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terça-feira, 12 de outubro de 2010

QUARTA-FEIRA, 17 DE NOVEMBRO DE 2010: "LENITIVO"

"Um país constróe-se com livros e homens". Seria cômico, se não fosse trágico: em franca desatenção a preceito simples e irrefutável, omitindo o próprio homem como agente do desenvolvimento, olvidando os recursos humanos como base no processo econômico-social, negligenciando com a plena realização das potencial...idades humanas na razão e na finalidade do progresso -a real melhoria do padrão de vida da população brasileira-, ou seja, não limitado a acesso de bens de consumo, através de ficcionada ampliação da base da pirâmide social, pela "promoção" de indigentes às "classes 'e' e 'd'; tal efetivo progresso vem sendo sistematicamente relegado ao plano inferior da mediocridade. Na ausência da institucionalização de política de mobilização social que viabilize restituir ao homem sua condição de "objeto e beneficiário do desenvolvimento", neste país, inconsistentes projetos governamentais buscam, à guisa de lenitivo, sanar problemas estruturais adotando critérios paliativos, postergando investimento e reforma, de fato, das causas de nossa ruína ética e moral. Constata-se, criam-se e recriam-se organizações voltadas à preservação das nefastas conseqüências dessa injustificável omissão, exatamente quando se alardeiam programas de erradicação da fome, do analfabetismo etc., etc., "et coetera". A respeito do aprimoramento dos "recursos humanos" enquanto necessidade primordial à geração e utilização de mão-de-obra de alto nível (responsável pela formação e investimento de 'capital humano' na estratégia do desenvolvimento) comentaram Frederick Harbison e Charles A. Myers que, em termos econômicos, pode-se descrevê-lo como a acumulação de capital humano e seu investimento profícuo na evolução de uma economia. Já em 'termos políticos', o estímulos dos 'recursos humanos' prepara o povo para a participação adulta nos processos políticos, particularmente como 'cidadão de uma democracia'. Dos pontos de vista 'social' e 'cultural', o progresso dos 'recursos humanos' incentiva as pessoas a levarem vidas mais plenas e mais ricas, menos sujeitadas ao conservadorismo. Em suma, os processos de 'desenvolvimento dos recursos humanos' abrem portas à modernização. Esse crescimento, a se operar primeiramente pela educação, essencial, é meio eficiente na melhoria da qualidade do 'fator humano', em aperfeiçoamento da sociedade como todo. E tal "educação", quer compreendida a formal e sistemática quer a concebida de maneira assistemática (participação em grupos políticos, sociais, religiosos e culturais); ou, ainda, pelo treinamento no emprego; complementa a melhoria dos padrões de 'saúde individual e coletiva', enqua argumentos convincentes na constituição de um organismo social mais equilibrado e não dependente de "sonhos" promovidos pela droga mais pesada atualmente conhecida -o consumismo. Num país como o Brasil, em que até mesmo a auto-educação (por meio de leituras, contatos, cursos, palestras, debates) é prejudicada, muito pouco resta para subsidiar a terapêutica mais correta no combate à ignorância como agravante de qualquer outra drogadição. Diversamente, pois, se um país é construído "por homens e livros", não é arriscado afirmar-se, então, que nós brasileiros não temos 'país'. Droga mata. Porém, a droga que mata "antes" é o desproprósito governamental ao eximir-se da sua responsabilidade, pela ineficácia de modelo jamais comprometido com a educação ampla e dirigida ao progresso individual e coletivo. Droga mata. "Droga" também é sinônimo -convém lembrar- de 'malôgro', de 'fracasso'. Nesse contexto, outras "drogas", faz tempo, matam o Brasil. Aliás, ele próprio também um jovem.
(Caos Markus)

TERÇA-FEIRA, 16 DE NOVEMBRO DE 2010: "BARROCO"

Dogmas e axiomas definitivos, que não observam a “desordem natural” de uma cultura como a brasileira, estarão sempre fadados a desparecimento precoce. Aliás, país marcado por profunda crise (onde satisfazer prazeres mais imediatos e fundamentais é conduta próxima e comum a tantos quantos procuram ocultar a formi...dável depressão existencial que atinge a sociedade toda); torna-se impossível pretender concepção baseada em conhecimentos cuja profundidade negue o sentido de extensão pelo acúmulo e pela sucessão de instantâneos; pela soma, enfim, de ideologias e representações fragmentadas no tempo, mas reunidas na diversidade própria ao conhecimento intangível, porque infinito.Muito provavelmente, a revisão constante será a confirmação de que qualquer processo decorre em etapas, por admissão de fatos e circunstâncias supervenientes e imprevisíveis. Daí a sabedoria de quem identifique -na multiplicidade- o valor do conjunto, percebendo e respeitando igualdades, e promovendo diferenças, de maneira tal a individualizá-las, enquanto característico determinante de reconhecida categoria de indivíduos. Ou não!?
(Caos Markus)

SEGUNDA-FEIRA, 15 DE NOVEMBRO DE 2010: "GÊNESE DO GENOCÍDIO"

"Genocídio" -um neologismo-, segundo os dicionaristas, é a recusa do direito de existência a grupos humanos inteiros, pela exterminação de seus indivíduos, desintegração de suas instituições políticas, sociais, culturais, linguísticas e de seus sentimentos nacionais e religiosos. O vocábulo certamen...te advém de “geno”, a exprimir, por sua vez, a idéia de sexo ou geração. Daí o adjetivo “genesíaco”, relativo a geração. Outros tantos léxicos apontam como sinônimo do substantivo feminino “chacina” o figurativo “matança”, observando que o ato de “chacinar” compreende, antes, dispor carne de porco em postas, uma vez que “chacim” é designação antiga desse suíno. Cientes da origem do mundo e do homem, convictos de que o ser humano não principiou a sua existência sob a rude e primária forma de um porco, colocamos em dúvida a veracidade dos extermínios ora verificados pelo país afora, enquanto expressões de reais chacinas. Nem mesmo em sentido figurado. O que se nos parece é figurar nesses movimento assoladores a mais completa ruína, só verificada na mais pura tradução dos genocídios. Pois, não está o Brasil mergulhado na desintegração de suas instituições, quer sejam elas políticas, sociais, culturais? É Guerra Junqueiro, em “O Regimen”, quem adverte: “A ruína bruta é o de menos. Uma parede no chão, levanta-se; um banco sem dinheiro, atulha-se de dinheiro, facilmente. Mas, a ruína moral (...)! A morte de milhões de almas, milhões de idéias, de consciências(...)! É pavoroso!”. Responsabilizar a economia como causa, a motivar a violência institucionalizada, é faltar com a mais elementar verdade. O estado de indigência (moral, antes de qualquer outra) em que nos encontramos é, sim, consequência de um outro aviltamento: o de uma sociedade abjeta, desonrada por um regime corrupto. A filantropia deu lugar à misantropia.Ora, a aversão aos homens e à convivência social é mais comum num Estado de exceções...! Neste momento, também não demais relembrar Bertold Brecht: “(... ) Não sabe o imbecil que da sua ignorância política nasce a prostituta, o menor abandonado, o assaltante, e o pior de todos os bandidos, que é o político vigarista, pilantra, o corrupto (...)”. Resta-nos, pois, identificar quem é o “imbecil” na política brasileira, a permitir que a filosofia do Estado nacional seja a filosofia do porco. Ou, se já identificado, é nossa a tarefa de eliminar o “imperativo da besta, a ditadura do mal, a converter a religião em sacrilégio, o direito em crime, a verdade em burla, a força em tirania”. Ou entendemos por disciplina a instrução e a educação (básicos pressupostos para o governo de entidades coletivas, fundado no binômio 'trabalho e coordenação'), ou aceitamos nossa rendição à norma como instrumento de flagelação, em penitência que não devemos, por castigo que não merecemos. Admitir-nos submissos à linguagem sibilina de poderes insensatos é proclamar a nossa própria parvoíce. Não somos um bando nômade a errar ociosamente. E, portanto, não será por “bruxos” e seus infames vaticínios que deveremos nos deixar dirigir. Buscar a justa proporção, ou a exata combinação de forças, num estado dos Poderes Públicos que se co-relacionem, é preocupação de todos os que desejamos consolidado equilíbrio social. Porque nossos destinos não aguardam outra coisa, como bem o disse Lauro Porto Machado: “A plebe que sofre e a ostensiva realeza /Tudo tem o seu fim, tem seu objeto:/ Harmonia e equilíbrio da natureza”. E é essa intrínseca natureza que nos torna seres humanos, e não porcos. E esta superior qualidade nos motivará à indignação, sempre que se pretenda decretar a "gênese do apocalipse", ou o "genocídio" do povo brasileiro, mesmo travestido em múltiplos "extermínios", especialmente o da consciência naciona. E haverá de ser tamanha esta revolta, que nenhum regime poderá declarar-se bom, justo e forte quando pretender a mortificação “pela fome ou pelo exílio, pelo cárcere ou pela calúnia”. Porque, desacreditando-o, estaremos nos redimindo pela nossa auto-determinação.
(Caos Markus)

DOMINGO, 14 DE NOVEMBRO DE 2010: "EU SOU NEGÃO"

No Brasil há músicos e jogadores de futebol. Muitos deles, negros, são instrumentistas ou atletas que fascinam o francês, o italiano, inglês, espanhol -na Europa re-unificada através de pretensa índole comum (muito menos do que pela real identidade partilhada, qual seja, a 'arrogância, mãe da ignorância').... Cacá Vasconcelos, em meio a toda negritude de sua raça, é brasileiro e é percussionista. Na Dinamarca ou na Suécia, Vasconcelos grava música supostamente dinamarquesa ou sueca, com todo o sabor "jazz-afro-brasileiro". E a gente cá, pensando: "será que eles não enxergam ou será que não ouvem?". Flora Purim - esta, uma branca (ou, será, meio-branca? afinal, aqui todos temos um pé na cozinha e o outro no mato, sangue negro e sangue índio nas veias) -, por várias vezes foi considerada melhor intérprete de 'jazz' no país de Tio Sam. Da mesma maneira, o "Traditional Jazz Band", de anglo-saxão só tem o nome, pois brasileirinho da silva, conseguiu sagrar-se favorito, mais de uma vez, em New Orleans, justamente o berço do "jazz". Pepito Martinez, pelo nome em nada lembra a raça negra, mas foi aqui, no Brasil (em meio à mescla de ritmos a fundir a musicalidade tão peculiar ao nosso povo), onde sua banda aprendeu a tocar, e tocar bem. Falar de Machado de Assis, de Lima Barreto (o grande defensor do 'maximalismo' russo e germânico do país), é raciocinar sobre a origem da Academia Brasileira de Letras por um mulato. Há o inverso no preconceito? Naturalmente. Lembro-me de quando, ainda adolescente, passando por um boteco, eu ouvi som de timba ou atabaque acompanhando o samba no lugar. Habituado à percussão desde menino, sempre incentivado por meu pai, me deu uma vontade louca de batucar, e pedi aos músicos -todos negros- para dar uma 'canja'. Foi engraçado. Ouvi: "-Ô...! minha gente, o couro na mão de branco... sujou!". Dez minutos depois, eu já era chamado de 'irmão', e convidado a ficar para aquele e mais outros batuques. No momento, outro branquelo como eu (será mesmo!?) comentou: "-Esses pretos são cheios de preconceito, pensavam que você, por ser branco, só podia ser ruim de samba". E respondi: "-Espera aí, o maior preconceito do branco é achar que negro não pode ter preconceito!". Não se falou mais no assunto. Talvez o intelectualizado europeu conheça do nosso carnaval somente a nudez e não o lindo espetáculo de coreografia muitas vezes idealizado por negros que habitam a pobreza dos morros cariocas, não a nobreza da harmonia, para não falar de todo um conjunto de ricas divisões nas frases musicais dos tamborins, agogôs, surdos e ganzás. Há quem diga que "o batuqueiro é cheio de 'trejeito', razão pela qual o seu modo de agir é expressivo e magnífico. Não se deixa vencer pelo cansaço e facilmente cumpre o tempo correto da apresentação do batuque". Mas, pretender que o tal de Primeiro Mundo conheça a história do folclore afro-brasileiro, isso é não levar em conta a história da colonização do Brasil, impregnada de ranço moldado na imaginada superioridade racial. Ah, meu caro irmão, de além-mar! Você também não conhece Cassiano Ricardo, o poeta do nosso modernismo que, sobre o 'velho espírito' dos acadêmicos olhares da também velha Europa, assim se manifestou: "(...) a meta da vanguarda brasileira era a libertação dos 'ismos' estrangeiros, ainda que fossem os da vanguarda européia, em benefício de uma realidade local". Pois a nossa brasilidade está assentada em princípios e valores frutos da nossa riquíssima miscigenação racial, a fazer de homens rudes verdadeiros heróis, exaltados em uma única frase que vale por todo um hino - "O sertanejo é antes de tudo um forte!". Então (é fácil explicar; é difícil ser entendido), leve consigo, fidalgos de outrora, plebeus de agora, este nosso orgulho: "Eu sou negão!". E se quiser aprender um pouco sobre nós, só mesmo vindo morar aqui, abandonando a sua intelectualidade acadêmica, o seu jornalismo de pasquim, e casando com uma "negona", caindo no pagode depois de um clássico no Maracanã. O convite está feito. Venha, porque outra qualidade nacional (lamentável, talvez) é a nossa 'hospitalidade', sempre recebendo intrusos como se fossem nossos parentes mais próximos, servindo-lhes feijoada e vatapá. Aliás, tudo coisa de negão.
(Caos Markus)

SÁBADO, 13 DE NOVEMBRO DE 2010: "PODRES PODERES"

A mágica, o misticismo e o ritualismo são ainda hoje as fundamentais características do que erroneamente denomina-se "religião". Da mesma maneira que o alquimista esteve impregnado de magia, buscando no fantástico as explicações para os fenômenos químicos, também o homem contemporâneo, sem ao menos cuidar... da sociologia e da psicologia com a atenção merecida enquanto ciências que são, despreza a origem dos fenômenos psíquicos tão flagrantes nas vidas dos verdadeiros líderes religiosos. E, evitando a auto-identificação como procura do divino imanente no homem, o quê de fato temos promovido é a nossa rendição aos temores próprios da infantil superstição. As teofanias, por exemplo, são uma demonstração veemente do psiquismo presente naqueles assim considerados como "profetas" da humanidade. Moisés, ao divisar a chama ardente numa sarça que não se consumia, acreditou ter lhe sido confiada a missão de desagravar um grande mal que pairava sobre os filhos de Israel; por apelo divino, apercebeu-se destinado a minorar o sofrimento de seu povo. O sectarismo religioso é, no entanto, algo fadado a desaparecer num futuro próximo, pois como já se observou "o pedantismo satisfeito da sapiência e a confiança de beatos ignorantes, têm-se unido para revelar cada religião á luz de seu pensamento próprio; em lugar de inquirir entre si, a fim de encontrar expressões mais profundas, têm elas permanecido fechadas e isentas de fertilização." Agora, o que mais se verifica é o intercâmbio de idéias, com o decorrente acréscimo de conhecimento no tocante aos fenômenos pertinentes aos sentimentos e às reações humanas. Desacreditadas, as instituições religiosas exigem uma reformulação de seus próprios princípios, num esforço para enaltecer a vida dos homens. O sobrenatural cede lugar à experiência religiosa, onde a maior consideração é para com significado mais amplo das relações humanas, tornando possível ao homem ajustar-se meio em que vive. Fala-se aqui de um despertador da consciência que, aos olhos de Guizot, é a faculdade que o homem tem de completar seu íntimo, assistir à própria existência, ser, por assim dizer, espectador de si próprio. Há, certamente, enorme relutância por parte da igreja institucional em aceitar que a revelação do evangelho cristão é a de um poder interior ao homem, para a iluminação e transformação de sua vida. O poder que ao homem é negado não tem outro objetivo senão o de assegurar a eficácia de um sistema restrito á dominação pela manipulação daquilo que se imagina ser o sobrenatural, mas que pode e deve ser estudado cientificamente. Aliás, não por um mero acaso "político" e "religião" confundem-se através dos tempos. Da mesma maneira como o "político" quer submeter pela ignorância, o "religioso" presente limitar pela omissão. E, obviamente, não se pode esperar da desinteligência outra determinação que não seja a do ignóbil exercício desses podres poderes. Um substancial projeto ético, a estabelecer relações maduras dos homens entre si e com o divino ("eclesia"), somente será viável quando os espíritos adquirem a grandeza para compreender a sua personalidade. Compreender a alma humana requer auxílio da ciência, pois, complexa, se não tivesse diferentes modos de sentir, se as grandes desgraças não fossem uma refundição, um transfiguramento completo dela, o homem seria a negação do "Criador", como bem observou Camilo Castelo Branco. Restituir ao homem o seu poder de criação é negar um deus antropomorfo para admitir a probabilidade de deus no próprio homem. E nenhuma confusão há de ser feita entre essa disposição e uma pretensa onisciência, a guiar-nos em supremacia da raça humana no universo. Afinal, por religião entende-se muito mais "religatio" (a ação de atar de unir), do que "relictio" (o abandono, o desamparo). Pois, a verdadeira "eclesia" se faz na conotação entre o poder de criação resgatado e a habilidade no seu desenvolvimento; ou, como preferiram os homens denominar: Deus. A vida é especial, porém não uma "especialidade" como hoje o são os vários ramos do saber. Unificar, em vigorosa síntese, a filosofia, a política, a ciênci, isto é vislumbrar a possibilidade de uma religião superior, esclarecida e esclarecedora. Assim, conceber essa religião depende do esforço do homem, procurando instituir a harmonia em suas íntimas e profundas relações com o próprio meio. Muito tempo se passou desde que nós -ainda povos selvagens- constituímos "classes sociais" reduzidas à fórmula simples do sacerdócio ou "poder espiritual". Não é mais crível que os meios pelo homem criados para aumentar o seu bem-estar, notadamente os que lhe dão mais força ou segurança, sejam os mesmos utilizados para privilegiar podres poderes, a fim de dominar pelo sacrifício. Já é chegado o momento de sabermos o que pode a religião fazer em prol do indivíduo.

(Caos Markus)