissional é importante -além das suas dimensões econômicas e de valorização pessoal- como espaço de comunicação. Nele encontramos espaços de conversa superficial, ritual, de aceitação grupal, de desabafo. Não são interações profundas, mas esse contato é fundamental para muitos, carentes de outras formas de comunicação mais rica.
Na sociedade urbana, muitas pessoas passam a maior parte do tempo em trocas limitadas - almoços de negócios, jantares sociais -, onde o importante é mostrar que continuam vinculados a determinados grupos, em que não convém se expor pessoalmente. Por isso essas interações são rituais, previsíveis, pouco profundas e, a longo prazo, frustrantes, se não vêm acompanhadas de outras formas de comunicação mais profundas, em outros momentos, com outras pessoas.
Na cidade grande é fácil viver em contínuas interações superficiais, em contato com muitas pessoas, em diferentes situações pessoais, profissionais e grupais. São formas de comunicação que ocupam, entretêm, mas que não preenchem totalmente, se não estiverem acompanhadas de outras interações mais autênticas, mais profundas.
A complexidade da vida urbana, a competição feroz pela sobrevivência dificultam a possibilidade de desenvolver processos de comunicação pessoais e grupais mais profundos. Na falta dessas interações pessoais, muitos se relacionam com as mídias, principalmente com a televisão, num tipo de interação virtual, que se dá principalmente no imaginário de cada um. Todos nos "encontramos" na televisão, só que terminamos refletindo pedaços de nós nas várias telas. Na televisão procuramos dimensões da vida mal preenchidas no cotidiano.

A "comunicação" autoritária

É uma troca ou interação dentro de um sistema fechado, onde se expressam relações de poder, de dominação. É uma troca desigual - em que um fala e o outro assente - baseada no poder econômico, político, intelectual ou religioso. É uma fala onde quem tem algum poder procura dominar o outro, impor seus pontos de vista, controlar. O outro se transforma em "receptor", destinatário e só pode concordar com o emissor.
Há uma interação autoritária explícita, clara e outra, implícita, camuflada. A maior parte das interações autoritárias é disfarçada. A implícita é mais difícil de perceber, porque vem camuflada dentro de uma roupagem participativa, que convida para a colaboração, o que a assemelha, num primeiro momento, à interação real. Normalmente ninguém quer mostrar-se impositivo. Os maiores ditadores justificam sua truculência com uma linguagem triunfalista, cheia de promessas, de realizações, de paternalismo. Decidem por nós. "Sabem o que é melhor para nós". E disfarçam a dominação com apelos afetivos ao patriotismo, à grandeza, à "mãe pátria". Em outras instâncias, como a familiar e a educacional, o autoritarismo se mascara mediante expressões afetivas de interesse pelo filho, pelo aluno, pelo uso de diminutivos carinhosos, pela bajulação. É uma fala que simula interação, preocupação e escamoteia todos os mecanismos de controle.
Em um colégio importante de São Paulo, o que mais reclamavam os alunos não era da competência dos professores, mas da disparidade entre o discurso liberal, participativo dos diretores e professores e a prática disfarçadamente autoritária. Os alunos constatavam que as suas mensagens não obtinham repercussão real. As reuniões eram mais formais do que efetivas, eram mais para apresentar decisões prévias do que para buscar soluções em conjunto.
Na medida em que vamos avançando na compreensão da "realidade", preferimos que o autoritarismo seja explícito do que camuflado. Se está explícito, evidente, torna-se mais fácil saber como lidar com ele. As interações autoritárias camufladas perpetuam o controle e dificultam a nossa evolução pessoal, grupal e institucional.
O capitalismo, quanto mais avança, mais refina sua linguagem -cada vez mais humanista- e esconde os mecanismos de dominação. O marketing é a ciência aplicada ao controle, à manipulação disfarçada de preocupação humanitária. 

A comunicação real

Na interação real os parceiros estão abertos e querem trocar idéias, vivências, experiências, das quais ambos saem enriquecidos. O discurso é franco, objetivo, participativo. A fala do outro tem repercussão em mim, me ajuda a pensar e a, eventualmente, modificar-me. Há graus diferentes de interação real e de comunicação, mas o importante é essa atitude de busca, de querer comunicar-se, de trocar, crescer, de sair de onde estamos. É essa a verdadeira interação, comunicação, onde não há jogos rituais, nem jogos de poder, mas atitudes de comunicação honesta, crescente e dinâmica.
Há vários graus de comunicação real. O primeiro acontece, por exemplo, numa conversa ocasional entre duas pessoas que falam e se ouvem de forma animada e aberta. Pode existir uma comunicação viva, mas sem levar necessariamente a sua continuidade.
Num segundo grau, vemos a comunicação aberta entre duas ou mais pessoas, que interagem habitualmente. É a comunicação entre alguns colegas de trabalho, entre amigos, entre alguns professores e alunos. Eles já vêm desenvolvendo roteiros de interação, onde os dois lados se respeitam e querem aprender. A comunicação os leva a avançar, a perceber melhor, a ajudar-se mais, a produzir novas propostas de trabalho, de ação.
Num terceiro grau, observamos a interação entre pessoas que se comunicam profundamente, que têm seus próprios códigos verbais e não verbais. É a comunicação das pessoas que desenvolvem relações afetivas maduras, que crescem em riqueza, em abrangência. Pessoas bem resolvidas, evoluídas, abertas, flexíveis podem avançar nestes níveis mais profundos de comunicação. Essa comunicação pode chegar a superar tempo e espaço, quando pessoas interagem à distância, sem contato físico, por telepatia, através de processos de comunicação extra-sensorial, de pré-cognição, de comunhão "espiritual" plena, o que parece acontecer em poucos.
Os níveis de comunicação apontados - mais superficiais ou profundos, mais autênticos ou inautênticos - se dão em várias instâncias: na comunicação pessoal (de cada um para consigo), na comunicação interpessoal (de um com um ou com alguns), na comunicação grupal, organizacional e na social ou coletiva.

Gerenciar bem as formas de comunicar-se

O campo onde se decide realmente a comunicação é o pessoal, o intrapessoal, que interfere profundamente nas outras formas de comunicação. Aprendemos pela comunicação pessoal, a que se desenvolve dentro de nós: nossas falas internas, os diálogos tensos entre as várias tendências conflitantes, a fala emocional e a racional, a fala consciente e a inconsciente, a fala do passado e a do presente, as falas introjetadas e as novas falas, as falas do desejo e as do medo, as do real e as do imaginário, as que provêm da informação e as que provêm da ação, a comunicação das sensações, das intuições e das idéias. A comunicação mais difícil é a intrapessoal: conseguir expressar as múltiplas vozes que se manifestam em nós, coordená-las, integrá-las e orientá-las para uma vivência cada vez mais enriquecedora.
Pela comunicação intrapessoal procuramos equilibrar as nossas contradições, comunicar-nos entre o nosso universo organizado e o desorganizado, o visível e o invisível, entre o que controlamos e o que se nos escapa. Comunicamo-nos melhor se aprendemos a dialogar com as nossas tendências contraditórias.
A sociedade pós-moderna está fragmentada, desiludida. A leitura das manifestações aparentes pode induzir ao niilismo, ao desespero. Mas, nesta etapa de busca de novos paradigmas, de novos referenciais, há uma procura pelo reencontro, pela integração. Só que a sociedade não quer apoiar-se mais nas velhas explicações, nos velhos mitos que procuravam explicar tudo.
Comunicar-se pessoalmente é aceitar as inúmeras dificuldades em sermos coerentes, em vivenciar o que racionalizamos, em assumir o lado, complicado da nossa existência. Comunicar-nos é continuar mantendo os caminhos da interação confiante, mesmo nas etapas mais perturbadoras, em que não enxergamos nada, em que parece que nada mais faz sentido e que a humanidade não tem mais jeito.
Pela comunicação pessoal podemos integrar corpo e mente, as sensações, as emoções, a razão, a intuição. Podemos perceber, sentir, entender, compreender, agir dentro da nossa forma de estar no mundo, integrando a nossa história pessoal, nossas qualidades e defeitos, nossas características, dentro do ritmo que nos é possível.
Aprendemos e evoluímos também pela comunicação com os outros, pelas múltiplas formas de comunicação interpessoal. Recebemos informações, afeto, críticas, visões de mundo, interações e fazemos o mesmo com os outros. Servimos aos outros de espelho e nos espelhamos neles e por meio deles. Captamos nos demais o que nos interessa, o que tem a ver conosco, o que desejamos e odiamos, o que nos atrai e o que nos repugna (mas que se relaciona conosco).
Pela comunicação interpessoal expressamos o melhor de nós e buscamos também o nosso eixo, encontrar-nos, compreender-nos a partir de como os outros nos vêem. Aprendemos a confiar e a desconfiar, a amar e a odiar, a sentir e a compreender, a compartilhar e a fechar-nos. Pela comunicação interpessoal procuramos o que nos falta, nos encontramos ou escondemos de nós mesmos, nos realizamos e frustramos, triunfamos e fracassamos.
Há comunicações interpessoais superficiais, episódicas, temporárias, dirigidas para objetivos específicos e há outras mais profundas, ricas, estáveis, intensas, decisivas. As interações que mexem com os sentimentos, com o afeto são as mais significativas, as que mais nos influenciam. Pela comunicação crescemos, evoluímos, mas também nos escondemos. Se não estou bem comigo, posso passar a vida correndo atrás de que outros me completem, de que me preencham, tornando-me dependente deles.
Vivemos processos de comunicação autênticos e inautênticos. Autênticos, quando há uma correspondência entre o que percebemos e o que comunicamos; e inautênticos, quando nos ocultamos (ou tentamos ocultar-nos através de palavras ou de máscaras), quando representamos personagens que não são nossos, ou quando os outros se escondem também de nós. Se conseguimos desenvolver processos de comunicação autênticos, aprenderemos mais, evoluiremos mais, ampliaremos nossos horizontes emocionais e intelectuais de forma poderosa. Se predominam em nós processos de comunicação inautênticos, cresceremos cada vez menos, perderemos a confiança nos outros e principalmente em nós mesmos.
Pela comunicação interpessoal vamos criando junto com outras pessoas novas realidades, vamos modificando nossa forma de ver e a delas, vamos ajudando-nos a perceber melhor um mesmo assunto, a modificar algum aspecto do nosso mundo. Podemos criar um novo produto, um novo enfoque no campo intelectual, um novo mercado, uma nova relação afetiva, um novo filho. Modificamo-nos pessoalmente e modificamos os outros.
Em cada um de nós se definem as mudanças mais radicais que afetarão a toda a sociedade. Quanto mais livre é a pessoa, melhor se comunica. Quantas mais pessoas conseguirem mudar, evoluir, tornar-se mais flexíveis, ricas, generosas - pessoalmente e em grupo - mais facilmente a sociedade evoluirá. A mudança pessoal é a pedra de toque para as mudanças grupais, organizacionais e sociais.

(Caos Markus)