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sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

SÁBADO, 6 DE MARÇO DE 2010:"FLUÊNCIA"

Na Torre de Babel da Globalização, só uma língua
é por todos conhecida. Porém, poucos são
fluentes nesse idioma: o Capital.
(Marcus Moreira Machado)

SEXTA-FEIRA, 5 DE MARÇO DE 2010:"FALÊNCIA"

Nem dissecar primarismo algum nem mumificar qualquer ideal: falência múltipla é o que se conquista com a dialética da auto-destruição na praxis socialista.
(Marcus Moreira Machado)

QUINTA-FEIRA, 4 DE MARÇO DE 2010: "LACUNA"

O quê Marx não considerou (formidável lacuna em seu 'materialismo histórico' !) foi o ensinamento de Darwin e a lição de Lavoisier:"Na seleção das espécies, nada se cria, nada se perde, pois além da mais-valia tudo se transforma".
(Marcus Moreira Machado)

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

QUARTA-FEIRA, 3 DE MARÇO DE 2010:"TROCANDO FIGURINHAS"

Sob o império da mediocridade, observa-se, na atualidade do pensamento nacional, a evidência de elemento perniciosos e deletérios que, trocando figurinhas entre si, consagram a intolerância e a crueldade para com tantos quanto aspirem as novas formas, quer nas artes, quer na política, ou, ainda, naquela que é considerada uma superestrutura do Estado - o Direito. Afastados da prevalência da realidade ou da observação sobre a fantasia, registra-se a tendência para fazer consistir o pensamento mais nos vôos arrojados da imaginação do que no estudo minucioso da realidade. Já Almeida Garrett, em Portugal do século XIX, asseverava: “... O tom e o espírito verdadeiro português, esse é preciso e forçoso estudá-lo no grande livro nacional, que é o povo e as suas tradições, as suas virtudes e os seus vícios, e as suas crenças e os seus erros”. Obviamente, a reação do grande escritor lusitano aos motivos literários clássicos, já então demasiadamente sovados, encontraria eco entre intelectuais de militância várias. Entendendo a literatura como mais um reflexo de cada momento histórico, não nos será difícil ou arriscado concordar com a exigência de critérios mais abertos, quando se pretende acurada análise de um povo num exato momento de sua particular história. Ou, como doutrinava Victor Hugo: “... Não há regras nem modelos além das leis gerais da natureza... além das leis especiais que, para cada composição, derivam das condições próprias a cada assunto”. Nem o rigor dos “românticos”, a propugnar volta aos modelos mais genuinamente nacionais, nem o hiper-realismo de sonhadores e suas utopias. Mas, muito menos o elogio-mútuo dos que insistem em forjar valores limitados e, por isso mesmo, torpes. Quem sabe o regionalismo, o psicologismo e o neo-realismo possam resgatar a essência do pensamento nacional, e com ela traçar mais verdadeiramente o perfil do homem brasileiro. Intolerável, isso sim, é o pedantismo de seletos grupos que se auto-declaram mentores de uma nova era, de um porvir seguro e promissor. Detentores de retórica singular, aprisionam a nação como mero objeto de tolas elocubrações. Apoiados pela cumplicidade de uma enferma e inexorável multi-mídia (apêndice, aliás, da intelectualidade arrogante!), protejam-se uns aos outros, no restrito “club” dos bem dotados. Não raro o irrealismo desses apóstolos da nova ordem surge com messiânica redenção à fome nacional, de miseráveis hordas exortadas à prática de teorias em tudo alienígenas ao próprio meio e às tradições peculiares. Não raro o oportunismo do elogio-mútuo consagra normas irreais como legítimas, calcando na subserviência a respeitabilidade da falsa liderança. Como em terra de cego quem tem um olho é caolho, poucos conservam, ainda, ingenuidade e autenticidade para exclamar: “o rei está nu!”. Ao contrário, via de regra a má índole é acobertada por láureas, num duvidoso mérito de academicismo. Preferível então, o “Elogio da Loucura”, de Erasmo de Roterdam, mordaz, ao descaramento, à imprudência dos cínicos modernos. Pior de que determinadas loucuras não são mais que o absurdo e caótico se revelando em interstício de lucidez. Cultuar essa normalidade esquálida, em incontroversa aceitação, é admitir anônima neurose como cânone inalienável, é eleger o elogio-mútuo corifeu de nossas individualidades. Precisamos tanto de um discurso sofista quanto de quinze minutos de fama. Esta última, como bem expressou o “gênio” da pop-art, Warhol, de há muito já conquistamos. Agora que o futuro já chegou, possibilitando a simultaneidade de fatos, opiniões e interpretações, não há mais vez para a sujeição ao minimalismo elitista. Aproveitar do que há de melhor em todos os sistemas políticos, jurídicos e artísticos, será encontrar no ecletismo reformulação básica da democracia, aqui entendida como a protagonização ampla e individual, muito acima de insistentes coadjuvantes da nova Escola do Elogio-mútuo.
(Marcus Moreira Machado)

TERÇA-FEIRA, 2 DE MARÇO DE 2010:"ORA PRO NOBIS"

A miséria é um hábito. E um péssimo hábito. Gerações de brasileiros acostumados a viver mal, vemos a riqueza como algo muito distante de nós, em cada condizente com os padrões de qualidade. Desse hábito surge a crença de que neste país só têm prosperidade os que de forma desonesta ganham a vida e, dessa maneira, fazem fortuna. Ignorantes de pai e mãe, muitos de nós ou foram educados politicamente no condicionamento de uma esquerda xenófoba, que só vê a destruição econômica do Terceiro Mundo como consequência inevitável e fatal do sucesso do Primeiro Mundo, ou foram criados, opostamente, na farsa de que o estrangeiro é sempre melhor, acreditando dever em tudo ser imitado. Não por outra razão ou encontramos uma enorme massa amorfa, propensa a aceitar como suas, realidades inseridas em contextos em tudo diferentes do seu, ou percebemos uma minoria restrita à teorização de políticas estranhas àquela grande massa, no messianismo pueril da intelectualidade forjada em modelos também alienígenas. Absolutamente, há falta de identidade! O brasileiro já nasce pobre, e aprende e linguagem do infortúnio com a mesma facilidade com que aprende a falar, a andar, a ler e a escrever. E como tudo que aprende, aprende mal, não entende porque é assim tão miserável. Opulência e luxúria são coisas distintas. No entanto, a eiva do caráter nacional reside na supressão do bem individual em nome de um lacônico e infundado sentimento comunitário. Como se pauperismo fosse nossa verdadeira e única vocação, nos acomodamos à mais extrema penúria imposta por castas sociais pretensamente nobres e melhor dotadas intelectualmente. Contraditório, mas ao mesmo tempo em que admiramos dos líderes a sua abastança, liderados cultuamos a idéia da riqueza pecaminosa, a ser evitada por nós. Há razões históricas em tais condutas, onde as frustrações pessoais costumam ser amenizadas no sucesso dos chefes e guias. Como explicar a aparente identificação do súdito com seu rei, do governado com seu governante? Na sugestionada impossibilidade de um bem-estar geral, sobrevivem os vulgos no pálido e fugaz reflexo do esplendor alheio. Uma revolução real ocorre muito mais com o concurso de idéias que com a propagação de ideais. Nenhuma alta aspiração pode ser melhor do que a opinião particular. Privilegiar, pois, a representação mental de cada um é alcançar a identidade pessoal. Na falta do reconhecimento dos caracteres próprios e exclusivos de cada indivíduo, prevalece a enganosa aproximação entre os carentes e os copiosos. Toda perfeição concebível jamais é compatível com a utilidade dos conceitos mais imediatos. Representação não traduz-se necessariamente em mediação; delegar a outrem o amplo poder de intervir, é também sujeitar-se ao cerceamento do próprio intelecto. E, quanto maior a concentração de prestígio, tanto menor a possibilidade de emancipação coletiva. Uma revolução de costumes sempre foi mais prodigiosa que um espírito belicoso. Afinal, o melhor dos Beatles não foi propriamente o rock e sim a atitude de inconformismo de um John Lennon. Inconformar-se, eis a questão! A sublimidade não está mais na sublevação que na controvérsia. Uma vez instalado o princípio do contraditório, poderemos divisar a natureza dos acentuados contrastes entre a miséria da maioria e o fausto da minoria. Inequivocamente, entenderemos a artificialidade dessa mesma natureza, no caminho lógico e seguro da auto-valorização. E a miséria nossa de cada dia deixará de ser, então, o substrato da cultura brasileira.
(Marcus Moreira Machado)

SEGUNDA-FEIRA, 1 DE MARÇO DE 2010:"DEPAUPERADOS"

Em nenhum tempo, os contrastes entre o rico e o pobre foram tão resolutos, tão violentos como presentemente. Os economistas que afirmam nas suas obras científicas que o pauperismo é tão velho como a humanidade, socorrem-se de sofismas. Há pobreza absoluta e pobreza relativa. A pobreza absoluta é a do homem que não pode inteiramente satisfazer suas necessidades reais, ou somente as satisfaz de maneira insuficiente, isto é, aquelas que se originam de suas funções vitais orgânicas, dificultando-lhe por consequência a alimentação suficiente, a qual quando a obtém, é com sacrifício do repouso e do sono de que seu organismo tem necessidade para não definhar prematuramente. A pobreza relativa, pelo contrário, é a impossibilidade de satisfazer as necessidades artificialmente criadas, que não são condições necessárias da vida e da saúde, e que o indivíduo não sente e não compreende senão comparando seu modo de vida com o dos outros. Cada indivíduo julga-se pobre à sua maneira; o operário, se não pode fumar ou beber aguardente; a lojista, se não pode vestir-se de seda e cercar-se de uma mobília supérflua; o homem de profissões liberais, se pela aquisição de um capital não pode libertar-se do cuidado inquietador de acautelar o futuro de seus filhos ou o decanso de seus últimos dias. Esta pobreza é evidentemente relativa, no sentido da lojista, por exemplo, parecer rica ao operário, e do professor julgar magnífico o modo de vida que ao aristocrata, criado na abundância e gozando de todas as comodidades, pareceria pobre; mas esta pobreza também é subjetiva, enquanto só reside na imaginação do indivíduo e não arrasta de maneira alguma o enfraquecimento real das condições necessárias da existência, e com ele o definhamento do organismo. Em uma palavra, não é pobreza fisiológica. Ora, o velho Diógenes já mostrou que podemos passar bem, quando satisfazemos facilmente as necessidades do corpo. À pobreza absoluta ou fisiológica não aparece como fenômeno constante senão em consequência da civilização elevada e enferma. No estado primitivo e mesmo em grau inferior de civilização, ela é inconcebível. O homem primitivo não se submete humildemente à miséria, luta com ela e vence-a, ou então sucumbe prontamente. A pobreza absoluta é igualmente inconciliável com a civilização que não transgrediu ainda o ponto de vista das necessidades físicas. A civilização elevada, finalmente, condena à pobreza absoluta uma multidão deveras numerosa, favorecendo o engrandecimento das cidades em detrimento da população rural, o desenvolvimento da grande indústria em prejuízo da produção animal ou vegetal, e, criando um proletariado que não possui uma única polegada de terreno, o impele para fora das condições da existência natural do homem, e terá de morrer de fome no dia em que deparar fechadas as fábricas e as oficinas. O proletariado atual das grandes cidades não tem antecedentes na história; é produto da nossa época. O proletário moderno é mais miserável do que era o escravo na antiguidade, porque não é alimentado por um senhor, e se tem sobre este a vantagem da liberdade, devemos confessar que esta liberdade é principalmente a de morrer de fome. Não é no comunismo que se deve procurar a solução dos problemas econômicos; ele só é estado natural nos organismos coletivos muitos inferiores, e não pode de maneira alguma aplicar-se a uma forma mais elevada da vida como é a sociedade humana. Não é somente para o homem, mas também para a maior parte dos animais, que a posse individual constitui estado natural. O modo de vida que torna necessários a previdência e o cuidado do futuro conduz à expansão do sentimento da propriedade e ao desenvolvimento do instinto de adquirir uma posse própria. Forçoso é voltar a tratar da renovação da organização econômica. Um só princípio fundamental deve dominar a sociedade, e este princípio tem de ser o individualismo. A posse é organizada individualmente. Àquele para quem tal estado não é o alvo ideal do desenvolvimento social, não há outra coisa a fazer senão resolver-se por outro princípio, a solidariedade. Da escolha dependerá a ruína ou o aprimoramento da organização social. (Marcus Moreira Machado)

DOMINGO, 28 DE FEVEREIRO DE 2010:"LEGAL!!"

O “marketing” está hoje incontestavelmente a serviço das ideologias ou mesmo da falta delas. É dessa maneira que instituem-se e extinguem-se órgãos, ministérios, secretárias ou conselhos conforme a conveniência em se “lançar no mercado” essa ou aquela maior ou menor estratégia de “consumo” de uma determinada idéia. Para que se adquira credibilidade junto aos “consumidores” cuida/se de definições com substrato legal, respaldadas num localizado contexto sócio-econômico. Sob o aspecto formal, os “produtores” propagam como legítimas, aspirações nem sempre estabelecidas na reciprocidade, porém unilaterais, mais fruto do condicionamento próprio às campanhas publicitárias, cujo o objetivo invariavelmente é o de estimular uma grande maioria passiva. Há um dado momento, então, em que os requintes das abstrações contrastam veementemente com situações concretas, desprestigiando mesmo o direito, a justiça e a lei, e descaracterizando o sentido original da proposta inicial. Trata-se nesses casos da mais pura manipulação, em que elites buscam predomínio pela centralização, arvorando-se defensora de direitos que não são os seus, mais que elas crêem dever zelar, porque acreditam-se mais e melhor preparadas. É o caso, ao que tudo indica, do Conselho Tutelar, para o cumprimento dos direitos da criança e do adolescente, em Jacareí. Pois, pretendendo o “monopólio” no que diz respeito às situações onde jovens e infantes estejam envolvidos, bradando soluções exclusivas, “detentora” de “direitos autorais” sobre o assunto, uma “casta” procura manobrar a lei quando essa não frutifica os resultados esperados a época da sua formulação. Não por outro motivo, coerentes apenas com o seu “marketing político”, essa elite, tendo alardeado a necessidade da instituição de um Conselho Tutelar na cidade para pretexto desse “monopólio”, não conseguindo, no entanto, a maioria que desejava na representação cobiçada, imediatamente faz ouvidos moucos ao reclamo popular. E, em surpreendente atitude da mais acintosa manipulação noticia os conselheiros eleitos que foi adiada a posse dos mesmos, em virtude de “falhas” na lei municipal, que deverá ser reformulada em alguns dos seus artigos, considerando que o dito conselho nem “legalizado está”. Tudo feito na trama da hipocrisia, oculta sob o manto do “aprimoramento”, quer/se adiar, também, a execução de medidas eficazes de proteção às crianças e adolescentes e, de resto, à toda sociedade. Em desrespeito à comunidade, que se fez representar elegendo os seus conselheiros, anuncia-se à boca pequena a postergação do Conselho Tutelar consolidado. E, pior, com o débil argumento de que a lei precisa ser aperfeiçoada. Ora, se o Brasil dependesse da perfeição definitiva da sua lei maior, a Constituição, não seria ainda, e não seria nunca, um país e uma Republica Federativa. É imperioso que se observe a reformulação paulatina das leis, de acordo com o desenvolvimento da sociedade a que elas se destinam. Inadmissível a alegação dessa elite protetora do “frascos de comprimidos”, com o perdão da palavra. Se a mesma lei que desencadeou o processo de eleição, ainda em dezembro do ano passado, já não “serve” mais, o que dizer então da problemática das crianças e dos adolescentes do município? No mínimo, pelos equívocos propositais, pela preterição tendenciosa do “marketing” da coisa pública , a única solução, a mais viável, para a questão do “menor abandonado”, por exemplo, será a de dar ouvidos à glosa popular: “O jeito é esperar o ‘menor’ crescer; aí ele fica um ‘maior’ delinqüente”. Sarcástica, talvez, mas menos cínica, provavelmente. Eis, no caso do adiantamento da posse dos conselheiros tutelares de Jacareí, uma demonstração de que a “organização da sociedade”, pura e simplesmente nem sempre condiz com o princípio maior da justiça, visto que a “lei” está a servir um grupo organizado em torno dos seus próprios interesses, apenas. Provavelmente, o mestre Ruy Barbosa inspirou-se em Santo Agostinho quando, em discurso proferido a bacharelandos, advertiu-os: “. . . pesai bem que vos ides consagrar à lei num país onde a lei absolutamente não exprime o consentimento da maioria, onde são as menorias, as oligarquias mais acanhadas, mais impopulares e menos respeitáveis as que põem e dispõem as que mandam e desmandam em tudo; a saber: num país onde, verdadeiramente, não há lei, não há moral, política ou juridicamente falando” E, não menos provável, Jacareí, provinciava que é, tem as suas oligarquias. (Marcus Moreira Machado)

SÁBADO, 27 DE FEVEREIRO DE 2010:"HAY QUE SER MACHO, PERO NO MUCHO!"

Mesmo na meia-idade, ainda acredito nas fantasias do tipo “mocinho-bandido”: empaquei na adolescência. Imagino donzelas dependendo da minha bravura no combate a dragões fantásticos e, pobre mas valente, faço juras de amor e fidelidade, em heroísmo pueril. Assim, um tanto quanto aventureiro, sou cavaleiro medieval partindo em cruzadas contra a ignorância dos bárbaros; de mim depende a redenção dos povos sucumbidos à truculência selvagem dos déspotas colonizadores. Em meus devaneios eu enxergo a proximidade de um novo amanhecer, quando somente a minha justiça ditará o império do que imagino ser o bem. Sou honesto, belo, virtuoso... serei o rei tão querido e ungido; lutei aonde havia trevas... minhas cicatrizes são a minha credencial, o meu passaporte ao reino dos justos. Os meus opositores, - que nem isso são, porque sou eu o dono de toda e qualquer situação - pretendem a minha desgraça e por isso me injuriam, porém não se dão conta de que os meus seguidores são cada vez um maior número e não contestam o meu comando (também eles sonham, deliram como eu). Hoje, nem mesmo militar de cinco estrelas é mais admirado que a antes estrelas solitárias do meu pavilhão vermelho como o sangue de Jesus Cristo. Pouco fui à escola: sempre fui menino precoce (até hoje não deixei de ser esse menino que mora no coração de cada um de nós), razão pela qual sou autodidata e me basto; afinal, nasci vocacionado para conduzir, pois que a imensa maioria nasceu limitada a me seguir. Líder, incontestavelmente um líder é o que eu sou: o homem da venda, o empresário de aço, o metalúrgico da foice e do martelo, os clérigos, o sacristão... todos me reconhecem um líder nato. Eu não preciso e nem devo trabalhar, que trabalhem outros em meu lugar, ocupado que estou em organizar o trabalho deles. Sou por demais inteligente para me ocupar das mazelas do dia-a-dia, e “mereço a comida que você paga por mim”(quem mais teria tanto tempo e tanta competência para discursar a seu favor? Hein?) Aos que ainda relutam, àqueles que insistem em chafurdar o meu nome na lama, apenas respondo: quem ri por último é porque não entendeu a piada. Eu tenho carisma, sabe disso a legião dos meus discípulos espalhados pelos sindicatos, pelas agremiações, associações e congêneres e similares. É só perguntar nas bases e todos ouvirão em uníssono: “hoje é o dia da caça, hoje é o dia da caça e do caçador”. De que outra maneira poderia um brasileiro miserável (como, via de regra, é todo brasileiro), assim como eu fui, progredir, não fosse a minha capacidade em entender tanto de fome a ponto de - imitando um Padre Cícero - miná-la com pãezinhos, tudo sobre a inspiração da estrela-guia? Nem só de caviar vive o homem... buchada e estrogonófe (assim mesmo, bem abrasileirado, como gosta um cabra porreta!) também faz parte da vida; scotch escocês não é má idéia... a cachacinha é pra render homenagens aos antepassados, que não votam, mas seus netos sim. E, mais que tudo, eu sou mesmo é muito macho! E é disso que esse país está precisando, de gente disposta a se indispor sempre que Villares e Palmares servirem de cântico. Mas ou menos assim: “... são lutas de ontem e de hoje também...”, “... nosso Deus fica ao lado dos pobres...”, “...É Deus que nos vem libertar. Contigo fazendo aliança”. Eu sei muito bem que as más línguas dirão que estou a fazer conchavo com Deus. E o que é que tem isso, se Deus é brasileiro? Alguém duvida?! Então, qual outra”! Terra de Nosso Senhor” canta “À merencória luz da lua”, tem “coqueiro que dá coco”? Não moro num país tropical, abençoado por Deus?! E, não viram, “todo mundo tá feliz, todo mundo pede bis”? Eis a razão da minha volta: vocês como eu-empacados na adolescência. Não há nada melhor que um dia após o outro... e outro, e outro, e outro. Assim, como uma eleição após a outra... e outra, e outra, e outra. Quem me espera sempre alcança. Mesmo que seja de volta ao passado! Mesmo que tudo já tenha se passado, em Algum lugar do passado. Leste europeu decididamente não é nordeste brasileiro e Lechwalesa, um anticomunista apanhou feio no corredor polonês. Não é o nosso caso: do Oiapóque até o último pau-de-arara somos todos socialistas. Lula-lá, seja aonde for. Lula-lá, nos moinhos-de-vento passionais do nosso genuíno latin-lover do Araguaia. Lula-lá, honestos até o fio do bigode, fanáticos até a última barba mulçumana xiita. Alatoialulá! O sertão vai virar mar... Vira, vira, vira/vira, vira, vira/ virou!!! O mar vai virar sertão... Vira, vira, vira... Uai, ó “xente”, por que não? (Marcus Moreira Machado)

SEXTA-FEIRA, 26 DE FEVEREIRO DE 2010:"MATURAR"

Nem tudo está perdido. Não se pode e nem se deve crer que as pessoas não mudem, jamais, de opinião, e assim com o passar dos anos, passem a observar sob prismas antes ignorados ou desprezados o que até então julgavam por pronto e acabado, insuscetível de reavaliação. Afinal, aos oitenta para uns, aos trinta para outros, a vida fica mais velha e mais sábia, revelando-se mesmo surpreendente no que pode oferecer, e menos exigente do que se supunha. Irredutível nem será bom sinônimo convicto, pois superveniência é, de fato, a ocorrência plausível para o comum mortal. Não sem motivo, no decorrer dos anos, é surpreendente o caminho que se nos apresenta um dado instante para, em seguida, quase atônitos, nos depararmos com súbita nova rota do anterior percurso. E tudo que se nos afigurava como certeza é substituído, fazendo ruir idéias e ideologias aparentemente sedimentadas em indestrutível amálgama, forjando-se, a partir daí, conseqüente sucessão de possibilidades, como num alerta ao destino indefectível. Uma pequena dose de bom senso obriga uma resposta imediata à fragilidade inerente a cada um de nós seres humanos; nenhum questionamento, por sério e oportuno, compreenderá conclusões inevitáveis. Dessa forma, não há exatamente alternância de opiniões, porém acréscimos pré-conceitos circunstanciados e efêmeros. Pois, definitivamente, a regra é a indefinição e a sabedoria é a exceção. Acreditar-se pleno, crer-se íntegro, quando se desconhece os desígnios impróprios á nossa natureza limitada, é superestimar uma capacidade subordinada a intervenções do imponderável. Da nossa essência sabemos muito pouco, conhecimento esse que nos reduz a meros espectadores, ainda que a nossa pretensão seja alcançar do infinito as suas fronteiras. Ora, semelhança não será, jamais, igualdade; e o muito conquistado pelo homem em toda a história de sua civilização não foi mais que a simples manipulação de conhecimentos básicos. Criaturas, eis o que somos; criadores, o que ingenuamente pretendemos ser. A negação da nossa humanidade como exclusivo atributo a cada homem na face da terra tem-se operado através da transposição dos valores positivos alcançados em séculos marcados pelas guerras e pela mais franca injustiça social, em desprezo á luta pela civilização, substituindo-a pela barbárie originária, num paradoxo entre evolução e progresso. No entanto, é justamente em nome do aprimoramento que a megalomania se instala, na procura de uma tão vaga quanto inútil perfeição do homem, pretensamente elevado à condição de criador. Enquanto a tecnologia assume patamares jamais imaginados, conferindo à raça humana uma duvidosa característica situada entre a genialidade e a supremacia, perde o homem, de forma abrupta e cruel, a sua própria "alma", em espetacular derrocada do aperfeiçoamento moral que paulatinamente vinha sedimentando como atributo distintivo da sua real singularidade; maravilhado com as múltiplas possibilidades de transformação da natureza a partir da sua intervenção, não atenta, porém, para o perigoso distanciamento entre o progresso da técnica e o retardamento do espírito, já escravo de si mesmo, ignorante e imperdoavelmente alheiro à instalação do mais insidioso descalabromoral. Sistemas e formas de governo que não considerem a distribuição das efetivas melhorias, conseqüentes da investigação científica sistematizada, correrão, independentemente de cor partidária por cunho ideológico, risco crescente de morte prematura, corroídos na fragilidade de estruturas não comprometidas com a fraternidade universal como projeto pioneiro de vida concreta. Alimentar a revolta é duvidar da insanidade como efeito imediato da segregação; e se há hoje algo a temer, sem dúvida pouco se compara ao impérvido social fundamentado na restrição à grande maioria, impedida de compartilhar das benesses para as quais contribuiu confinada agora ao submundo da demência típica dos excluídos. Mudar de opinião, reavaliando teses antes formuladas na exacerbação e na arrogância será perseguir uma sabedoria que, muito embora além de nós mesmos, é seguramente mel melhor modelo de sociedade, porque respaldado nos limites de quem, eterno aprendiz, enxerga na prudência o caminho mais seguro a ser percorrido, afastando-se prematuridade deveras inconciliável com progresso humano. (Marcus Moreira Machado)

QUINTA-FEIRA, 25 DE FEVEREIRO DE 2010:"NO CENTRO DO EGO"

No homem atual tanto a liberdade como a capacidade de pensar caíram de nível. As condições materiais a que estão submetidos os homens de nosso tempo o reduzem a tal ponto que a sua vida psicológica se acha fortemente prejudicada, e, mais ainda, a sua capacidade de fazer cultura. A luta pela vida, proveniente da insegurança do sistema econômico que torna a sobrevivência difícil, obriga as pessoas a se agregarem em número cada vez mais crescente em aglomerações de trabalho. O desligamento do ser humano para com aquilo que é o seu próprio chão constitui um atentado e uma violência contra a liberdade e, daí, contra a cultura. Esta sofisticação da atual vida urbana, com todo o seu moderno sistema de produção, roubou do homem a ligação com a natureza que é essencial à cultura. O excesso de ocupações é a regra básica na vida da maioria das pessoas. Os indivíduos não vivem mais como seres humanos, mas apenas como trabalhadores. E as consequências disto dentro do campo educativo são visíveis. Os pais não conseguem dar a devida assistência aos filhos, deixando de propiciar-lhes o seu natural desenvolvimento. Desta forma, os indivíduos, colaborando com o processo de produção ou sofrendo-lhes as consequências, tornam-se cada vez menos habilitados à cultura; tornam-se dispersivos, incapazes de fazer desenvolver a si mesmos. Há um fenômeno em nossos atuais meios de comunicação de resultado altamente lesivo para o desenvolvimento da cultura. É a ação reflexa que os indivíduos - já dispersivos e incapazes de concentração - exercem sobre aqueles órgãos. Em vez de proporcionarem cultura, eles sucumbem à lógica de demanda: servem apenas a clientes sedentos de futilidades. Perdido o hábito de exercer a capacidade reflexiva e de criação, o indivíduo cria uma barreira em volta de si mesmo, impedindo a sua expansão enquanto ser. Passa, então, a viver com esta barreira. No trato com o semelhante resulta uma conversação em terceira pessoa. Dá-se valor a um assunto, não porque ele tem significado, mas porque ele é a notícia do momento. Não se procura aprimorar uma idéia e sim passá-la adiante. As pessoas não se encontram para se verem envolvidas diante de um ideal comum, mas para uma conversa sem maior comprometimento. O trabalho especializado de hoje não fornece uma visão do todo. O trabalhador não tem mais o sentido de sua unidade, pois conhece apenas um aspecto daquilo que ele mesmo faz. O perigo espiritual das especializações atinge, de maneira particular, o ensino. Os encarregados de instruir a juventude já não possuem aquela visão universal que os habilite a fornecer aos jovens a conexão entre os vários ramos do saber. Na impessoalidade do relacionamento humano, a primeira grande consequência é a total desumanização. Esta impessoalidade é fruto do isolamento. As pessoas se esbarram uma nas outras, mas realmente não se encontram. Falta, assim, muito pouco para a completa desumanização da vida. E isto é muito prejudicial para a cultura. A necessidade de que estabeleçamos uma nova visão do mundo, a partir de nós mesmos se faz urgente, como urgente é romper com as interpretações vigentes, com a desnorteada realidade que nos cerca. É preciso revigorar princípios e idéias gastas, ultrapassadas. A regeneração da cultura só ocorrerá quando em cada um dos indivíduos se formar uma nova concepção de vida, para, em seguida, alcançar a orientação da coletividade. Sempre onde a coletividade exerce mais influência sobre o indivíduo do que este exerce sobre ela, instala-se a decadência. Sociedades - capitalistas ou socialistas - que desprezaram o raciocínio individualizado, conheceram ou conhecerão a tragédia da desorganização social, sucumbindo suas culturas. É dentro de cada um, única e exclusivamente, que pode surgir o sentido da vida.
(Marcus Moreira Machado)

QUARTA-FEIRA, 24 DE FEVEREIRO DE 2010:"PARA NÃO DIZER QUE NÃO FALEI"

Agora falando sério, eu queria não falar. Eu queria nem sequer precisar falar. Ficar quietinho em meu canto, tendo mil idéias e não colocando nenhuma em prática, num mundo meio altista, particularíssimo e indevassável. Já dei de mim o que eu nem sabia que tinha. Quis dividir sonhos com quem não admitia sonhar; construí moinhos de vento para quixote nenhum botar defeito. Mas, fantasias... só as com muito brilho e purpurina, no Carnaval. Se ainda abro a minha boca (fecha-te, Sésamo!), é bocejo de muita preguiça. Agora seriamente falando, eu quero acreditar só no que é verdadeiramente possível, e a curto, curtíssimo prazo. Não se trata de desencanto, mágoa ou qualquer coisa parecida. Alguns momentos de felicidade é o suficiente. Suficiente para mim, obviamente. Não cresci nem diminuí. Talvez, eu esteja encontrando o meu real tamanho ou, quem sabe, o tamanho do meu mundo. O meu “Pequeno Mundo”, como em Hermann Hesse, procurando descobrir por que os homens vivem quase sempre perto da escuridão em cujas sombras podem se perder. Quem sabe, na cosmovisão possamos todos alcançar aprimooramento social e individual. Aquela história de que hoje é dia da caça, amanhã é do caçador, é sinônima da outra - quem espera sempre alcança. O que vale dizer: se eu me deixar ser caçado, esperando, ainda alcançarei, caçando. Meramente frases de efeito, cujo impacto se dilui na relatividade de nossas existências. Assim, nem vale mais um pombo na mão, nem vale dois deles voando. Nada de pombo! Chega de tímida esperança! Por que não aceitar, no recato, a mansidão da vida por si mesma, assim meio Gibran, poética e liricamente falando (e fazendo)? Se for para gritar palavras de ordem, então abaixo todos os inúteis discursos redentores, de todos os credos, de todas as cores e matizes ideológicos! E, também nem quero mais exclamar. Ato falho, vez ou outra cometerei a imprudência de clamar no deserto: vício, só isso. Aguardar, em premeditado silêncio, a voz que vem do coração. Sabendo que ela certamente virá, porque é o que costuma fazer e o que sabe fazer. Se ouvidos moucos não a ouvem, que meus não sejam eles. Ouvirei Taiguara mais uma, mais outras vezes, sempre que o drama insistir em duelar com o meu amor. E, mais do que tudo, é exatamente isso o que pretendo fazer - amar. Amar, acima de tudo, além de tudo, e por isso tudo. Agora falando sério, eu queria nem falar. As minhas melhores palavras foram ditas nas piores situações, para pessoas que não foram nem isso; para gente que também queria falar, mas não de si e para si, e sim às multidões que qualquer coisa ouve e a tudo aplaude. “Ouça um bom conselho, que eu lhe dou de graça, é inútil dormir que a dor não passa”. Um outro sono, de sonho feito de encontros imediatos, na mais pura empatia. Para que o pote no final do arco-íris, se o ouro está a nossa frente, bem ali nas múltiplas cores? Ainda quero perguntar. E não me preocupar com resposta alguma. É possível, estou convencido disso, satisfazer uma perplexidade com sucessivas indagações ( a cada novo momento uma expectativa a menos). Nem política do corpo, nem política ambiental, nem política. É preciso um pouco menos de tanto mais a andar por aí, insistindo que eu, que nós temos muito pouco de tudo. Por que não decidirmos nós mesmos o que e o quanto nos basta? Volto para onde jamais eu deveria ter saído, para a primeira e única descoberta que eu fiz: volto para mim, em tudo o que nele há em ti. Guardo a amizade do amigo que é coisa pra se guardar, conhecendo-me nas fronteiras que imaginei, no valor pequeno que toda fronteira tem. Eu tenho a casa no campo, e não mais me importo em querê-la. Tanto a quis para, afinal entender que a casa e o campo não eram senão pretextos de um incerto querer. Pretender não é um trecho de caminho? Vou voltar, sei que ainda vou voltar. Por enquanto, agora falando sério eu queria não falar. (Marcus Moreira Machado)

TERÇA-FEIRA, 23 DE FEVEREIRO DE 2010:"CONDUZIR E INDUZIR"

Para Sócrates como para Platão pouco progresso advém da comunicação direta do conhecimento. Para eles importante era a capacidade de pensar, criando mentes capazes de formar conclusões corretas, de encontrar a verdade por si mesma. Na definição de Platão, o homem é o “caçador da verdade”, sendo sim importante a busca e não a posse do saber. Também pensadores modernos enaltecem a verdade desse mesmo princípio, como se observa na ponderação de Jean Paul Richter: “Não é o fim, mas o movimento que nos faz feliz.” A ruptura dessa apologia é consequência do exagerado realismo verificado na educação com o progresso científico. De fato, o utilitarismo do conhecimento atual tem menosprezado a importância do autodesenvolvimento como princípio fundamental no processo de aprendizagem. E, sem dúvida, nesse sentido, o papel da escola é cultivar virtudes intelectuais. Pois, o que é “disciplina, senão a antítese de “doutrina”? O professor, assim, é detentor, de um corpo sistematizado de conhecimento, enquanto os alunos apropriam-se da parte dessa doutrina que mais condiz com as suas necessidades individuais. É nesses contexto que, mesmo sendo a escola um reflexo do meio social de onde se originou, pode a sociedade ser reformada a partir da instituição educacional. Mas, é sempre a educação democrática que viabiliza essa reforma, através do reconhecimento de habilidades, resultantes da prática inteligente e continuada, e pelo estímulo do conhecimento e da compreensão, pela observação e pensamento reflexivo. Em toda a história da educação há muito se tem procurado atender à educação de alguns, mas pouco se fez pela educação de muitos. A igual oportunidade para todos, sem segregação de alunos em escolas à parte, só é possível se observada como regra a função democrática da escola. Havendo separação dos poucos favorecidos com uma educação especial, prejudicada fica a solidariedade do corpo social. Ao contrário, evitando-se a segregação, o processo educacional alcançará a socialização e a humanização dos futuros membros da sociedade, ao tempo em que todos estejam aprendendo juntos, podendo, também, aprender a viver juntos pela convivência direta na mesma instituição. Aliás, um sistema educacional de caráter verdadeiramente democrático é aquele que reconhece a educação como direto natural de todos, dando a cada indivíduo a oportunidade de progredir no sistema, limitado apenas pela sua habilidade e pela sua operosidade. A escola , enquanto instituição intelectual, não deve, jamais, distrair-se de sua função precípua nos seus esforços de suplementar outras instituições. Para tanto, necessita considerar três aspectos do pensamento: o material, o espiritual e o humano. Adestrar é uma coisa, educar é outra. Como educação entende-se a soma da experiência individual com a experiência social. Um país que faz uso apenas do conhecimento instrumental, em detrimento da formação, está, quando muito preparando mão-de-obra, sem, contudo, iniciar seu povo no exercício da cidadania. E como falar em civilização, levando-se em conta somente o adestramento? Já alguém afirmou que “toda educação é auto-educação” e que o estudante aprende por meio “das suas próprias atividades”. Se este princípio for posto em prática nas leituras, nas observações e nas reflexões sobre elas, o estudante terá a oportunidade de experimentar essa “auto-educação”, pois conhecimento é algo mais do que uma recepção passiva de informações minuciosas. A própria personalidade é forjada no desenvolvimento de atividades e idéias adquiridos com a auto-educação. O ser humano, vivendo em sociedade organizada, sob a responsabilidade do Estado, tem, pelo próprio progresso a que está destinado, o direito natural à educação formal na escola, uma vez que não é outra a compreensão de sociedade civilizada. E a escola, como instituição formal de educação, tem um importante papel a desempenhar no desenvolvimento social do aluno; nela o ideal a atingir é a busca do conhecimento, entendida como comunidade que deve ser, e privilegiando, sempre, o crescimento mental do estudante. O que é preciso, inegavelmente, é redefinir a palavra “intelectual”, apropriando-se do amplo sentido que tem, para que, finalmente, a escola assuma o seu papel de instituição intelectual. (Marcus Moreira Machado)

SEGUNDA-FEIRA, 22 DE FEVEREIRO DE 2010:"AD VOCACIO"

Muito se tem falado contra o "corporativismo", entendendo-o nocivo por uma falsa idéia de que nele o individualismo de facções sobrepõe-se aos interesses e aos direitos da maioria. Porém, diametralmente oposta a essa falaz interpretação, doutrinariamente o exato conceito de "corporativismo" pressupõe a substituição do indivíduo pela família, adquirindo , pois, um caráter 'humanista' na unidade de sentimentos da coletividade como imprescindível preliminar a assegurar a dignidade da pessoa. Inversamente, então ao que se tem difundido, a expressão latina "corporatio" sugere, pela "natureza corpórea", que, a finalidade do Estado corporativo não é somente a ordem jurídica dos Estados, mas a forma de vida e o desenvolvimento da Nação. A observação de Niederer a respeito desse Estado ressalva a incerteza de um fim, de um objetivo no sentido racionalista, a partir da consideração aristotélica de que o homem é um animal político, e que como tal 'convive com os outros, forma a família, raiz da Nação'. Essa disposição em muito é facilmente identificável nas famílias medievais quando, pela exclusão da concorrência incompetente, o operário, sendo o melhor, não vivia em agruras. Àquela época, dentro das 'corporações' a técnica aperfeiçoava-se justamente pela limitação das atividades, pois que, na condição de associação de profissionais, propugnava-se pela defesa mútua. Atualmente, perdendo a sua essência, o "corporativismo" não mais procura, na arregimentação das classes produtoras organizadas em "corporações", um sistema político e econômico. E, por isso, também a idéia de indivíduos que, coletivamente, administram ou dirigem certos negócios de interesse públicos desaparece, e a concepção de um conjunto de pessoas sujeitas à mesma regra ou estatuto, cede terreno ao 'monopólio' como privilégio exclusivo a determinadas castas, daí surgindo o estigma denegridor do moderno "corporativismo". O que antes era um imperativo da reciprocidade agora é mal compreendido como 'protecionismo'. Resgatar os atributos do "corporativismo" será devolver, pela descentralização, autonomia aos profissionais congregados numa mesma corporação, evitando-se o descontentamento das parcelas sociais excluídas do sistema. Assim, uma democracia respaldada na 'técnica' conterá a invasão do Estado no domínio das atividades econômicas e dos direitos individuais. O fiel da balança, no mínimo. No Direito, como superestrutura do Estado que é, a admissibilidade de 'associações' articuladas para a defesa de seus agentes pode parecer contrariar a harmonia com os interesses coletivos. Entende-se assim que a magistratura 'corporatizada' acabe por restringir o acesso de advogados ao judiciário, no tocante à defesa das suas prerrogativas. E, de resto, a subordinação dos interesses próprios à diversidade ao imperativo da concórdia compulsória readquire, sob a forma 'corporativa' a extravagância peculiar ao 'hegelismo', isto é, a do Estado-total. Mas, a rendição dos advogados, no caso, é consequência imediata do descuramento desses profissionais na defesa dos interesses da própria classe, inadvertidamente, habituaram-se ao 'individualismo', e sofrem agora os prejuízos da dispersão, pagam o débito da incúria. Acreditando-se protegidos por legislação específica e agremiação peculiar - a Ordem dos Advogados do Brasil -, não têm os advogados dispensado à 'categoria profissional' a que pertencem o desvelo tão característico nos magistrados. E, por isso, denunciar desrespeito sofrido no exercício da profissão é no mínimo ter que admitir a própria negligência, em total ausência de espírito corporativista necessário na defesa dos seus comuns interesses. Não existiria exorbitância de juizes, promotores e delegados de polícia, não fosse a inabilidade de significativa parcela de advogados em conduzir os reclamos mútuos na direção do salutar corporativismo. A inobservância do preceito formulado por Heinrich, onde "a convicção de que a verdadeira e essencial estrutura da sociedade é descentralista", daí originando-se o 'corporativismo', é responsável pela desestruturação daqueles que - como Dike, filha de Zeus com Têmis - deveriam também representar a justiça - os advogados. Na gênese do Estado de Direito, mais que a custódia do Direito, formulada por Kant, enaltecemos a significação mais abrangente de Del Vecchio, para quem o Estado deve operar fundado no Direito e na forma do Direito. Pois, como identificar e justificar os atos do Estado com fundamento na lei quando essa foge ao controle dos seus "guardiães"? Inegavelmente, hoje percebemos repetida a situação de 'monopólio' legal, quando a forma de organização social definida por Oppenheimer se faz presente - o Estado tem por objetivo disciplinar o grupo dominado, defendendo 'a autoridade, a conquista e a exploração econômica' pelo grupo dominador. Não é difícil reconhecer aqui os advogados como facção desse grupo dominado, muito embora admiti-lo seja deveras constrangedor.
(Marcus Moreira Machado)

DOMINGO, 21 DE FEVEREIRO DE 2010:"POÇO NO TÚNEL"

Nada de novo acontece. Está tudo fora do lugar como sempre esteve. Todo mundo prometendo e ninguém cumprindo. Um plano após o outro, a inflação nossa de cada dia desafiando economistas ortodoxos e heterodoxos, reforma ministerial, sucessão presidencial... Já ouvi isso antes. Quando foi? Em 1993? O futuro faz tempo já chegou, ele já não causa espécie. No Brasil estamos de volta ao passado; num breve instante tudo aconteceu: a Independência, a República - a Velha, a Nova duas vezes -, Getúlio, os militares antes e durante, os militares depois, .os civis agora como outrora, Salvador, Rio de Janeiro, Brasília, cana-de açúcar, café e cimento. Calendário, agendas permanentes serão um bom presente? Será bom, compromisso marcado em país tão incerto? Cá no Brasil o tempo varia. E tanto que ampulheta jamais seria de exato formato entre nós; provavelmente ela teria alterada uma de suas bocas, cabendo muito mais areia na parte de cima; “estrangulando o tempo”, impedindo-o de “se colocar” na parte inferior. Aqui a pontualidade inglesa só existe na saída, nunca na chegada. E mesmo porque nós brasileiros somos todos atletas, todos correndo contra o tempo, batendo e superando recordes, num espetacular despreparo físico na maratona contra a penúria a que os mais sofisticados invariavelmente chamam “recessão”; possivelmente São Gregório desconhecia Pindorama. Assim, em se tratando de datas, para nós o que de fato sobrevivem são as calendas gregas, quer dizer, “no dia de São Nunca”. E o que falar de “khronos”? Certamente não temos um tratado das divisões do tempo a enumerar sucessivamente os fatos históricos. História existe a de outros povos, não a nossa. Somos mouros porque somos ibero-americanos, romanos decisivamente há muito que somos, cristianizados ou não; ainda somos atenienses, espartanos e cretenses pela saga latina no “helenismo”. Pois somos quase tudo e quase nada. Pois somos senhores e vassalos na Cisplatina “inglesa” ou na industrial revolução galesa. Mas, por sermos tanta coisa ao mesmo tempo, justamente é o tempo que não temos, porque, escravos, dele, não o discernimos como lógica sucessão de dias, horas, momentos. Então o que comemoramos?! A fadiga, as preocupações excessivas que eram, são e serão, têm em suas origens outros tantos anos, outros tantos séculos. Brindamos ao que ainda não veio, ao que ainda não começou. 1994 existe como roteiro dos nossos compromissos, não mais que isso. De resto, podemos cantar: “o mesmo banco, na mesma praça, as mesmas flores nos mesmos jardins”. É exatamente isso: nada de novo “acontece no meu coração... quando cruzo a Ipiranga com a Avenida São João”. E tome mais Tropicália - I, II, III... E mais contracultura e “underground”. Pois, ainda não estamos estourando champanhe às barricadas da parisiense revolução de 1968? Em versão Lindberg, yuppie, que é a parte que nos “cabe neste latifúndio”. Ou, será, comemoramos, ao som de Edith Piaf, a Resistência aos germanos? Mas, uma luz no fim do túnel: já podemos comprar o jurássico fusquinha em embalagem de “ISO 9000”, fazendo de conta que saudosamente somos modernos, insistindo em não ver o tempo passar, teimando na idéia de o velho é melhor que o novo. Se assim for, então 1994 não começou e nem começará, porque 1993, 1992, 1889, 1822, 1500 são mais velhos, e - pela absurda lógica - melhores. Aliás, no fim do túnel existe um poço que não tem fundo; não adianta encontrar nenhum farolete no fim do primeiro quando há abismo no segundo. Preciso é identificar o responsável por tão grotesca construção. E é aí que a coisa pega: nós acreditamos muito mais em trevas do que em lume, e por isso somos todos co-responsáveis pela ocultação das verdades mais imediatas, aquelas que dizem respeito à nossa capacidade de renovar. Se temos sido incapazes de efetivar mudanças a partir de cada um, continuaremos incapacitados para o exercício da aspiração maior, a democracia. Sem democracia estaremos perpetuando o arcaico em nome de uma suposta tradição, e tradicionalmente festejaremos o formalismo sem conteúdo, mais iludidos que esperançosos. E como esse tipo de esperança é a primeira que mata, morreremos sempre a cada ano que não se inicia. Corremos o risco de num, “futuro” próximo saudarmos: “Feliz Ano Velho!” (Marcus Moreira Machado)

SÁBADO, 20 DE FEVEREIRO DE 2010:"EFEMÉRIDES"

“Eu sou eu mais as minhas circunstâncias”, asseverou o filósofo. Pois, certo é que em dado momento uma particular situação é exigente em uma conduta singular e aparentemente contraditória àquela outra, verificada em condição diferente. Ser, então, incoerente é muito mais atributo da personalidade que debilidade moral. Não é certo que adolescência sucede à infância? E para cada idade não existe uma relação de conveniência entre uma coisa e qualquer desejo? E que o valor de uma coisa implica em comparação e preferência? A “desejabilidade”, se livre da utilidade normativa, fundamenta o valor; o hedonismo, não confundido com devassidão, é determinante na fixação do valor de riquezas. No entanto, no desprezo aos prazeres, a valorização da posse relega a própria vida a valor secundário, forjando circunstâncias a prevalecerem sobre o ego. Daí o desafio de Proudhon à aparente contradição: “Sendo a riqueza composta do valor das coisas possuídas, como se explica que uma é tanto mais rica quanto as coisas estão por mais baixo preço?” O que se nos parece é que a riqueza de uma nação não deveria ser constituída tal qual a riqueza de um indivíduo, isto é, pelos valores das suas posses. Mas, quando suprime-se a relatividade do conceito de riqueza, impondo-se padrões de utilidades, certamente até mesmo a moral e a ética adquirem valor secundário, uma vez reduzidas a mero reflexo de circunstâncias artificializadas.. Certamente vivemos numa sociedade paradoxal, onde o que de fato pode e deve ser mais útil tem menor valor. Pois, aqui considera-se mais uma forçada reserva de dólares que uma lauta refeição, ou mesmo simples pão com manteiga. O vago conceito de raridade desse ou daquele item acaba por privilegiar muita coisa que não se pode prazerosamente consumir. O supérfluo não existe, isso é inegável. Desnecessário será tudo aquilo que não proporcione efetivo deleite; uma tela de Rafael somente tem importância se corresponde ao fascínio de um amante da pintura, e uma coleção de “souvenirs” por preço algum será vendida quando o seu dono a entende como valorizada propriedade. É a relatividade daquele mencionado conceito de riqueza. Henry Ford, quando pretendeu competir no mercado da fabricação de borracha natural, instalando em muito hectares de terras do Norte brasileiro uma formidável “cidade” pré-montada, não soube sequer entender a “desejabilidade” como fundamento do valor. Ao querer introduzir os conceitos supostamente civilizados de moradia e habitação, Ford não valorizou a típica rede de dormir dos caboclos, bem como o jabá e o charque como iguarias nativas; houve revolta. O progressista empresário quedou-se em perplexidade, exclamando ser impossível para ele conceber a idéia de um povo que, embora alimentado com o que havia de mais proteico e vitaminado nos E.U.A. , não obstante habitando em moradias de excelente padrão para os norte-americanos, ainda se rebelasse, desconsiderando até mesmo o elevado salário (para os padrões locais) que recebia. Percursor da Organização Científica do Trabalho, pioneiro na implantação das esteiras para a produção em série, empreendedor que abominava a filantropia, enaltecendo as vantagens de bem remunerar a mão-de-obra, Henry Ford não soube, porém, identificar e distinguir as riquezas, para ele estrangeiras e sem valor, mas para os nortistas brasileiros de infinito valor, porque prazeirosas. Um conceito objetivo e realista de utilidade é aquele que - fundamentado nas qualidades de uma coisa - determina o seu valor de uso. E essa qualificação há que ser considerada pela “ofelimidade”, isto é, na relação de conveniência entre a coisa e o desejo. A Psicologia, nesse caso, trará recursos à Economia, quando questionará o ser humano antes de ser ele tratado como consumidor padronizado. Trazer bem-estar à população de um país - no caso como o Brasil - será respeitar as suas crenças e os seus hábitos; será admitir que um “disc-laser” é tão importante quanto um pequeno rádio à pilha para o torcedor nos estádios; será permitir a convivência entre as sabedoria e o conhecimento; será coexistir o erudito com o popular, em reconhecimento da alma humana concebida como unidade, no dizer de Kant. Preocupar-se com o bom desenvolvimento de um povo exige o não aniquilamento da sua personalidade, através da harmonia do inconsciente compromisso entre o primitivo instinto com o consciente adquirido por influência das forças sociais.
(Marcus Moreira Machado)

SEXTA-FEIRA, 19 DE FEVEREIRO DE 2010:"TERCEIRA DIMENSÃO"

ESTRANGEIRO: - Imagine que um leigo seja capaz de dar conselhos a um médico. Não deveremos chamá-lo pelo mesmo nome que damos a esse profissional? JOVEM SÓCRATES: - Sim. ESTRANGEIRO: - Pois bem: se um cidadão qualquer é capaz de dar conselho ao soberano de um país, não poderemos dizer que nele existe a ciência que o próprio soberano deveria ter? JOVEM SÓCRATES: - Sim, poderemos. ESTRANGEIRO: - Mas a ciência de um verdadeiro rei, não é a ciência própria do rei? JOVEM SÓCRATES: - Sim ESTRANGEIRO: - E aquele que a tiver, sendo rei ou simples cidadão, não terá direito, em virtude de sua arte, ao título real? JOVEM SÓCRATES: - Certamente que sim. O diálogo acima, extraído de “O POLÍTICO”, de Platão, busca determinar a natureza do político e, através dessa natureza, o caráter da própria política. Para o filósofo de “A REPÚBLICA”, a política é uma ciência e, também, a mais nobre das artes, aquela que dá felicidade aos homens. E, ao distinguir, no Político, cinco espécies de formas d governo, faz referência à democracia como o domínio da multidão que “em tudo é fraco, sem grande poder tanto para o bem como para o mal, em comparação com outros (governos), porque (nele) os poderes estão muito divididos entre muitas pessoas”... Transportando-nos da importância da vida política de Antenas de então, para a “mais grave ignorância em matéria tão séria como é a política” constatada no Brasil atual, concordaremos que o verdadeiro homem de Estado é o filósofo, isto é, o homem dotado de conhecimentos, como assevera o pensador grego, e lamentaremos, então, uma triste conclusão: não há política em nosso país, e a nossa democracia tem sido exercida por aqueles “que imaginam possuir esta ciência em todas as suas minúcias, mais exatamente do que os outros”. Insiste o ESTRANGEIRO: - Quando pensamos em dirigentes, no exercício de alguma direção, não vimos também que as suas ordens têm sempre como finalidade alguma coisa a ser produzida? Partindo da analogia em que um governante é um pastor de homens, e que cabe a ele alimentar seu rebanho, lamentaremos outra vez: não há governantes em nosso país, pois que falta direção e nada é produzido para a satisfação do povo brasileiro. É fundamental que encontremos o caminho pelo qual possamos chegar à compreensão do que é o político, diferenciando-o, procurando aquilo que lhe é característico, para, a seguir, dar aos outros caminhos que dele se afastam, um caráter único específico a todos. Ou correremos o risco de confundir a arte do governante com a do intérprete, do patrão, do profeta, do arauto e muitas outras semelhantes, e, na confusão, obedecer a um poder diretivo estranho e alheio à ciência da política. Pela educação e instrução que recebem, os políticos de hoje em muito são semelhantes aos seus governados, e deles se aproximam cada vez mais. Precisamos, pois, determinar o gênero de governo que o político deve exercer, distinguindo o que é imposto pela força do que é aceito de boa vontade, não confundindo dirigentes com tirano. Governos aristocráticos e governos oligárquicos, governos monárquicos e governos tirânicos sucedem-se uns aos outros, sempre em decorrência da inobservância da política enquanto ciência. Como não se compreende uma sociedade organizada sem a política, lamentaremos finalmente: não temos um país. E, se não temos um país, certamente o Brasil não existe. O que faz de nós - sem analogia - um verdadeiro rebanho.
(Marcus Moreira Machado)

QUINTA-FEIRA, 18 DE FEVEREIRO DE 2010:"EM SITUAÇÃO DE RISCO"

"Menor " é tamanho, não é "identidade". "Abandono" é "desprezo". Não há, pois, que se falar em "menor abandonado", a traduzir uma realidade oculta sob o estigma da miséria sócio-econômica e seu maior reflexo, a indigência cultural. O rótulo "menor" propõe um binômio no signo da discriminação e do preconceito - "pobre-delinquente". Nessa ótica pejorativa, a criança e o adolescente oriundos das classes sociais de menor poder aquisitivo ( ou menos sem nenhum ), conseqüência que são de uma "sociedade" cínica e hipócrita, são verdadeiramente como que expurgados do processo civilizatório, e, assim, por permanecerem à margem, na periferia desta mesma comunidade, e por não terem com ela quase nada "em comum", previamente são compreendidos como marginais. Também aqui s expressão adquire duplo sentido, prevalecendo o mais vulgar com denominação de algo parecido com um "bandido mirim". Ora, se é verdade que o indivíduo colhe o que semeia, essa premissa também vale para o coletivo. Então, varrer agora a "sujeira" para debaixo do grossa tapete a qual resta a "lama" da conivência dos poderosos, é não admitir o mais óbvio: a nação brasileira, hoje degradada, investiu tão somente nos privilégios de determinadas castas, através de governantes "menores" e "abandonados", na inércia típica dos que por cultura entendem exclusivamente um óleo de Picasso ou um longa-metragem do "cult" cinema de vanguarda. E, imotivadamente perplexos, significativa parcela dos ditos "homens públicos" quer reconduzir os "meninos infratores" ao caminho da "moral e dos bons costumes". Mas, como reconduzir, se mal educados ( e entenda-se "educação" pela correta expressão do vocabulário, em sua origem latina - "educare", significando "conduzir") têm sido crianças e adolescentes pelo país afora?! Afinal, não tem sido "conduzido" imensa legião de brasileiros, desde a mais tenra idade, à uma moral paralela, à um código alternativo - o da sobrevivência pela "seleção" da própria éspecie, numa absurda interpretação darwiniana?! Tutelados de maneira torpe por um Estado que perdeu a sua razão de ser, dominados pelo populismo demagógico e seus planos "assistêncialista" baseados farta distribuição das "sobras" de riqueza nacional, crianças e adolescestes são hoje um "excedente" que, ou se "exporta" pela adoção de famílias substituídas nos países do erroneamento denominado primeiro mundo, ou se "consome" no vazio das propagandas oficiais e oficiosas salvacionistas, ou, ainda,, se recicla no lixo na escória social. É a reedição do "O médico e o monstro", onde o "criador" já não se sabe o que fazer com a "criatura", temeroso daquilo que lhe foge ao controle. É o Estado semeando a injustiça e colhendo a corrupção da sociedade, é a "menoridade" da cultura pátria assustada com a "maioridade" das seqüelas de um projeto nacional voltado para a segregação. É a lei da causa e efeito. Cuidar da dor de cabeça com aspirina, em menosprezo da causa desse sintoma, é procedimento paliativo, sem comprometimento com um correto diagnóstico. E, no caso, a sociedade, enferma, não obstante saiba identificar a natureza da sua moléstia, faz opção pelo isolamento, pela quarentena, como débil medida terapêutica. Assim, o confinamento institucional é o remédio homeopático ministrado ao agonizante e falido sistema político-econômico, utilizado mais como eutanásia que por profilaxia. Este país um eterno "chá das cincos", não poderá mais fofocar assunto tão sério como é o pertinente à tutela como defesa dos direitos (e deveres) da criança e do adolescente assumir o pesado ônus da sua falência próxima . Porque, se um "menino de rua", a viver de delírios febris, á a maior representação da nossa caótica estratificação social, também é na rua, cheirando o odor acre da sua alienante "democracia", que vivem um também jovem, menor e abandonado: o Brasil.
(Marcus Moreira Machado)

QUARTA-FEIRA, 17 DE FEVEREIRO DE 2010:"CRIME E PECADO"

O maior problema da fome tem sido a tônica dos discursos políticos e religiosos pelo mundo afora. E sobre ela considerara Lord John Boyd Orr como a mais perigosa das forças políticas, responsáveis, por exemplo, pela precipitação da Revolução Francesa. "Assim como a 'guerra', a 'fome' também não obedece a qualquer lei natural; antes, é a mais pura criação humana. Pois, cumpre notar que farta documentação obtida por antropólogos dão conta de que entre os achados paleontológicos dos grupos humanos mais primitivos não se encontram instrumentos nem sinais da existência da guerra organizada; tampouco se evidenciam, nos esqueletos fossilizados desses grupos primitivos, sinais de carências alimentares. A conclusão é de que tanto a fome como a guerra surgiram quando o homem passou a defender as acumuladas, obstando a distribuição das riquezas naturais." Mas, se por um lado o ser humano conseguiu o paradoxo de criar dificuldades à própria raça, justamente quando alcançara um aprimorado grau de cultura, também obteve em sua evolução a capacidade de se indignar. Essa indignação deu causa, muitas vezes, ao desenvolvimento de práticas políticas que procurassem minimizar, ao menos, o sofrimento da humanidade. Dessa forma, a Igreja, particularmente, com maior ou menor sinceridade de propósitos, tem demonstrado a sua preocupação diante da miséria e, principalmente, frente à sua maior componente, a fome. Assim é que no dia seguinte ao da sua ascensão à excelsa Cátedra Pontifícia, mais precisamente a 29 de outubro de 1958, em sua primeira mensagem ao mundo, exortava João XXIII : "Finalmente, quanto a todos aqueles nossos filhos em Cristo, especialmente os que sofrem na miséria ou estão afetados por qualquer dor, desejamos e rogamos que o benigníssimo Deus derrame abundantes graças sobre cada um deles e lhes faça chegar o auxílio e o conforto divinos". Porém, se o papa João XXIII entendia que a verdade evangélica se fazia através da pregação "nas pacíficas fileiras da Ação Católica", mais recentemente, em 1979, o então Arcebispo Metropolitano de São Paulo, Cardeal D. Paulo Evaristo Arns, conclamava os seguidores e fiéis, e de resto os cidadãos de maneira generalizada, a uma participação mais efetiva no combate à situação de penúria experimentada pela grande maioria da população no Brasil. E discursava: "O Bispo, e com ele toda a Igreja, não pode assistir, calado, a uma violência difusa que atinge o povo, ceifando vidas, pela desnutrição… … pelo excesso de trabalho, fadiga e depauperamento, pelo desemprego e pela remuneração que não cobre as necessidades mínimas… … e pela asfixia da informação e reivindicação" Pregando um inconformismo, o Cardeal Arns diz não bastar a comoção perante a miséria e a desgraça, e ser necessário a mobilização no combate com determinação às causas dos males. Essa atitude de interpretar a Igreja como instrumento de emancipação coletiva temporal é refletida no texto oficial da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, um relato da III Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano, realizada em Puebla de Los Angeles, no México, em 1979. Na adoção de critérios para a "sociedade nacional", os clérigos assumem a autoria no projeto de "redenção" da sociedade, e declaram: "A realização da pessoa consegue-se graças ao exercício de seus direitos fundamentais, eficazmente reconhecidos, tutelados e promovidos. Por isso a Igreja, perita em humanidade, deve ser a voz daqueles que não têm voz, cabendo-lhe uma ação de docência, denúncia e serviço em prol da comunhão e da participação". Ao pretender um pragmatismo como dever de ofício no combate à miséria, intitulando-se docente em causas humanas, a Igreja resvalou para um terreno que já fora de seu domínio, isso nos primórdios, de sua instituição - o político, dosando a temporalidade com os desígnios do próprio homem. Mas, quando foi posta à prova, por um Leonardo Boff, por exemplo, não soube mais delimitar o seu território, condenando o ex-frei a um ano de silêncio por ter publicado a sua magistral obra "Igreja, Carisma e Poder". O autor, magnífico, um profundo teólogo, ao reconhecer a fé muito além da Instituição, foi como que banido, modificando, no entanto, as regras de uma prática muitas vezes oportunista daquela que se diz representante exclusiva da humanidade. Dom Helder Câmara, o notório Arcebispo de Olinda e Recife, em sua "Invocação à Mariama", acautelava-se, por volta de 1982, talvez desnecessariamente, de eventual repressão da classe dominante (assim por ele entendida) aos reclamos mediados pelas pastorais, e, alertando para o estigma de "política, subversão, e consumismo" de que a Igreja seria a vítima, lamentava "todos os absurdos contra a humanidade", "todas as injustiças e opressões". Mais uma vez o Evangelho de Cristo era colocado como arma poderosa na "denúncia contra os poderosos", tendo o problema da fome como estandarte. Antes, muito antes, nos idos dos cinqüenta, um dramaturgo, um genial dramaturgo, nem inclinado à esquerda nem simpático à direita política, simplesmente um liberal de grandeza incontestável, autor que, à maneira de Gregório de Matos, não admitia a pouca inteligência, viesse ela de onde viesse, bem antes teve Nélson Rodrigues a ousadia de tomar público o seu desprezo pelo que denominou "padre de passeata", antevendo, talvez, a manipulação da "fome" como pretexto outro que não propriamente manifestação da fé. Quem sabe, esse sim um pecado inconfessável! (Marcus Moreira Machado)

TERÇA-FEIRA, 16 DE FEVEREIRO DE 2010:"O FIM DA RETA"

É chegado o dia que pais e filhos se odeiam entre si, em que irmãos se matam sem piedade alguma; é chegada a hora em que o ódio domina a tudo e a todos, na mais evidente demonstração de que o mal venceu como a qualidade mais desprezível, porém mais forte nos ímpios em que se revelaram definitivamente os homens de má vontade. A fraternidade tão desejada por uns poucos e tão vilipendiada pela excelsa maioria, oculta, essa sob o manto da hipocrisia das pusilâmines, não é agora nem sonho nem ideal e, ainda menos, uma esperança no coração das pessoas contaminadas pelo germe da traição, contagiadas pela cólera dos ensandecidos. As religiões, as doutrinas econômicas, aos planos políticos, os governos e os governantes, todos, de atitudes várias, de conceitos diversos, todos, sem exceção alguma, unem-se apenas pelo sórdido propósito da destruição das almas, em torno da submissão do espírito aos prazeres da luxuria e do consumo indiscriminado. Os líderes somam um maior número que os liberados; cada um, em cada região, em cada cidade, em cada rua, prega o único culto e a exclusiva devoção - vociferar, blasfemar , em tresvariamento típico dos alienados. É chegado o dia em que os loucos de todos os gêneros são a única espécie do gênero humano, em que a humanidade comprometida somente com o narcisismo, voltada para a egolatria, adora a si mesma mais que a qualquer outra divindade, morta essa, aliás, ferida a golpes sucessivos da arrogância, da presunção e da indiferença, lesada pelo infortúnio promovido por essa raça singular, que não enxerga nada além das guerras, da infâmia e da barbárie. O mundo acabou. A vida já não é nem um projeto ou um simples esboço; tanathos celebram o seu triunfo contemplando os cadáveres dos mortos-vivos, em que séculos de atrocidades conseguiram, enfim, transformar toda civilização humana sobre a Terra. Hoje, as crianças deixaram a pureza original combalidas e ao mesmo tempo incitadas pela desmoralização desenfreada das propagandas perniciosas na televisão, pela nudez desavergonhada como apelo sexo compulsivo, sucumbidas ao poder destrutivo das drogas e extasiadas pelo torpor aliamente do crime. Os jornais nada mais informam, antes, alardeiam o sem número de ofertas de produtos nocivos à saúde física e mental; a imprensa, também ela, ou principalmente ela, é agora o veículo de transmissão da demência e estampando diuturnamente as marcas e as seqüelas da submissão do amor e da paz à chaga permanente dos assassinatos, dos estrupros, dos roubos e dos seqüestro. E os profetas da nova era arvoram-se em capatazes do senhor único e venerado, defendem-no como algozes que são, a mando da crueldade, a serviço do império da maledicência, pagos com sangue e os gemidos atrozes das vítimas da nova Babilônia; Sodoma e Gomorra não conheciam de tudo o que seriamos capazes; não imaginavam o palco de horrores em que veria a humanidade enredada, presa fácil da própria cupidez, subjugada ao mais inegável aviltamento comoresultado imediato das suas mesquinhas ambições. O mundo acabou. Tal qual modernas hienas, deveram-nos uns aos outros, num frenesi de orgia, consumando o hino ao deus mau da ignorância, numa elegia de infindáveis estrofes, todas rimadas pelo timbre da dor, pelo som da voz dilacerada dos povos agonizantes. O mundo acabou. O fausto desda última ceia é a antrofagia dos comensais é disputando entre si a carne humana na podridão dos corpos corroídos pelo descaso. É chegado o dia em que homens não vislumbram outra coisa que não seja a sua vez primeira e derradeira de participar do caos, como protagonista da cena mais hedionda, do enredo mais espetacular - o da própria morte, em auto-devoração, flagelando-se até a inconsciência final, desacreditando mesmo na existência de uma espiritualidade a poder animar e guiar a sua vida peregrina. A dúvida seria uma salvação, se ela existisse. Mas, irreversível o mundo de fato acabou; porque ninguém mais duvida , ao contrário a insensatez tem feito com que um número maior de pessoas tenha a mais absoluta certeza sobre a verdade, da mesma maneira como ninguém duvida a respeito da liberdade e da felicidade. Vivemos ( ou morremos? ) num mundo em que se leva a sério tudo o que definitivamente não o é. E assim, não por um outro motivo somos forçados a pensar que verdadeiramente o mundo acabou, pois que não falta jamais, gente para crer então desconexas e fúteis palavras quando ditas ( ou escritas, no caso ) com ar proverbial. Então, seu mundo não acabou, certamente começou a acabar , só porque alguém disse e alguém fez questão de ouvir e acreditar. (Marcus Moreira Machado)

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

SEGUNDA-FEIRA, 15 DE FEVEREIRO DE 2010:"MENINADA"

Disseram-me que eu não deveria mais escrever para adultos. O argumento: não existem mais adultos e sim marmanjos. Vaticinei um mundo em tudo utópico, e já era chegado o momento de lidar com o presente, recomendaram-me. Um tanto curioso, eu indaguei no que se constituia o presente, e obtive como resposta: as crianças. O fundamento de tal assertiva estava no fato de que a criança é bem menos - ou quase nada - condicionada,, motivo pelo qual ela aceita mudanças, porque, afinal, ela mesmo está em plena e constante transição. Ponderei. Não achei errônea a consideração., De fato, a criança de tudo quer saber e em tudo quer palpitar; no mínimo poderíamos dizer que o infante possui o que o marmanjo já perdeu - o senso crítico. A real dificuldade para mim que também já sou marmanjo, é entrar no mundo infantil. Mais que isso, eu admito, o meu temor é ter que "entrar no mundo", coisa que a molecadinha tira de letra. Porém, como o meu lado travesso ainda vive comigo, eu adoro desafios, como toda e qualquer criança, aliás. Eu acho um grande barato coisa mal feita, isto é deixar alguém extremamente irritado, só por deixar, dizer "não" quando quase todo o mundo nem sabe porque é que está dizendo "sim", e outras coisas do género. Até já fui em psicólogo, só para tentar descobrir o motivo da minha imaturidade. No entanto, o meu maior divertimento foi deixar a terapeuta nervosa com os problemas dela. Rí, rí muito, rí adoidado, até que ela me mandou plantar favas. Aí eu rí mais ainda, porque achei uma loucura a psicóloga perder as estribeiras com o paciente. Eu pensei com os seus botões: eu sou mesmo paciente, tenho muito mais paciência que essa psicanalista raquítica Mas, porém,, entretanto, conduto, todavia... Embora assim meio meninão, sou "pai de família", vivo num mundo de gente séria que fala bonito e quer impressionar. Como eu poderia deveras impressionar as crianças? Trapezista, mágico, palhaço, conseguem isso com a maior das naturalidades. Eu não sou nada disso! Só sei fazer graça da própria desgraça, e a criançada não quer saber de coisas tristes, mesmo em forma de piada. Ser ou não ser... Ó dúvida cruel! Ser e não ser ao mesmo tempo, Ser metade, ser pela metade. Minha mulher me disse que eu sou carinhoso, mesmo com essa cara meio fechada que tenho. Ela prestou atenção em algo que eu mesmo não dera conta: que eu havia afagado a cachorrinha dos meus filhos. Daí que prestei sais atenção nessa coisa de carinho. De fato, a tal da cachorrinha é uma graça, com um jeito de criança querendo agrado, sentindo falta da gente., Logo eu que nunca pensei em ter cachorro, gato e companhia limitada em minha casa., Mas, não, é para menos. Um bichinho que só quer brincar, que não pretende ser outra coisa na vida senão um bichinho... Alguém pode perguntar a um animalzinho qualquer o que ele deseja deseja ser quando crescer? Ele nem deve ter alguma consciência do que é, e parece gostar bastante de ser o que é. Isso não é admirável? Porque, vamos falar a verdade, nós que somos gente de carne e osso vivemos inventando de ser isso e mais aquilo durante a vida toda, e somos um bocado tristes, sem sabermos brincar nem nada. Não que a gente deva virar cachorro ou gato ou passarinho. Porém, ser feliz em ser o que é sem se preocupar com o que se é ou com o que se devia ser, é uma boa idéia, não? Eis que, então, por hoje eu descido: também não vou fazer nenhum esforço para impressionar ninguém. Quem sabe alguém até me leve mais a sério, ainda que não dando o braço a torcer. Faz mal não. Essa é uma outra decisão: cada um que concorde consigo mesmo, de verdade, e nós todos estaremos de acordo uns com os outros. Não é melhor assim? Não é mais feliz assim? Que tal todos nós esquecermos de tanto fingimento, dessa mania doida de que para ser adulto é necessário ter cara de adulto, jeito de adulto, pose de adulto? Que tal pararmos de ser marmanjos e darmos uma tremenda gargalhada, do tipo daquela que não se podia dar na igreja durante a missa, quando nem a primeira comunhão ainda havíamos feito? Isso não é mais possivel? É sim. É perfeitamente possível. É só a gente parar de beliscar os nossos filhos num lugar que não é permitido rir. Vamos rir com a vontade de rir que eles têm; eles não têm essa vontade à toa, é engraçado à beça fazer o contrário quando não se pode. E não? Pelo menos por hoje, eu estou plenamente convencido a não escrever para adultos. Posso até não conseguir escrever para as crianças de verdade, mas vou mentir para mim mesmo um pouquinho e fazer de conta que nada mais é da minha conta, que assunto de gente grande não me interessa mais, que afinal de contas o mundo não é tão complicado assim. E nem vou precisar me esforçar muito. Faz já um bom tempo que venho suspeitando de que nada é tão sério e nem precisa ser. Crianças brigam pela manhã e estão juntas brincando à tarde, sem necessidade de pedir perdão ou de ser perdoada. Os marmanjos, ao contrário, perdoam, são perdoados, e não param mais de brigar; brigam tanto que até matam de verdade. Verdadeiramente, hoje eu quero pelo menos ser um pouco mais eu mesmo - uma criança sorridente. (Marcus Moreira Machado)

DOMINGO, 14 DE FEVEREIRO DE 2010:"PALEO"

Hordas paleolíticas da política brasileira vagueiam como ratos sob escombros; nômades no percurso das periferias metropolitanas, buscando -em sua evolução cultural- organizar-se em clãs a fim de eliminarem a propriedade privada e as diferenças sociais, em verdadeira comunidade primitiva. Esses pré-históricos ainda não assimilaram as profundas alterações verificadas nas relações humanas, incapazes que são de explicar de maneira racional os fenômenos sociais, criando, pois, seita - singular, estruturada na crença do poder absoluto de um conselho de anciões, a determinar ocupação e produtividade da terra em função de uma futura coletividade. Qual os pintores da gruta de Altamira, também a tribo petista crê no caráter mágico e utilitário de sua política rupestre; aperfeiçoando a técnica da patrulha ideológica, criou rudimentares instrumentos de caça aos que considera inimigos da sua revolução. Refugiada em suas toscas cavernas, vive da economia de coleta, recolhendo os frutos silvestres da sua intrínseca ordem neandertalista, em esforço contínuo para superar sua instância de hominídeos e não ser definitivamente fossilizada. Já tendo apreendido a utilizar o fogo, quer a arcaica esquerda do PT alcançar sua superioridade intelectual, absorvendo de seus antepassados um lento processo de evolução, a distinguir, pela sua capacidade de raciocínio e de transformação dos meios de produção, uma raça posterior, forjada em ancestralidade comum ao homem e aos símios. Promovendo guerras de conquista, o partido do paleolítico que proteger os territórios por si ocupado, em confirmação maior da teoria darwinista do que da linguagem marxista ou lenilista. Não reconsiderando estudos e avaliações controversas, o PT consagra concepções e formula hipóteses bastante discordantes da sua prática, não conseguindo superar sua vida rústica de beligerante. Desconhecedores da urbanidade e da organização política chamada Estado, muitos petistas têm como sua maior unidade política a união internacional de aldeias esquerdistas, todas ligadas entre si por um juramento de companheirismo, fidelidade e obediência ao deus-socialismo; em troca esses novos bárbaros recebem, como garantia de sobrevivência, a divisão do saque conseguido em sua batalhas. De um lado a aristocracia formada a partir de “chefes guerreiros”, por outro lado a “igualdade” do subúrbio político coletivo, pertencente a todos os indivíduos da comunidade: eis o Partido dos Trabalhadores. Julgando os dissidentes com a rigidez do “ordálio” dos bárbaros germânicos, o partido paleolítico dos trabalhadores quer também migrar em busca de melhores pastos para seus rebanhos; e, obviamente, é de forma radical e violenta que procura enfraquecer e desguarnecer as fronteiras das sociedades civilizadas, sob a forte atração da prosperidade alheia. Não quer a militância petista reconhecer a desagregação do seu sistema comunal, a originar, dentro do próprio partido, uma casta privilegiada e acima da ideologia socialista apregoada. Aocontrário, ora insiste aquela militância em infiltrações ou migrações para o terreno dos supostos adversários capitalistas, ora, desesperadamente, recorre das invasões para garantir a posse do que não lhe pertence; decreta, sempre que lhe convém, a falência das instituições democráticas e, incoerentemente pretende o amparo dos poderes constituídos sempre que a fantasia de vítima da mais-valia possa emprestar-lhe o atributo de um duvidoso heroísmo. O PT é de fato uma antiga aspiração do ser humano, mas, tão antiga quanto a idade do surgimento do homem na Terra; e como quaisquer afirmações cronológicas a esse respeito devem ser consideradas como números hipotéticos, não seria de todo incorreto afirmar que a esquerda petista só mereça ser analisada sob a ótica da paleontologia, como um raro espécime arqueológico. Assim como o historiador tem de recorrer aos restos materiais da vida dos homens primitivos para compreender melhor o período da Pré-História, também o cientista político se vê forçado a "escavar" sambaquis ideológicos se quiser identificar uma linguagem mínima a traduzir os vestígios fósseis petistas. E se é verdade que o conhecimento do passado é caminho necessário para entendimento do presente, nada mais acertado do que tombou o partido paleolítico dos trabalhadores como considerável patrimônio histórico da humanidade, maneira didática de ilustrar as primeiras pegadas da infância política brasileira. (Marcus Moreira Machado)

SÁBADO, 13 DE FEVEREIRO DE 2010:"ABALOS"

O jornalista e escritor comunista norte-americano John Red (destacadamente recomendado por Lenine, ao recordar os primeiros dias da "Revolução de Outubro", na Rússia) faz referência à diversidade das organizações russas à época, entendendo, assim, necessário defini-las e esclarecê-las. Nessa oportunidade, comenta sobre o "S. R.", os 'Socialistas Revolucionários de Direita': "... adotaram a atitude política dos mencheviques e trabalharam de comum acordo entre si. Terminaram por representar os camponeses ricos, os intelectuais e as populações politicamente deseducadas de longíquos distritos rurais...". O livro "10 Dias que Abalaram o Mundo". considerado por Krupskaia uma verdadeira epopéia, de tal forma consagrou o seu autor, Reed, a ponto dele ter sido sepultado ao pé do Muro Vermelho do Kremlin, uma honra ímpar para os revolucionários de então. Deveras singular, o livro tem o mérito de ter sido escrito por escrupuloso jornalista, por demais envolvido, talvez, com o objetivo de sua reportagem, ou seja, dar cobertura jornalística a momentos cruciais da História, 'dias em que os bolcheviques, à frente dos operários e soldados da Rússia, apoderaram-se do poder do Estado e o puseram nas mãos dos Sovietes.' Assim é que, procurando explicar os "bastidores" da Revolução Bolchevique, John Reed, em comparação com a Revolução Francesa, e citando Carlyle, para quem "o povo francês distingue-se, acima de todos os outros, pela faculdade de esperar", afirma então que o povo russo também estava acostumado a esperar desde o reinado de Nicolau, o Santo. Segundo o jornalista, "daí por diante, com intermitência, continuou a fazer filas". E, lamenta: "Não se pode fazer idéia da situação desses pobres homens que ficavam o dia inteiro nas ruas frígidas de Petrogrado, em pleno inverno russo! Nessas filas de homens, à espera de pão, ouvi muitas vezes palavras de descontentamento que, apesar da sua índole, as multidões russas deixavam escapar...". O comentário de um militar da época é bastante significativo na explicação daquele que se considerou o grande movimento revolucionário do proletariado. Diz ele, um tanto indignado: "... Kerensky abriu as portas aos inferiores, a qualquer soldado capaz de passar num exame. É natural que muitos, muitos mesmo, estejam contaminados pelas idéias revolucionárias...". E manifesta, a seguir, a sua vontade de sair da Rússia e entrar para o exército norte-americano. É de merecer destaque, também, a consideração feita pelo autor no prefácio do livro "10 Dias que Abalaram o Mundo": "Os trabalhadores russos reconhecem que nossas instituições políticas (americanas) são preferíveis às deles, mas não querem trocar um despotismo por outro (o da classe capitalista)...". Pois bem. Pelo exposto até aqui, é de se notar que a Revolução Bolchevique, a exemplo da Revolução Francesa, encontrou um campo fértil de propagação na extrema miséria em que se encontrava o seu povo indigente, vítima do despotismo dos tzares. Mas, daí a dizer que tudo girou em torno do consenso é, no mínimo, leviandade. Ao contrário, era tamanha a diversidade de matizes ideológicos por ocasião das eleições para a Assembléia Constituinte realizadas em Petrogrado, antecedendo a vitória revolucionária de um partido pequeno - os dos bolcheviques, que em certas cidades da província o número de grupos políticos chegou até quarenta. Dessa maneira, os mencheviques compreendiam todos os naipes socialistas, convencidos de que a sociedade devia chegar ao socialismo por evolução natural e que a classe operária devia começar por conquistar o poder político; e o Partido Socialista Revolucionário (os já citados "S. R.") originalmente era o partido das organizações de combate, ou seja, dos terroristas. Diferença substancial entre eles é que para os "SR" a supressão da propriedade privada da terra deveria ocorrer mediante indenização nos seus proprietários. Já nesse momento não é preciso muito raciocínio para entendermos que agora, em 1994, em um país que não pode dizer ter realmente conhecido as agruras de uma guerra (como a Primeira Guerra Mundial, envolvendo diretamente os russos ), mas que antes é mais um co-partícipe da crise internacional que torna vulnerável até mesmo economias de países ditos do Primeiro Mundo, agora mais do que nunca alguns "socialistas revolucionários de direita", egressos de malfadados grupelhos sindicais, pretendem promover a penúria do povo brasileiro como pretexto para uma plataforma eleitoral supostamente respaldada no consenso popular. Maximizando os problemas nacionais, como se eles fossem independentes, desvinculados do panorama político-econômico mundial, buscam esses retrógrados a formação de organizações populares a partir de grosseira imitação dos antigos 'sovietes'. Querendo reeditar Reed, confundem jornalismo com ficção e, impregnados do mais legítimo "latin lover", se intitulam protagonistas da 'libertação', pensando também em 'Abalar o Mundo'. Porém, política não se faz apenas com intenções, sejam elas boas ou más. E postular a presidência do Brasil não é o mesmo que organizar convenções e reuniões através do outrora "Presidium" soviético, quer dizer, comitê da presidência. Temos filas em bancos, é verdade. Mas algum dinheiro ainda há neles, não justificando um modelo híbrido de governo, como o apregoado pelo Partido dos Trabalhadores, no Brasil. Afinal, cavalo relincha e asno zurra.
(Marcus Moreira Machado)