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sábado, 3 de dezembro de 2011

SEXTA-FEIRA, 23 DE DEZEMBRO DE 2011: "BLUES"

Lamento, feliz, a angústia do meu pranto... Canto! Eu canto toda a pieguice da dor que inventei. E morro a cada instante, no solo gutural das cordas distorcidas. Vivo, estou no contraponto da gaita maliciosa. E, subitamente, o frenesi: mais volume nos sentidos, vivos todos. Eu sou far-west e Mississipi; Nordeste tropical, nesta canção triste. Sam e Jesuíno cavalgam o mesmo jegue no oeste do jequitinhonha sem lei. Carcará faz ninho no algodão do escravo negro. Fui ouvir cítara na Índia, só para saber do Shankar o que Harrison ouvia depois de Zubin Metha. Então, voltei para as querelas do Brasil, no fim do túnel do saco sem fundo do mágico coelho da cartola. André Cristóvam deu uma canja pro gringo blueseiro. E ficou melhor que ele, todo enciumado do tupiniquim ousar e usar guitarra tão bem quanto arco e flecha. Ouvindo, chorei longos acordes na concha da minha harmônica, tornando-me o que já realmente sou: meio Buda, um faquir, um tanto cristão, dolente. Afoxé, eu sou o africano. Blues da minha alma, abro-te o meu peito livre de comoção, repleto de tesão! Lá longe, minha amada me pede socorro; ela quer do meu amor eu inteiro. Eu dela só quero que ela me queira. Gritando, sou Quixote, um pixote do Sancho a salvar princesa que não existe, prisioneira do meu castelo sem teto. São meus os dragões-demônios: sonho e pesadelo, morte e vida severina dos confins do eterno regresso. Assim mesmo, Nietzsche e Padim Ciço. Canto, canto, canto... Beija-flor cantando as belas palavras de quem nem canta, só quer viver, como prova de que existe. Eu, passarinho cantando, beijo a flor, canto a flor, disparando: amo! amo! amo! Se a Maria Bonita, mulher e cangaceira, é também a mulher rendeira, por que tábua-de-lavar-roupa (assim, cheinha de hífens) não pode entoar um jazz no wash-board à beira do rio?! Tudo pode, pode tudo. Tudo é possível quando poder é querer, ainda que não provável o pretender. E se quem canta os seus males espanta, estou deveras espantado com essa melodia maledicente tão frequente nos pueris corais (teimosia, confunde-se um órfão com um orfeão). Pois, que enorme diferença entre um blues no Harllen e uma ladainha no flagelo da ruas metropolitanas da latina América! Tudo pode, pode tudo!! Por isso o gosto lusitano de enfado modernista mesclado à sanfona separatista... Por isso esse libertango alternado com salsa, arrebentando os corações dos tantos quantos "soy loco por ti, América". Por isso eu, você, nós todos já demos "gracias a la vida" que, entretanto, não mais há dado tanto. Pode tudo, tudo pode !!! Exclamar, exclamar, exclamar... também pode. Ansiar, ansiar, ansiar... pode também. Arrebento, infeliz, a cor do meu encanto. Tanto mais quando unido estou pela neoortografia a me fazer um novo ser, genuinamente gramatical. Angola e Guiné Bissau, Madeira e Açores... Ai!Esta terra ainda vai tornar-se um imenso Portugal, mesmo que do Porto a próxima escala seja Washington D.C., com destino à naftalina mercosul na guerra da secessão. Sempre o mocinho, eu faço blues com repente, no fox-trot do mote-trote, galopando o meu marchador puro sangue, porque lavo a égua quando não sei mais onde estou nem aonde vou.
(Caos Markus)

QUINTA-FEIRA, 22 DE DEZEMBRO DE 2011:"CONTRAVALOR"

No Brasil, a 'nomorragia -já agora um fenômeno retraído à vulgaridade, e por isto não mais surpreendente- não raramente reflete a concepção trivial mítica e anticientífica utilizada como desdouro à dignidade do brasileiro. E, efeito imediato, retrata ainda menoscabo aos ideais mais majestosos do ser humano. Porque no torvelinho de absurdo frenesi social verificado no país (através do notório derrame de leis, decretos e atos normativos), o que se vê de fato é o império da norma eivada de um 'contravalor', em si mesma negando o direito, consagrando o injusto, sempre que no momento da interpretação e aplicação do 'direito positivo' a lei é traduzida como foro de verdade quase absoluta. Entre nós, na ainda hoje ausente harmonia dos três poderes, crucial é um olhar atento à gênese da norma, isto é, observar a 'lei' no seu berço, ou seja, no Legislativo. Pois, é no Parlamento (em todas as suas instâncias, da Câmara Municipal ao Congresso Nacional) que motivado muitas vezes por tutelas de direitos opostos entre si, o legislador, então contagiado por indiscreta miopia, defende privilégios, mas não institui prerrogativas; consolida benefícios sem a contrapartida da estrutura necessária à efetivação dessas "vantagens". Daí à imprecisa aplicação da lei, muito curto é o caminho da aplicação da lei injusta, pouco prevalecendo a justiça. Algo quase rotineiro, ante a escassa disposição do magistrado em "corrigir a lei", ainda longe ele próprio da sabedoria de um Carlos Maximiliano, para quem os juízes, que do povo sairam, ao lado do povo devem ficar, com cérebro e sentimento atentos aos seus interesses e necessidades. (Caos Markus)

QUARTA-FEIRA, 21 DE DEZEMBRO DE 2011: "SEM FIM"

'Honestidade' só existe quando cobrada. E só a exige aquele que detem o poder. Então, o que é 'honestidade', senão a exigência imposta pelos mais fortes aos mais fracos? Por processo de intimidação contínua, a 'selvageria' tornou-se sofisticada, interpretada em 'linguagem civilizatória'. Condicionados, nos adequamos às exigências do poder, auto-proclamado fiel tradutor dessa mesma 'honestidade'. Subjugados, aceitamos seus 'padrões', sempre unilaterais, ditados por alguém a formular as regras que deveremos seguir em nome dessa moral "decretada". A coerção é, com efeito, o verdadeiro instrumento na criação deste falso valor, a 'honestidade', considerada enquanto reflexo do domínio. Não é a 'ética' que pressupõe a 'honestidade', mas sim a 'concentração de poder' que a regula. Vale dizer, a hipocrisia ordena o comportamento dirigido a assegurar 'infalibilidade' de um 'sistema' baseado em governo exercido por minorias políticas e econômicas, muito embora desonestamente atribuído à representação da maioria. Lamentavelmente, majoritários, os "honestos" obedientes endossam a fórmula, repassando-a como 'valor cultural' da história que se repete, sem fim. (Caos Markus)

TERÇA-FEIRA, 20 DE DEZEMBRO DE 2011: "À ESQUERDA DA POLÍTICA"

O 'id', para Sigmund Freud, é parcela da personalidade onde estão abrigados os desejos inconscientes, ou seja, o substrato instintivo da psique. E como por 'substrato' devemos entender o 'conteúdo essencial de um ser', infere-se que o 'id' -nem sempre aparente- dá, no contudo, mostras da sua evidência sempre que o 'ego' (considerado enquanto personalidade, no seu mais amplo sentido) indica contradições na conduta humana que, muito embora apregoando determinada teoria, revela atitudes diversas e mesmo contrárias ao proclamado. O controle, o equilíbrio no antagonismo suscitado entre a 'parte' e o 'todo', entre o 'id' e o 'ego', pode ser exercido por mecanismo inibitório, inconsciente, limitador das atividades do substrato da personalidade; restringindo-a, inclusive, considerada em seu "tamanho" integral. O 'superego', no caso, é o responsável por uma 'consciência moral', este fiel da balança que atua como fundamental formador da consciência genérica. A partir da trilogia 'id'-'ego'-'superego', ações humanas, no pretendido convívio social, são muitas vezes estruturadas no desequilíbrio, na ausência, enfim, daquela 'consciência moral' norteada pelo 'superego'. Na sua falta, o que verdadeiramente se vê é o prevalecimento da contraposição entre o 'id' e o 'ego', onde não raro a maneira de ver, sentir e reagir (peculiar a cada indivíduo), como que sofrendo banimento, caminha então para o rebaixamento do 'id', de forma manifestada no quase desaparecimento da 'qualidade individual' (própria da idiossincrasia). Já nesse estágio, cede lugar à baixa escala de 'força intelectual'. Nesse momento, nasce o idiota. O idiota. entretanto, por sequer se saber portador da cretinice, quando age, quando milita politicamente, na "defesa" de um 'convívio fraterno, justo e igualitário', em pouquíssimo tempo denota que é movido somente pelo desequilíbrio absoluto, na carência de uma 'consciência moral' diretamente proporcional aos gestos necessários à consolidação das intenções. Por isto, esse idiota, contagiado por complexidades às quais mal denomina "estratégias de governabilidade",faz apologia a um 'Estado de Direito', proclama uma 'democracia' que, igual a ele mesmo, desarticulada, será sempre imaginária, aquela cuja existência seja eternamente correlata à manutenção da exclusividade no poder, nem que para consumá-la o idiota necessite investir na desagregação da sociedade. Autoridade institucional, respeito ao voto de cidadãos plenamente aptos ao real processo democrático... Nada disto importa ao idiota no poder, que só enxerga a projeção de um filme por ele próprio dirigido e protagonizado, espécie de "avant-premiere" de enredo do tipo "mocinho-bandido". Nessa película, finalmente, tudo o que não é bom para o idiota deve ser o mau no mal que a ele cabe erradicar. O bem para a sociedade só será possível se esta mesma sociedade concordar em deixá-lo "combater os maus", conduzida em tropas sob o seu exclusivo comando, à esquerda da política. (Caos Markus)