Páginas

sábado, 9 de janeiro de 2010

GALÍCIA - PAZ BIJOUX

bijouterias
folheados - prata e ouro
GALÍCIA PAZ - BIJOUX
Loja Virtual
Loja Virtual
bijouterias sob encomenda
folheados - ouro e prata

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

SEGUNDA-FEIRA, 25 DE JANEIRO DE 2010: "MATIZ"

A cor da vida apenas é notável quando notória a sua
realização.
É cor difusa, apreendida mais pelo matiz,
indiferente aos tons revelados em cada ser.
O homem, se humano, prima pela matéria que
-obra em (trans) formação- tráz à superfície
as nossas evidências esquecidas ao acaso, por
descaso.
(Marcus Moreira Machado)

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

DOMINGO, 24 DE JANEIRO DE 2010: "MENINOS, GURIS, MOLEQUES"

A pesquisa informa que enquanto os adolescentes argentinos pretendem mais justiça social, os jovens brasileiros buscam ser, apenas, felizes. É de se perguntar: a nossa juventude poderá ser feliz sem alcançar uma sociedade mais justa? Ou de qual adolescente brasileiro comenta a notícia? Daquele que já tem alguns motivos compreendidos como razão da felicidade, ou do outro - a grande maioria - esquecido no infortúnio, relegado à mais sódida miséria em todos os níveis e sob todos ao aspectos? Esses ultimos provavelmente nem sequer foram pequisados, pois que de há muito não são mais jovens (se é que foram algum dia), assim como nem crianças foram quando tinham idade para ser, mas obrigados estiveram a conhecer de perto as agruras supostamente dos adultos exclusivas. Um alerta se impõe aos "meninos" do Brasil, esperançosos com a posibilidade de reascenção da classe média, diante de alvissareiras propostas de ordem política e econômica presentes no país: a felicidade não é um privilégio ou um presente; é, antes, uma comquista pelo trabalho, através do comprometimento com o bem-estar de toda a coletividade. A vigilância, inegavelmente, é o instrumento hábil da soberania e da independência. Não por menos, sabem os argentinos a importância que tem a participação conjunta, quando se quer manter as vitórias obtidas pela perseverança nutrida nos embates sociais. Assim, será pela aquisição de uma nova ordem cultural, moldada no conhecimento das nossas mais particulares questões, que o adolescente brasileiro terá garantida a felicidade extensiva a todo povo nacional. Não obstante as promissoras perspectivas que se abrem para a economia, face á seriedade com que se impõe uma concepção de governo sensível á necessidade de mudanças, o Brasil ainda terá muito tempo pela frente para se ver definitivamente livre da ignorância e do preconceito que, contraditoriamente, o colocam nas páginas dos jornais como um exemplo maior de subdesenvolvimento social. E, alheios à retomada do crescimento, ansiosos apenas por angariar dos dividendos a maior parcela, não verão nem as crianças nem os adolescentes mais que um final de festa, assim que acenderem as luzes daquela que, precipitadamente, julgam ser uma comemoração. Se já não é mais momento para rostos sisudos, expressão natural de quem sempre apostou no fracasso e no pessimismo, também não é hora para festejos descabidos. O que se opera entre nós é o estabelecimento de uma firme convicção em nosso posencial; fortalecer as estruturas dessa proposição, no entanto, requer equilíbrio e moderação, algo a que não estamos habituados. Por isso, então, a exigência de cautela, a mesma que faz dos povos do mundo civilizado pessoas compromissadas com um futuro distante, integrante, porém, dos destinos de um país e das gerações vindouras. Se há algum característico que deva ser imediatamente extirpado do caráter brasileiro, esse é o do individualismo. Não confundindo-o com individuallidade - essa a ser preservada em quaisquer circinstâncias -, o egocêntrico haverá de sucumbir, substituido pelo sentimento mais elevado da solidariedade. Pois, enquanto a cumplicidade der o tom das relações em sociedade, inadmissível será apontar uma ínfima parcela da população nacional como representante corrente de opinião; não há que se falar em conjeturas desse ou daquele segmento social como o sendo o pensamento abrangente de um todo, quando, na verdade, a esmagadora maioria se desfaz ante a estratificação social acentuada e desagregadora. A resistência a mudanças implica ou em manutenção de privilégios ou em passividade e conformismo. Nem uma e nem outra, a qualidade desejável será sempre a da transigência como pressuposto da transformação efetiva. E a felicidade, assim, deverá ser compreendida como objetivo a ser atingido muito mais pelo trabalho e pela obstinação que pela plácida contemplação daquilo que por outros foi realizado. Dentre os meninos do Brasil temos vários, pois que também o próprio país é vários brasis, onde, enquanto num deles a maioridade conquista-se com a gorda mesada do pai, noutro a emancipação é bastante antecipada pela contingência da miserabilidade, exigindo, então, de crianças e adolescentes um compromisso com outra felicidade, muito mais efêmera, porém muito mais urgente - a da particular sobrevivência.
(Marcus Moreira Machado)

SÁBADO, 23 DE JANEIRO DE 2010: " VERDADE SURREAL"

Não sou exatamente um pessimista. Ao contrário, não apenas o real como também o hiper real me fascinam; mas não é minha a culpa se a realidade é péssima. Não pretenderei, pois, otimizar situações onde se registra a mais evidente degeneração do ser humano. E não é outra coisa o que identificamos num povo como o do Brasil, tragado pela superfluidade no tratamento de seus peculiares problemas nacionais. De fato, rendidos estamos. Não temos mais que uma cultura de “almanaque”, consagrando o banal, ritualizando fórmulas decadentes de salvação individual ou coletiva. Somos tão descartáveis quanto as informações que consumimos todos os dias. Valorizar a cultura seria, no mínimo, medida profilática, a prevenir males cruciais como a fome, a miséria, atualmente combatidos quixotescamente como causa da violência, origem da desagregação social, quando não são mais que reflexos de caos anterior. Quando se trabalha com fenômenos sociais não se pode esperar a precisão da informática ou a certeza dos laboratórios; em sociedades múltiplos aspectos concorrem para maior possibilidade de dúvidas do que para probabilidade de acertos; o organismo social, quando doente, requer mais do que boa vontade, mais que otimismo, carece de conhecimento, e conhecimento prático. O que se verifica em ciências políticas e econômicas no Brasil é justamente o distanciamento da realidade mais óbvia. Opiniões diversas são apresentadas como “sui gêneris”, impressionando pelo ineditismo, mas todas por demais fantásticas para poderem ser pragmáticas. Talvez, por que não, não se queira mesmo resolver coisa alguma. Então, buscar alternativas, sempre, seja forma de ocultar a premeditação no desinteresse político; pois quem não pode ou não consegue crer na hipótese do “lucro” garantido pela miséria alheia? No labirinto das teorias governamentais estamos a esperar um corajoso e apaixonado Teseu, a desafiar o Minotauro pelo amor à Ariádne. E como quem não tem nada briga por pouco, a violência fermenta a convulsão social em barbárie coletiva, por ninharias, por quinquilharias que em nações civilizadas não passam de lixo. Estamos também virando lixo! E o que é pior: não degradável. Vermes vorazes, encontramos na podridão da cultura brasileira, amesquinhada e aviltada, o putrefato alimento de nossas sórdidas paixões. Alguns já marginais, outros ainda marginalizados, em breve seremos todos párias; reduzidos a ínfima casta, excluídos da sociedade, devoraremos uns aos outros em antropofagia de “guerreiros” modernos. 1984 já passou. Orwell talvez não soubesse que na Revolução dos Bichos os brasileiros não seriam metáforas, mas os próprios bichos. O esforço de alguns (não poucos!) homens para derrubar outros e subir pelos seus cadáveres traduz a profunda angústia por que passamos, mergulhados no canibalismo e nos atos selvagens da modernidade social, matando e sendo mortos, odiando e sendo odiados, subjugados, enfim, à lei não escrita, porém impiedosa da sobrevivência. Se ao menos acreditassem os nossos dirigentes no ciclo-reflexo de causa e efeito, poderiam os homens de governo renunciar à trama de atividades direcionadas a garantir privilégios de grande farsa, consagrando, então, todo o seu tempo e energia exclusivamente na reabilitação do país. No entanto, é forçoso admitir que nem mesmo a lei do Karma (a cada ação corresponde uma reação) prospera no Brasil. Mais contribuintes que cidadãos, somos vitimados por formidável desestabilização social, onde não há acordo entre “técnicos” econômicos e a legião de “devedores” por eles afetados, ferindo-se o mais elementar princípio de democracia. O mecanismo de manipulação abusiva dos vários índices que têm regulado a vida financeira do Estado influi decisivamente na saúde do organismo social, sem que se considere não haver causa que possa ser desvinculada de seus efeitos. Ponderar os efeitos reais das ações pretéritas, entender os seus resultados acumulados, será a maneira mais razoável de corrigir a rota e prognosticar as formas de futuras atividades. No mais, necessitaremos do pessimismo como um alerta permanente. (Marcus Moreira Machado)

SEXTA-FEIRA, 22 DE JANEIRO DE 2010: "O ÚLTIMO TURNO"

Brasileiro não tem predileção partidária, não possue necessariamente convicção ideológica propriamente dita; brasileiro quando vota, vota na esperança - uma esperança momentânea, mais inclinada à possibilidade de um consumismo imediato porque brasileiro quer esquecer o passado, mas não se incomoda quase nada com o futuro; ou melhor, o seu futuro é o próximo eletrodoméstico, a próxima "suave" prestação, o mais novo status de quem compra freezer, mesmo que não tenha mais de quinhentas gramas de carne moída para guardar, quer dizer, congelar. Aliás, o que parece é que brasileiro gosta bastante de congelamento - o, político o econômico e … o da carne moída! Na falta de BMW (que alguns "novos ricos" insistem em chamar BM "VÊ"), uma nova eleição sucessiva a um novo plano econômico ( ou seria um econômico plano?), faz renascer das cinzas o facho adormecido dessa esperança que já imprestou ao brasileiro o seu sobrenome, quer dizer, "brasileiro, profissão esperança". E, de voto em voto, expresso tácito, nulo, branco ( porque essas também são manifestações de "esperança", esperança de que protestando a coisa toma jeito), voto ininteligível de intenções de voto que não conseguiram traduzir-se em gestos de votos, dada a imperfeição dos garranchos ( mentira, os garranchos são sim perfeitos) que acabam por eleger o analfabetismo em primeiro turno, e com um invejável percentual de vantagem sobre os outros votos, ou sejam, os votos dos semi-analfabetos ( ou seriam semi-alfabetizados; será a mesma coisa?)…Mas, então, de voto em voto, o brasileiro reascende a secreta esperança ( muito mais secreta de que o próprio voto, que esse um conhece o do outro, já que todo mundo faz uma questão danada de "explicar" o seu voto, numa tentativa nula de parecer consciente para anular a esperança alheia. Complicado, não?) de subir ao "pódium" do primeiríssimo lugar. Não é todo eleitor que gosta de Jazz e Ballantine's, ou já ouviu falar de Bourbon Street; assim como nem todo brasileiro-eleitor aprecia a buchada como iguaria gastronômica; mas, ter colaborado com o processo democrático das eleições livres ( livres de muitas dificuldades) já é quase sinônimo de ser também um candidato e, o que é melhor, um candidato eleito. O nosso nome não é Enéas, não é FHC, não é ACM e nem IPC ou URV; o nosso nome, de agora em diante, é J.P.S. e S.D.B. - o nosso nome é "cult", de gente famosa e super dotada, é Jean-Paul Sartre e é Simone de Beauvoir. E por que não? Somos eleitores ecléticos. Tanto somos que até em meio a esse sincretismo religioso que nos é peculiar já fazemos, muito antes de qualquer eleição, promessas solenes, nos obrigando para com divindades várias, promessas que depois de cumpridas se tornam "ex-votos". Agora, tanto faz, tanto fez, a esperança "existencialista” de Havre confunde-se com "A Imaginação" e com "O Imaginário" do mestre francês - mestre do presidente, guru do presidente, que também gosta de salada verde com queijo roquefort. Afinal, quem se lembra daquele filme "Como era gostoso o meu francês"? Nele, os aborígenes, os ameríndios, os nativos do Brasil degustavam um saboroso espécime francês; pois, faz tempo somos "cult", do paladar ao … paladar! Faz tempo que deglutimos goela abaixo temperos exóticos, crendo, talvez, na aquisição de força hercúlia pelo consumo dos cérebros privilegiados; mas, já evoluídos não devoramos o inimigo, antes, o elegemos chefe da tribo, pajé da tribo, encantador de serpentes, para depois saboreá-lo aos poucos, de mandato em mandato. E, o melhor de tudo é essa sensação de que há um terceiro turno: o momento dos cento e quarenta e nove milhões de eleitores que somos votando dessa vez em nós mesmos, por extensão do voto anterior, este dado ao candidato. Explica-se: não somos cento e cinqüenta milhões, porque nem tudo é povo, e que não é já garantiu a sua vaga no concreto da esperança; nos outros ficamos ainda no vazio da esperança que é a última que mata. A certeza de que fizemos uma boa escolha, a convicção de que no terceiro mundo há um terceiro turno está mais intimamente vinculada à legenda suprapartidária dos magazines, quando cédulas cedem lugar a duplicatas mil, nas promoções da vida inteira. Aliás, quantas reencarnações serão necessárias para plena quitaçãos da felicidade à prazo? Pois, carnês são neste terceiro turno a única certeza do paraíso terrestre; e a panfletagem das lojas dão conta de toda sorte de liquidação. Compre, compre, compre tudo o que puder, e dê risada dos gringos norte-americanos, pensando que eles estão na pior porque o dólar esteve cotado a 0,82 centavos de real. Depois, converse com seu novo liqüidificador da última liquidação no atacado da sua incapacidade de consumir o que efetivamente necessita, pergunte ao microondas que estoura pipocas e os seus miolos ( se é que tem algum) porque e como os americanos do norte lutam na Coréia, lutam no Haiti lutam no Iraque e lutam … Aonde mais? Ora, seu eleitor-consumidor desse Brasil varonil, indague do seu micro-célebro eletrônico de penúltima geração ( os nossos japoneses são melhores que os brasileiros dos japoneses. Complicado, não?) por que é que os latinos são utilizados como personagens da bandidagens dos guetos nova-iorquinos, nas películas do Tio Sam, quase sempre consumidas pelos próprios latinos. Mas, sobretudo não perca a esperança, pois o verde, dizem, é "esperança" resta saber qual deles: o ecológico, aparentemente lógico, ou qualquer sinal de trânsito. No terceiro turno não haverá feriado. (Marcus Moreira Machado)

QUINTA-FEIRA, 21 DE JANEIRO DE 2010: "POÉTICA PATÉTICA"

Se o Brasil de hoje é sistematicamente achincalhado pela imprensa nacional e estrangeira houve tempo em que não somente um Ary Barroso rendia homenagens a este que, sem dúvida alguma, é um país singular pela miscigenação racial de seu povo e a conseqüente cultura marcada pela riqueza da diversidade, Já em 1888, Walt Whitman, o genial poeta norte-americano que tanto buscou exaltar a fraternidade democrática e a igualdade de raças, brindou-nos a todos nós brasileiros com os versos de sua "Saudação de Natal", oportunidade em que dá as boas-vindas àquele por ele considerado como um irmão, quando, então, para nós deseja "Que o futuro se haja sozinho, onde quer que surjam transtornos e obstáculos...", assegurando-nos que "Sobre ti nosso olhar paira esperançoso". Se de um lado fomos admirados por aquele que foi um dos mais vigorosos e originais poetas do século XIX, Whitman, justamente pelo nosso "...fim democrático, a aceitação e a fé...", também um outro bardo e prosador, esse nicaraguense e tido como renovador da poesia espanhola, de pseudônimo Ruben Dario, com muita graciosidade soube privilegiar a sedução das terras brasileiras, bem como a formosura da mulher nacional, reconhecendo que "Existe um país encantado/No qual as horas são tão belas/Que o tempo decorre calado/Sobre diamantes, sob estrelas...", onde "... a flor preferida/Para mim é Ana Margarida/Linda menina do Brasil". E tudo isso antes, bem antes da "Garota de Ipanema", de Vinícius e Tom, também ela "... Uma menina que vem e que passa... cheia de graça". Enaltecido outrora e agora, por que então essa pilhéria a encontrar na mofa uma explicação para um Brasil aviltado pela devassidão?! Já rimos demais da nossa própria desgraça! Ou, será que, à maneira de Drummond, precisamos indagar: "Como morre o homem, como começa a?/Sua morte é fome/que a si mesma come?/Morre a cada passo?". O pranto de carpideiras não devolverá vida a esse país agonizante, certamente. Mas, uma nação é feita de homens, e esses são feitos, naturalmente, de hombridade. Essa nobreza de caráter que no momento nos falta é a mesma que ainda poderá forjar uma nova geração, a maior esperança de um possível resgate da civilidade que perdemos. Assim como o poeta que celebrou as civilizações antigas e modernas, assim como Castro Alves, 'um esfomeado de justiça a entrever a Canaan que será o Brasil quando os homens deixarem de se entredevorar à maneira de feras famintas', urge clamar: "Ó pátria desperta... Não curves a fronte/que enxuga-te os prantos o Sol do Equador./Não miras na fímbria do vasto horizonte/A luz da alvorada de um dia melhor?" Porém, se a insanidade é atualmente o padrão de nossas existências, modificar o contexto que envergonha o país exige um aparato crítico norteado pelo discernimento e pela prudência. Cabe-nos, por isso, louvar aquela por quem "... as nações buscam a liberdade, entre clarões..."; resta-nos entoar um "Hino à Razão", como o fez Antero de Quental: "Razão, irmã do Amor e da Justiça, /Mais uma vez escuta a minha prece./É a voz de um coração que te apetece,/ Duma alma livre, só a ti submissa". O futuro deste país está na remissão de todo um passado esquecido. Uma nova progênie há que se formar a partir dos ensinamentos contidos naquele que por Victor Marie Hugo foi chamado de o "libertador" - o livro. Sobre ele disse o escritor francês: "Lá na altura ele está, como altivo condor:/Brilha. Porque ele brilha é que nos ilumina;/Destrói o cadafalso, a miséria, a chacina./Ele fala, e nos diz: - Nada de escravo ou pária." Nenhum líder devolverá ao Brasil a dignidade antes que um Platão, um Milton ou um Beccaria, Dante, e Corneille e Shakespeare impriman 'a alma imensa que tem' no caráter do povo, fazendo-o sentir-se 'igual a eles todos, altivo... meigo, austero e pensativo'. "Pois, no homem o saber é o que chega primeiro;/Depois a liberdade". Conclamar toda uma nação dispersa a lutar por direitos que ela nem sabe que tem... incitar uma nação que ainda desconhece a própria nacionalidade... É a mais evidente e oportunista mentira! Ensinar, dirigir a formação da nossa juventude preparando-a para a emancipação, é tarefa que a poucos interessa e que por muitos não é desejada. Devotos da falsidade, peregrinam país adentro os profetas da ignorância, disseminando suas burlas com a empáfia típica dos pábulos. "A Verdadeira e a Falsa Devoção". de Molière, são lembradas por 'Cleanto' ao advertir 'Orgonte': "Tu desejas, Orgonte, a cegueira geral,/E eu acho que ver bem não me faz nenhum mal./Julgas que duvidar de crenças simuladas/É um feio desrespeito às coisas mais sagradas./Meu modo de pensar não me põe em perigo:/O que digo eu bem sei e Deus sabe o que digo./Como é que escravizar-te assim tu consentes?/Há falsas devoções como há falsos valentes". Se lembrarmos que Jean Baptiste Poquelin Molière foi o maior poeta cômico do seu tempo, entre 1622-1673, inegavelmente entenderemos que temos muito pouco do que rir. E, com certeza, se não chorarmos, ao menos manteremos a sobriedade a todo o custo.
(Marcus Moreira Machado)

QUARTA-FEIRA, 20 DE JANEIRO DE 2010:"MISERÁVEL PAIXÃO"

Segundo Platão, a alma, que emana das esferas superiores, se localiza na matéria afim de impor a esta a lei da razão. No estado atual do mundo, entretanto, a alma platônica, em lugar de se mostrar consciente do seu destino e da sua alta origem, deixou-se de tal modo impregnar pelas inclinações e incitações da vida dos sentidos que o “Eu ”físico a absorveu, submetendo-a inteiramente às suas exigências inferiores. O homem chama razão à força central do ser individual; mas, no dizer de Mefistófeles, o homem só dela se serve para se revelar ainda mais bestial que a fera. A força política e a vontade de poder têm hoje sido desenvolvidas com o propósito de regulamentar um gigantesco mecanismo de egoísmo e monstruosa covardia. Não se respeita um só direito individual, desses, que influindo como verdadeiras forças morais criadoras, se projetam no meio social como elementos de equilíbrio do conjunto, e representam o papel de agentes de refinamento das condições de vida coletiva. O que vemos imperar é o princípio do isolamento, deslocado do todo, longe de agir como fator de ligação coletiva, de unidade superior. A satisfação dos apetites de vingança entregam, assim, homens públicos aos instintos de luta brutais, verdadeiros espartanos que são. Descortina-se um espetáculo de dilaceramento de paixões, insufladas e atiçadas umas contra as outras. Presume-se dos estadista um indivíduo que, totalizando os valores do seu tempo, faz da sua vida uma unidade de tal modo dependente das outras unidades concorrentes do conjunto social, que cada uma delas nele se completa, a despeito de suas características particulares. A destreza política, por sua vez, é precisamente aquela que concilia na sua ação coordenadora, na sua aspiração para a unidade, o maior número de antíteses. No plano dessa terrível força de diferenciação, que cada um de nós traz dentro de si, como o irredutível do nosso próprio egoísmo, é que é chamado a operar o homem de Estado. Os empreendimentos de ordem política não se realizam com o concurso de índoles vulgares, de aventureiros dominados de ambições imediatas. A política exige do indivíduo que a serve uma alta dose de espírito de sacrifício. As responsabilidades do poder, delas não nos desempenhamos sem a renúncia a vários bens e vantagens, que tornam agradável a existência do homem particular. O que no momento observamos, nas campanhas plebiscitárias, são políticos sucumbirem ao frenesi e às convulsões das suas paixões pessoais, quando tudo é devastado pelo instinto cruel da revanche que os arrebata. Todos, exacerbados, exibem, com perfeita candura, as riquezas colossais dos seus tesouros de boas intenções para a elevação moral do Brasil. O Ocidente atingiu, não há dúvida, uma concepção impessoal do governo, que é exercido por homens normais, como um instrumento de justiça e de prosperidade coletiva. No entanto, o Brasil ainda entende como governo um aparelho de opressão do indivíduo contra o indivíduo. Portanto. Pode-se delinear o supremo orgulho que alguns políticos tem em ser brasileiro. Seu nacionalismo se traduz bem vivo no modo como acolhem todas as iniciativas estrangeiras. Pretendem introduzir em nosso país uma mentalidade de Primeiro Mundo, desprezando o contexto sócio-político econômico nacional. As tecnologias do Primeiro Mundo, por exemplo, que aplicamos às nossas indústrias, já vêm todas elas aperfeiçoadas, assim como os capitais que aqui investimos são fruto de gerações mais habituadas à economia nos gastos do que nós, e dispostas a deles receberem um juro muito mais baixo do que aquele que praticamos com o nosso dinheiro. A influência do fator econômico no progresso da nacionalidade e no bem estar físico e moral do povo é inquestionável. E o esforço que a classe política nacional terá de desenvolver nesse sentido independe, no momento, de sistemas e formas de governo. (Marcus Moreira Machado)

TERÇA-FEIRA, 19 DE JANEIRO DE 2010: "PALAVRA OBEDIENTE"

Presidente de todo o país...! Presidentes de conselhos, presidentes de associações, presidentes de sociedades...! Em meu nome e em nome dos meus concidadãos, eu vos saúdo! Não fossem as vossas lideranças... e o que seria de nós, pobres miseráveis, sem índole e sem estirpe!! Em vós, todos buscamos a segurança que nos falta em nossa estúpida e banal existência! Fizestes de nossas vidas o progresso e a evolução da própria raça humana...! Somos gratos! Quando nenhum de nós sabia como organizar uma pelada de várzea, quem se nos apresenta, magnificente, senhor das mais originais idéias de planejamento? Quem?! Vós, ó todo-poderoso presidente da Associação de Artilheiros e Similares do Esmaga-Sapo!! Diante da vizinhança aturdida querendo estruturar a coleta de lixo domiciliar, não sois vós o responsável pelo Conselho Pró-Vizinhos Higiênicos?! Do qual, questão de honra, vos fizemos o Presidente vitalício?! Em nossa insignificância, desconhecíamos a mais-valia e, por isso, não entendíamos por que o trabalho duro nunca trouxera a merecida recompensa. E não foi, por acaso, a vossa perspicácia política que nos convenceu da utilidade de uma classe trabalhadora sindicalizada? Não foi - num segundo acaso - a vossa abnegação o único motivo de em vós termos o Presidente do Sindicato dos Trabalhadores Desempregados?! isso quando ninguém, mas ninguém mesmo o queria ser. Presidentes de Banco Central... Presidentes das Torcidas do Contra... Vós sereis reverenciados sempre com o "P" maiúsculo, ainda que incorreto gramaticalmente. Pois, a Gramática terá, daqui para a frente, um Presidente, ou melhor, dois presidentes - um o de honra! Vós, ó vice-Presidentes... Haverá o dia em que todos se curvarão, em reverência, às vossas passagens. Porque todo Presidente de Alguma Coisa já foi, antes, vice-Presidente de Outra Coisa. É de vice-presidência em presidência-vice que se chega definitiva e triunfalmente à Presidente de Tantas Coisas Nós, humildes governados, confiamos nos Presidentes de Todas as Coisas ao Mesmo Tempo. Somente eles acumularam tanta sabedoria assim para nos guiarem. Reconhecemos o quão bom e salutar é vos obedecer, Presidente-interino da vice-presidência de Gabinete do Presidente. Não chegastes aí sem a rara e peculiar obstinação dos vocacionados e virtuosos. Governados pela sapiência, imparcialidade, e pelo salomônico senso de justiça de que vossa vontade está imbuída, temos como certa a equanimidade a guiar-nos pelas ruas, pelos bairros, pelas cidades afora, por este país privilegiado, inigualável, sempre na boa medida dos ex-Presidentes que não tardarão a ser novamente Presidentes. De fato e de direito, por direito de sucessivos fatos, fatalmente o direito fático devolverá o trono que vos foi usurpado!! E vós, presidenciáveis, já mereceis o nosso respeito, pois o querer ser um Presidente já é bastante demonstração de intimidade com o poder e, por isso mesmo, garantido aspirante a toda e qualquer presidência. Como e por quem seríamos governados, não fosseis vós a palavra que governa?!! Temos em vossa palavra a ressonância da nossa própria palavra de governado. Se um dia pretendermos ser também Presidente, o faremos com a experiência acumulada no presidencialismo das escolas primárias das nossas infâncias, com base no saber inegável do Chefe-presidencialista das secções e das subsecções dos departamentos nas diretorias presidencialistas. Presidir é muito mais que existir, é tarefa dos deuses, mister sobrehumano só desempenhado por Presidentes! Até nos presídios se preside! Ideologias em todo o mundo nunca por um minuto sequer prescindiram a exigência de alguém a presidir, mesmo que para tanto escolherem chanceleres, primeiros-ministros ou ditadores. Pura questão de ordem! E sem direito a aparte, porque isso é coisa de colegiado, sem a graça e a força de real presidência. E assim, para o bem do povo e felicidade geral dos Presidentes, eu prometo cumprir tudo o que por eles me for determinado. Palavra de governado!
(Marcus Moreira Machado)

SEGUNDA-FEIRA, 18 DE JANEIRO DE 2010: "RECENTEMENTE, RETICENTE"

Operários e levantes estudantis paravam, em 1968, na França, o país do Marechal De Gaulle. A década dos anos 60, caracterizada em seu início por uma retomada do crescimento econômico a nível internacional, estimulava nos brasileiros uma maior percepção para identificarem o enorme contraste entre a formidável pobreza nacional e a opulência localizada e restrita a poucos outros países. As exigências de transformação se faziam, também, pelo uso da violência. Ainda em 1968, era assassinado, nos Estados Unidos, Robert Kennedy, sugerindo a ascensão daquele que futuramente seria conhecido como o homem do escândalo de Watergate, Richard Nixon. É também nesse ano que um jovem baiano, Caetano Veloso, assume o seu devido lugar na música popular brasileira, sendo inicialmente vaiado, para, em 1972, trajando uma jardineira e com um saco de palha a tiracolo, de retorno ao Rio de Janeiro, de onde saíra para o exílio em 1969, oferecer "um dos mais extraordinários shows dos últimos tempos no Brasil", assistido por uma imensa legião - os "caetanistas" -, e dando origem a um novo vocabulário, repleto de expressões do tipo "curtição", "barato", "bicho" e "desbundar". À época, apologistas do autoritarismo recorrem a uma inconsistente "política de integração", como fundamento para a implementação de vultosos empreendimentos, justificando-os pela alegria necessidade de estabelecer vias de comunicação dentro de regiões isoladas, e delas para os "centros dinâmicos do país". Apelam mesmo à interpretação do Professor de Direito e Sociólogo francês Jacques Lambert sobre a estrutura social dos países latino-americanos; são citados "A América Latina" - uma análise das estruturas sociais e políticas do México, Brasil, Venezuela e Colômbia, entendidos como "quatro países retalhos pelo dualismo social" - e "Os Dois Brasis", com destaque para reprodução, no país, dos contrastes verificados no mundo, encontrando-se aspectos que "lembram os de Los Angeles ou Chicago" e os que fazem recordar os da Índia ou do Egito. Numa enquête sobre a exploração da mão-de-obra infantil, a UNESCO, indignada, denunciava, em 1973, a surpreendente existência de mais de 40 milhões de menores de 14 anos utilizados como trabalhadores em fábricas, na agricultura, em pequenas indústrias, em oficinas de artesanatos, em hotéis, restaurantes e lojas, ou como vendedores ambulantes. A América Latina com a Ásia, África e o Oriente Médio, é apontada como região onde crianças exploradas como mão-de-obra são às vezes vendidas como domésticas, sob o disfarce de adoção. E enquanto nos EUA crescia a crítica antimilitarista, satirizada em MASH, por Robert Altman, e denuncia-se o absurdo da guerra do Vietnã, no Brasil a pornochanchada dava o tom de uma cultura enfraquecida e com apoio governamental, sujeitando talentos promissores ao auto-exílio, ao passo que, por denúncia de um ex-comunista, os órgãos de segurança detinham um grupo de velhos militares considerados, então, subversivos. O ato Institucional número 5 já completara quatro anos de idade, e o ministro da Fazenda, Antonio Delfim Neto, advertira os americanos contra riscos, ainda que pequenos, de uma política protecionista, proclamando que mesmo países de pequeno significado econômico poderiam atingir setores sensíveis da economia americana. 1973, apontado como o ano de grandes decisões, seria o da sucessão do presidente militar Emílio Garrastazu Médici. Sob o seu governo, instituído após breve período de ministros militares no exercício temporário da presidência, e que se impôs como tarefa " o restabelecimento da democracia", era morto Carlos Marighella, ex-deputado federal e, junto com o Capitão Carlos Lamarca, destacado líder subversivo. A indicação de Médici pelo alto Comando das Forças Armadas para assumir a presidência da República, justamente com o almirante Augusto Rademaker na vice-presidência, anunciara a sua disposição de restaurar a democracia, promover o progresso e a liberdade e reformar as instituições econômicas, sociais e políticas. À época, instituíra-se o "Fundo para a Namíbia" que, tendo recebido mais de nove milhões de dólares, serviria, em parte, para financiar o Instituto das Nações Unidas para a Namíbia, a ser fundado em Lusaka, em 1976, para formar futuros administradores daquela nação. E, no Brasil, a remuneração do capital (o lucro) das empresas elétricas era considerada maior, em 40%, que a dos Estados Unidos, apontando-se, dentre as dez sociedades que maiores lucros apresentaram em 1970, as Centrais Elétricas de São Paulo, a Light, Furnas e Hidrelétrica do São Francisco; criticava-se a ausência de reinvestimento no setor energético e, em contrapartida, a aplicação dos lucros astronômicos empresas em setores totalmente estranhos, com conseqüente aumento fabuloso no preço da energia para o consumidor. Bernardo Bertolucci, a exemplo de Pier Paolo Pasolini, embora menos mórbido, preocupava-se com as relações humanas na linguagem cinematográfica, e, pela realização da película famosa, "Último Tango em Paris", de 1972, se tornaria mundialmente conhecido. O brasileiro Nélson Pereira dos Santos, opondo-se à estratégia dos altos financiamentos, procurava e encontrava uma nova linguagem para o cinema nacional através de "Azyllo Muito Louco" ou "O Amuleto de Ogum", não obstante preenchesse o cinema norte-americano a maior parte da programação restante, diante do estrangulamento do mercado brasileiro. Mais tarde, o já eclético compositor baiano, Caetano Veloso, afirmaria: "Será que nunca faremos senão confirmar / A incompetência da América Católica / Que sempre precisará de ridículos tiranos?" Parece que foi ontem: o Brasil e no mundo o bem e o mal confundiam-se sob o mesmo lema da democracia. (Marcus Moreira Machado)

QUARTA-FEIRA, 27 DE JANEIRO DE 2010: "LASCÍVIA"

Ela diz que é para eu esperar um sinal. Eu, encabulado, faço de conta que não é comigo. Mas, diante da minha hesitação e depois de ter aguardado tempo razoável, mesmo assim me agradece, formulando um convite sensual para que eu volte. E eu. . . Arre! Não sei distinguir aquele calafrio que percorre o meu corpo - se é medo, se é vergonha, se é excitação. Só me lembro da inquietação e do arrependimento por ter me comportado de forma tão juvenil, deixando escapar aquela rara oportunidade em que um homem de meia-idade é fragorosamente cortejado como se o tempo o tornasse mais desejável que na vigorosa juventude. À noite, em casa, era impossível fixar a atenção no mais simples noticiário de TV ouvir pelo rádio uma canção qualquer; tudo me escapava aos sentidos, estes inteiramente dominados pelo torpor da sensação quase indescritível que - como nas antigas fotonovelas -me fazia levitar, Inútil procura dormir, o sono não vinha; nem fome; nem sede, o apetite cedera lugar ao êxtase. A voz insinuante estava ali, presente em meus ouvidos, e convidando-me a imagens carregadas de uma tonalidade idílica. Definitivamente, eu deixara de ser um respeitável senhor. Agora, presa dos mais disparatados arroubos, somente vistos nos adolescentes não maculados pelo pudor, o cidadão circunspecto, cumpridor intransigente dos elementares a que estamos todos sujeitos com passar dos anos e com forjar do condicionamento social, este cidadão já nem mais existia; dele apenas o jeito antiquando de se vestir, o bigode sempre apagado, e a maneira contida de responder aos acenos e cumprimentos no dia-a-dia e no vai e vem entre a casa e o trabalho, entre o escritório e o lar. Adiando um novo encontro, procurei a resgatar a sobriedade típica aos chefes-de-família, pretendendo aceitar os fatos como um breve episódio que por passageiro, me devolveria a serenidade conquistada na férrea disciplina conveniente aos da minha posição, um lídimo representante dos bem-sucedidos no seio da sociedade, um honrado membro da comunidade local. Porém, a idéia de uma aventura a romper com a placidez do meu conforto, a sugestão de uma experiência incomum aos anos seguidos de abstinência aos prazeres mundanos, atormentavam-me o espírito, em desassossego inevitável. O receio de que a minha conduta pudesse revelar o meu íntimo segredo obrigou-me, de início, a dissimular preocupação com o orçamento doméstico, a inventar indignação com a economia do país e com a fome no mundo; mais tarde, sem que eu me desse conta, o mau humor era visível e, incontrolável, aos filhos e á esposa eu respondia asperamente, chegando mesmo a insultá-los, para o seu grande espanto. Aconselharam-me a procurar um médico, um especialista, diziam; seria stress, muito serviço, precisava relaxar. E o único relaxamento que ocupava o meu imaginário era o de me permitir aceitar o convite daquela voz macia, lânguida, que, em poucos segundos, modificava toda a minha calma existência, tornando-me um homem ávido de prazer, sequioso do amor de uma mulher desconhecida, porém, generosa e impudica. Forçado a manter guardando à sete chaves o sentimento que me transtornava, o suor frio me cobria o corpo, as palavras me escapavam, trêmulo, quase sem raciocínio. Mais um pouco e certamente uma síncope faria de mim uma outra vítima de súbita parada cardíaca. Algo tinha que ser feito; eu que admitisse ser de carne e osso, e que, como qualquer mortal, também tinha esse direito. Por que não? Eu não fôra um bom marido, um pai dedicado, um filho exemplar? Uma inusitada paixão poderia despertar o ódio nas pessoas que me admiravam? E eu? Não merecia, também ser feliz, mais feliz ? E não havia quem, sem nunca ter me visto antes, sem nada pedir e com muito a oferecer, se declarava, amável, solícita, sem se importar com o futuro? Refletí. A decisão estava tomada: custasse o que custasse, eu me libertaria do jugo a que estivera submetido sem a menor piedade de ninguém. Esperar a meia-noite foi a única cautela. Saí à rua, caminhei dois longos e extenuantes quilômetros, quando, enfim, com o coração disparado e as pernas trêmulas, pude perceber a sua presença. Ali, imóvel, como da primeira vez, ela sussurrava aos meus ouvidos: "introduza o seu cartão magnético. . . digite a sua senha. . . obrigado, volte sempre". (Marcus Moreira Machado)

DOMINGO, 17 DE JANEIRO DE 2010: "PODER É QUERER PODER"

A mágica, misticismo e o ritualismo são ainda hoje as fundamentais características do que erroneamente denomina-se "religião". Da mesma maneira que o alquimista esteve impregnado de magia, buscando no fantástico as explicações para os fenômenos químicos, também o homem contemporâneo, sem ao menos cuidar da sociologia e da psicologia com a atenção merecida enquanto ciências que são, despreza a origem dos fenômenos psíquicos tão flagrantes nas vidas dos verdadeiros líderes religiosos. E, evitando a auto-identificação como procura do Deus imanente no homem, o que de fato temos promovido é a nossa rendição aos temores próprios da infantil superstição. As teofanias, por exemplo, são uma demonstração veemente do psiquismo presente naqueles assim considerados como "profetas" da humanidade. Moisés, ao divisar a chama ardente numa sarça que não se consumia, acreditou ter lhe sido confiada a missão de desagravar um grande mal que pairava sobre os filhos de Israel; por apelo divino, apercebeu-se destinado a minorar o sofrimento de seu povo. Quem mais tem se ocupado em estudar com seriedade tais "fenômenos" na atualidade é, sem dúvida, a doutrina Kardecista que, não sendo propriamente uma religião, pode servir de manancial para todo o mundo religioso. O sectarismo religioso é, no entanto, algo fadado a desaparecer num futuro próximo, pois como já se observou "… O pedantismo satisfeito da sapiência e a confiança de beatos ignorantes, têm-se unido para revelar cada religião á luz de seu pensamento próprio. Em lugar de inquirir entre si, a fim de encontrar expressões mais profundas, têm elas permanecido fechadas e isentas de fertilização." E, agora, o que mais se verifica é o intercâmbio de idéias, com o decorrente acréscimo de conhecimento no tocante aos fenômenos pertinentes aos sentimentos e às reações humanas. Desacreditadas, as instituições religiosas exigem uma reformulação de seus próprios princípios, num esforço para enaltecer a vida dos homens. O sobrenatural cede lugar à experiência religiosa, onde a maior consideração é para com significado mais amplo das relações humanas, tornando possível ao homem ajustar-se meio em que vive. Fala-se aqui de um despertador da consciência que, aos olhos de Guizot, é a faculdade que o homem tem de completar seu íntimo, assistir à própria existência, ser, por assim dizer, espectador de si próprio. Há, certamente, enorme relutância por parte da igreja institucional em aceitar que a revelação do evangelho cristão é a de um poder interior ao homem, para a iluminação e transformação de sua vida. O poder que ao homem é negado não tem outro objetivo senão o de assegurar a eficácia de um sistema restrito á dominação pela manipulação daquilo que se imagina ser o sobrenatural, mas que pode e deve ser estudado cientificamente. Aliás, não por um mero acaso "político" e "religião" confundem-se através dos tempos. Da mesma maneira como o "político" quer submeter pela ignorância, o "religioso" presente limitar pela omissão. E, obviamente, não se pode esperar da desinteligência outra determinação que não seja a do ignóbil exercício desses podres poderes. Um substancial projeto ético, a estabelecer relações maduras dos homens entre si e com Deus, somente será viável quando os espíritos adquirem a grandeza para compreender a personalidade. Compreender a alma humana requer auxílio da ciência, pois que, por se complexa, … se não tivesse diferentes modos de sentir, se as grandes desgraças não fossem uma refundição, um transfiguramento completo dela, o homem seria a negação do "Criador", como bem observou Camilo Castelo Branco. Restituir ao homem o seu poder de criação é negar um Deus antropomorfo para admitir a probabilidade de Deus no próprio homem. E nenhuma confusão há de ser feita entre essa disposição e uma pretensa onisciência a guiar/nos em supremacia da raça humana no universo. Afinal, por religião entende/se muito mais "religatio" - a ação de atar de unir - , do que "relictio"- o abandono, o desamparo. Pois, a verdadeira "eclesia" se faz na conotação entre o poder de criação resgatado e a habilidade no seu desenvolvimento, ou, como preferiram os homens denominar - Deus. A vida é especial, porém não uma "especialidade" como hoje o são os vários ramos do saber. Unificar, em vigorosa síntese, a filosofia, a política, a ciência…é vislumbrar a possibilidade de uma Religião superior, esclarecida e esclarecedora. Assim, conceber essa Religião depende do esforço do homem, procurando instituir a harmonia em suas íntimas e profundas relações com o próprio meio. Muito tempo se passou desde que nós - ainda povos selvagens - constituímos "classes sociais" reduzidas à fórmula simples do sacerdócio ou "poder espiritual". A sociedade humana, agora organizada, depende da Religião como condição essencial à vida coletiva. Não é crível que os meios pelo homem criados para aumentar o seu bem-estar, notadamente os que lhe dão mais força ou segurança, sejam os mesmos utilizados para privilegiar podres,poderes afim de dominar pelo sacrifício. Já é chegado o momento de sabermos o que pode a religião fazer em prol do indivíduo. (Marcus Moreira Machado)

SÁBADO, 16 DE JANEIRO DE 2010: "PORCA MISÉRIA!"

"A gente não quer só comida…" Mas, nem comida a gente tem mais. "A gente quer diversão…" E a maior diversão do brasileiro hoje em dia é poder comer um danoninho que vale por um bifinho, quando é possível fazer a tal da "compra de mês", que agora é comprada do bimestre ou do trimestre. É até bonito de ver…! a criança toda fazendo a maior festa quando chega a perua do supermercado! Que nem precisa ser supermercado mesmo, porque tudo aqui virou super. Por exemplo, já vi mercearia ostentando no letreiro: "Supermercadinho São Judas Tadeu". Pode ?! Pode sim. E pode ainda muito mais. Pode virar antropófago sem o querer ser, comendo gato por lebre nos supermercados alternativos, ou de segunda mão, ou brechó de alimentação, ou pechincha, ou ainda e definitivamente "lixões", como é mais conhecido pelos habituais fregueses. Aliás, nem sempre tão habituais assim, porque vez ou outra um filé de seio contaminado põe fim nesses glutões inveterados (ou, nessa altura dos acontecimentos, já seriam invertebrados?). Dia desses, procurando encurtar caminho num cruzamento super, híper congestionado lá de Sampa, eu me aventurei a caminhar por debaixo de um viaduto. O que lá eu vi me causou espécie: gatos, muitos gatos, gatos em profusão! Percebi que era tudo intencional. Em tendas improvisadas, ninhadas do dito felino faziam parte da esdrúxula criação. Isso mesmo! Os fazendeiros do asfalto contam com dezenas de centenas de cabeças… de gato! Um cantor popular já lamentou essa "vida de gato" do zé-povinho. E eu aqui, imaginando se aquela criação toda destinava-se a fornecer peles para os tamboris de alguma escola de samba do 1° grupo. Mas, caí na real. Com o advento do acrílico, pele de gato já não tinha nenhuma unidade real de valor. Então, aqueles pecuaristas tinham o "gado" para o seu próprio consumo. Antes isso, ponderei. Pior é viver (ou morrer?) nos sarcófagos da mega miséria. Quem sabe não matar dois coelhos com uma só cajadada? Com incentivo à arrecadação de I.C.M.S., seria possível a qualquer governo sério exterminar os males da fome e da escassez de moradia (às vezes conhecido por "déficit habitacional"). Construindo viadutos populares, implantaria-se o subsídio à produção de carne de "felídeos", e de quebra estaria resolvido o dilema da reforma agrária, assentando os colonos "sem-terra". Isso para não falar da inegável medida sanitarista conseqüente, isto é, os gatos comeriam os ratos que costumam roer a roupa do rei de ro… Se o brasileiro é tão criativo como dizem os gringos, por que não se adaptar ao meio? O que falta é só o meio. Assim, poderíamos ler nos "out-doors" mensagens didático-pedagógicas do tipo "Tente, invente, faça um governo diferente". E, mais outro crucial problema nacional - o da educação (ou o da falta dela?) - estaria também sanado. Pois, com a proliferação de oficinas pedagógicas pelo país afora, uma versão moderna do método "Paulo Freire" seria responsável por campanhas de alfabetização através de "educadores de rua", permanentemente nas ruas, co-habitando com o seu "corpo discente", debaixo dos viadutos, tudo sob a orientação das mais modernas técnicas nutricionistas do terceiro milênio do quinto mundo. O PIB - o nível da Porcaria Ingerida pelo Brasileiro - fatalmente seria eliminado, proporcionando ao país o equilíbrio em sua balança-gangorra comercial, quando um come dois outros morrem de fome. Como sempre foi e sempre será impossível agradar a gregos e troianos, a tucanos e moicanos, nada mais razoável que a instituição de um governo de mão dupla, onde esquerda e direita respeitassem o semáforo no vermelho-sangue do estandarte apocalíptico da porca miséria nacional. Quem sabe se encerrasse, dessa maneira, a mania tresloucada de para- frasear aquele curioso filme "Como era gostoso o meu francês", e a necrofagia deixasse de ser a gastronomia de tantos brasileiros. Não faz mal que a gente continue a escrever "caussa jins", pois afinal a norma culta sempre esteve submissa aos "neologismos". O que não dá mais para aguentar é cadáver sendo chamado de "presunto", babaca otário alcunhado de "laranja", e a gente a se devorar, virando "mortadela". Em "A Revolução dos bichos", os porcos assumem o comando da "fazenda", após revolta da bicharada; e, absurdamente, adotam modelo igual, ou até pior, de governo, conforme o e seus antecessores, os humanos. Cá entre nós o destino quer imitar a ficção, e a "porcaria" (ou "vara", que é a manada de porcos, se assim preferirem) insiste em deixar de "comer criancinhas" para abocanhar o poder, com promessas de alimentação farta, conforme anunciada pela amostra grátis de pãozinho, distribuída no agreste nordestino pelo "padim ciço" travestido de Prestes empunhando o seu pavilhão vermelho "como o sangue de Jesus", e com a "estrela guia" a apontar para Brasília o norte da política "redentora" das "massas" acefálicas. E, nem ordem nem progresso, entre nós o que hoje fala mais alto é o "autismo" do "O homem que virou suco", servido de bandeja aos abutres da carnificina nacional, às hienas da nossa porca miséria, que riem à espreita do moribundo. (Marcus Moreira Machado)

SEXTA-FEIRA, 15 DE JANEIRO DE 2010: "PRANTO"

Se é para chorar eu não desperdiço lágrimas: me arrepio todo e, passional como um latino autêntico, mergulho em pranto com “Perhaps Love”, no vozeirão hispânico de Plácido Domingo , mui bem temperado com veludo country do sussurro romântico de John Denver. E, por mais que queira dar ouvidos à mensagem da “folhinha”, advertindo-me com brandura - “Não se apegue ao passado. O importante é de agora em diante” -, eu sei é que Piazzola me faz lembrar uma outra época de um outro lugar onde jamais estive; “Adios Nonino” é comovente “Verano Porteño” faz de mim um estrangeiro, quase que à maneira de um Camus; o bandoneon do argentino enleva minh’alma, assim mesmo, com direito à apóstrofo parnasiano sem modernismo algum, mais Bilac que Raul Bopp. Misantropo, ou quase isso tenho alguma aversão ao lugar-comum vulgar e erroneamente denominado “sociedade”. Essa paúra ,esse desespero de gentes hostis, essa maldade reinante...isso tudo jamais me faria chorar. Sou mesmo um sentimental e acho isso bastante natural, porém, sou avesso às lágrimas de crocodilo desse bicho-homem, besta-fera que quis inventar um mundo difícil e cruel só para justificar a piedade e a justiça; ora, não haverá nada mais justo que a exata noção de equilíbrio, de harmonia, atributo que da divina criação parece apenas humano ser não mais conservar. Não faz muito tempo, quase que êxtase, ao som magnífico das belíssimas canções Andrew Lloyd Webber, eu exclamava ao meu irmão, músico por sinal: não há outra genialidade comparável à dos músicos...esse poder de contágio, essa gratuidade no convencimento...a linguagem que rompe os limites dos discursos a da retórica política da simples sobrevivência para alçar vôo à infinitude da existência. É disso que o mundo precisa, eu disse. A vida em plenitude é toda a essência revelada em poesia.,aliás Drummond confessara ter procurado nos versos o rítmo que não conseguira na música, por falta de vocação, talvez. E o que é o verso senão cadência , harmonia, em ruptura à inércia do sentimento não experimentado ? Stravinsky compõe, de certa forma, versos em sua exótica melodia “A Sagração da Primavera”, quando, em harmonia constrangedora e com ritmos violentos, retrata pela música meio dissonante um sacrifício humano para celebrar a renovação da Terra. Nele moços e moças dançam, jovens como a primavera, para no fim um deles morrer. Igor Stravinsky tem esse dom, a ambigüidade do poeta que pela música enlouquece, mas também é capaz de erguer o ouvinte aos céus. Quando Alfonsin assumiu o poder na argentina, eu chorei. Mas não chorei apenas porque me comoveram as lágrimas das “locas da plaza de maio”, as mães do desaparecidos durante o governo militar daquele país. Chorei por que a notícia foi dada ao som de “Dont” cry for me Argentina”, do Webber. Naquele dia eu não era mais brasileiro ou portenho ou latino, somente eu ganhava nova identidade, um cidadão do mundo, com lenço e documento - um passaporte para a viagem do espírito peregrino. No entanto, por quem os sinos dobram nesse miserável cotidiano de tribos urbanas ? Por que esse lamento, essa lamúria pelo leite derramado ? Afinal numa terra em que se plantando tudo dá, por que deixar a erva daninha vingar dona desse imenso latifúndio ? Eu até gostaria de ser mais sensível aos males que afligem essa página de sangue do livro em que escreve o história do Brasil, ou melhor, que retratam a triste condição de alienados - na mais pura acepção da palavra - em que se tornou a imensa maioria dos brasileiros; contudo, já não sou mais capaz da lidar com os mesmíssimos problemas de quando,eu ainda eu adolescente, era chamado “um revoltado”.Não é a maturidade propriamente dita, pois que se fosse isso eu seria agora forçado a concluir que, ao contrário de mim, muita gente voltou à puberdade, entendida essa como aquela fase em que todos são revoltados. Ou hoje a grita não é geral ? Ou hoje quarentões ou cincoentões não se queixam de tudo e todos, resumindo um país exclusivamente pelo que ele tem de ruim ? O masoquismo, esse sim já não me convém; o altruísmo e o estoicismo , esses sim já não fazem mas parte de minha ideologia, se é que ainda tenho uma, se é que mundo necessita verdadeiramente de alguma . Se não canto - por não apropriado - Zé Rodrix , e nem penso mais em carneiros e cabras solenes em meu jardim, definitivamente eu sempre acreditei na mágica força das artes. Não por menos, Cândido Portinari retratara o flagelo das secas nordestinas muito antes da instituição de uma equivocada SUDENE; e na música, o forró, o baião, o maxixe, de um excepcional Gonzagão choraram na sanfona a miséria e o sofrimento do seu povo. Se é para chorar eu choro ao som sincero e comovente dos músicos e dos artistas, sempre pioneiros em antecipar o sentimento maior da solidariedade, a ela consagrando a sinfonia que merece. (Marcus Moreira Machado)

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

QUINTA-FEIRA, 14 DE JANEIRO: "ESPELHO"

Atribuem a Vissarionovich Djugatchvili (Josef Stalin) a autoria da frase:
"A morte de um indivíduo é uma tragédia para a humanidade; a morte de milhões não passa de estatística". O ditador pretendera, assim, "justificar" o genocídio resultante de sua prática política.
Para mim, verdade é que a 'humanidade' em cada um só é possível pela identificação dessa mesma 'humanidade' presente no outro.
Por efeito, um pouco de nós se vai, sempre que a morte leva consigo esse "espelho", deixando-nos sem os nossos próprios "reflexos".
(Marcus Moreira Machado)