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sábado, 31 de outubro de 2009

DOMINGO, 29 DE NOVEMBRO DE 2009: "DEMÊNCIA, A VEEMÊNCIA DA PERSONALIDADE"

O século XIX foi a época de maior desenvolvimento da terapêutica da loucura. Aliás, uma verdadeira revolução teórica . Após a hegemonia secular de um organicismo hipotético ou até metafísico, surge uma nova concepção sobre a natureza e a causa da loucura. Quanto à natureza, ela é, essencialmente, um desarranjo duradouro do discurso e dos atos, que não se ajusta à realidade circunstante, mas corresponde a idéias erradas sobre os eventos físicos ou sociais. Assim, a causa da loucura já não deve ser buscada em alguma presumida lesão estrutural ou funcional do encéfalo, mas na experiência do real. Essa experiência é entendida em dois sentidos: como processo de elaboração de idéias, a partir da percepção sensorial, e como exposição aos impactos afetivos da vida cotidiana, às paixões. A loucura tem como causa erros no conhecimento e resulta da formação de idéias erradas sobre as relações com as coisas ou com os outros. Advém de uma terepêutica reeducadora, que desapropriava um território secular da medicina, visto que todos os seus recursos pouco ou nada serviam para reeducar idéias e hábitos e para coibir vícios afetivos e passionais. Apesar do entusiasmo inicial, o “tratamento moral”, mal visto pela psiquiatria vigente e adulterado por aplicações inadequadas, durou poucas décadas e, desde a metade do século XIX, o velho organicismo recuperou sua hegemonia no pensamento e nas práticas da psiquiatria. Qualquer alusão a fenômenos psíquicos, a funções mentais e a qualquer enfoque psicológico era visto como especulação – coisa de “médicos filósofos”. As anomalias do discurso ou do comportamento eram apenas evidências de transtornos cerebrais. Dessa maneira, ao “tratamento moral” contrapôs-se triunfante o “tratamento físico”, destinado a provocar efeitos sobre o funcionamento do cérebro. A demorada observação do comportamento dos pacientes foi substituída pelo exame clínico. E, em vez de buscar correlações entre a história pessoal e a conduta anormal, passou-se a procurar, através da anatomia patológica, correlações entre os sintomas e as presumidas alterações no tecido cerebral. Na verdade o que se rejeitava era o papel causal da experiência na produção da loucura. Já entrado o século XX, uma correta "leitura" psiquiátrica dependia de uma anatomia-patológica que indicasse as lesões cerebrais da loucura, até então conjeturais. Os dados empíricos que o médico tem diante de si são, porém, apenas os sintomas, apenas a “forma clínica” da doença, ou seja, seu início, seu decurso e seu desfecho. Em meados do século XIX, grandes clínicos recomendavam que se considerassem, ao lado das eventuais lesões encefálicas, também as lesões à sensibilidade moral, às inclinações e pendores . Mas referiam-se às alterações emocionais enquanto resposta orgânica, antecipando a idéia de “ativação simpática”. . Esse objetivismo extremado da psiquiatria positivista começa a ser contestado nas primeiras décadas do século XX. Como efeito da difusão da fenomenologia e da teoria psicanalítica, a filosofia e a psicopatologia começam a interessar-se sistematicamente pela subjetividade. A natureza humana passa a ser procurada à margem das categorias da ciência, no homem concreto, do cotidiano, existencial. A subjetividade, antes rejeitada, adquire, no século XX, importância decisiva tanto na filosofia como nas inauguradas “ciências humanas”, notadamente na psicologia. O homem passa a ser visto como um “ser no mundo”, sujeito ou agente de processos afetivos; e não como um locus em que ocorrem doenças, ou como mero portador de distúrbios. O homem é, então, é pessoa dotada de auto-conhecimento, valores, afetos, desejos, e que reage de forma normal ou incomum aos eventos da vida. Na verdade, o termo “subjetividade” é a designação genérica para o universo da experiência pessoal; e implica processos cognitivos e afetivos, cujo estudo científico só então se iniciava. Em 1924,Freud escreveu: “(...) em outras palavras: a neurose não renega a realidade, mas apenas não quer saber dela; a psicose, porém, renega a realidade e tenta substituí-la”. Num primeiro momento, o 'eu' retira-se de uma realidade incompatível com as exigências instintivas do 'id' e, portanto, intolerável; em uma segunda etapa, tenta construir uma realidade substitutiva, mais conforme às pressões do id'. Portanto, o delírio, além de conter significados, exerce uma função defensiva, compensatória, a das tensões resultantes de conflitos anteriores, em solução fantasiosa, através de uma realidade substituta. É a compensação dos complexos.A própria dinâmica dos complexos tinha uma importância determinante nos sintomas: uma manifestação de algum processo mais primitivo, no plano existencial. Este processo é o da perda do contacto vital, instintivo, com a realidade. É o desligamento afetivo do fluxo temporal da vida, uma “anestesia afetiva”. A construção da personalidade será o desenvolvimento dessa relação existencial 'eu-mundo', preexistente a qualquer racionalidade. Esta idéia levará a nova visão da loucura: enquanto modo de estar no mundo, ela não é um modo errado, doentio, mas apenas um modo diverso de relação entre o homem e o mundo, muito mais que uma “patologia do psíquico”. Cada homem, portanto, enquanto 'ser' no mundo, apresenta, como constituição de base, uma certa proporção de cada um dos dois princípios vitais, que são, na verdade, graus de contacto vital com a realidade ambiente. Os sintomas da loucura apenas exprimem um modo peculiar de estar no mundo. Obviamente o conceito de vida aqui aludido implica movimento, mudança, progressão, identificação com o tempo que flui sempre para um futuro – no qual está sempre cada objetivo a dar sentido e destinação ao comportamento. Na falta desta vivência do tempo projetada para o futuro, o devir das coisas perde sentido, perde sua carga afetiva. O eu se desliga da vida, do fluxo vital. E então, como a razão não opera no vazio, na falta da realidade ambiente, surge um mundo imaginário, pobre, repetitivo e estereotipado. Através dele a vida psíquica sobrevive, degradada e empobrecida.Desse modo, depois de séculos, o delírio, essência da loucura, já não é a perda ou o extravio da razão: ele é a hegemonia da razão, liberta das conotações afetivas ou instintivas das idéias ou eventos -uma razão pura. Cada homem, ao nascer, enquanto um “ser no mundo”, começa a delimitar uma fronteira entre o que identifica como seu corpo, ou seu 'eu' , e o que lhe é estranho. Desvalorizadas a subjetividade do paciente e a indagação psiquiátrica sobre a vida afetiva dele, graças à presumida produtividade creditada à psiquiatria dita biológica, o louco-sujeito, e a loucura como modo do “ser no mundo”, são hoje assuntos da reflexão filosófica. A questão primacial é: o quanto do comportamento humano é produto das estruturas orgânicas e quanto ele resulta das experiências singulares de cada homem.
(Marcus Moreira Machado)

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

SÁBADO, 28 DE NOVEMBRO DE 2009: "CORPO OBEDIENTE"

A disciplina dos séculos XVII e XVIII é diferente de todo o tipo de massificação anteriormente aplicado; foge largamente dos princípios de escravização e de domesticidade das épocas clássicas; é uma utilização do corpo para determinados fins. Ela constrói corpos dóceis, submissos, altamente especializados e capazes de desempenhar inúmeras funções. A disciplina aumenta a força em termos econômicos e diminui a resistência que o corpo pode oferecer ao poder. Daí que o corpo tenha sido fonte de utilização econômica e só se torne força útil se, a um só tempo, é produtivo e submisso. No século XVIII, o corpo é descoberto enquanto fonte inesgotável de poder, enquanto máquina, sistema e disciplina. É simultaneamente dócil e frágil, algo possível de manipular e facilmente adestrável. Enfim, suscetível de dominação. Essa sujeição não é obtida só pelos instrumentos da violência ou da ideologia; pode muito bem ser direta, física, usar a força contra a força sem, todavia, ser violenta. Pode ser calculada, organizada de forma sutil, não fazer uso de armas nem do terror e, contudo, continuar a ser disciplina física. Os métodos que permitem o controle minucioso das operações do corpo, que realizam a sujeição constante das suas forças e lhe impõem uma relação de docilidade-utilidade, são as denominadas 'disciplinas'.Processos disciplinares já existiam nos conventos, nos exércitos, nas oficinas. Porém, só no decorrer dos séculos XVII e XVIII as disciplinas se tornam fórmulas gerais de dominação. Na historicidade das disciplinas, conforme Michel Foucault, é esse o momento do nascimento de uma arte do corpo humano, visando tanto o aumento das suas habilidades quanto a formação de uma relação que (no mesmo mecanismo) o torna mais obediente e útil. Constitui-se-se, então, uma política de coerções, consistente num trabalho sobre o corpo, na manipulação calculada dos seus elementos, dos seus gestos, dos seus comportamentos. O corpo humano entra em uma maquinaria de poder que o desarticula e o recompõe. A disciplina fabrica, assim, corpos submissos e exercitados -os chamados "corpos dóceis". Ela aumenta as forças do corpo para a utilidade funcional-econômica, como também diminui essas mesmas forças. É disciplina que dissocia o poder do corpo. Se faz dele, por um lado, uma "aptidão", uma "capacidade"; por outro lado, inverte a energia, a potência que disso poderia resultar. Dessa potência cria uma relação de sujeição estrita. A disciplina utilizará dois dispositivos para fazer valer o seu poder e autoridade: a arte das distribuições e a do controle da atividade. Distribui corretamente os indivíduos no espaço, visando a sua submissão, o contacto com os demais indivíduos, a troca de idéias e informações. Para tanto, utiliza diversas técnicas. É a construção de um tempo integralmente útil. É, ainda, o aprimoramento na decomposição dos gestos e dos movimentos, como maneira de ajustar o corpo a imperativos temporais.
(Marcus Moreira Machado)

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

SEXTA-FEIRA, 27 DE NOVEMBRO DE 2009: "LOUCURA E REVOLUÇÃO"

Identificar linguagem e realidade, querer que o símbolo se torne efetivo, ativo no plano da realidade, é pensamento mágico. E, também, pensamento poético, busca de anulação do tempo. A confusão entre criação, idéias típicas do sintoma e temas de uma tradição esotérica chega até nós pela corrente subterrânea da história; passa a ser um dos modos da tradição da ruptura.
Antonie Artaud se assume como representante dessa tradição. Reescreve uma história da literatura como história de escritores loucos, que culmina nele próprio. Artaud, depois tomar peiote , de ter uma crise e ser internado (novamente, registre-se), produziu textos literariamente superiores, pela força, ritmo e riqueza de imagens. Onde se pode ver como antagônicos, em muitos escritores, já em Artaud um componente psicótico, destrutivo, e um componente criador interagiam, alimentando um ao outro. Com "Van Gogh, o suicidado pela sociedade", poema em prosa, ele reitera que louco é o homem que a sociedade não quer ouvir, impedido de enunciar verdades intoleráveis. Compreendendo a crítica de Artaud, conclui-se que categorias como 'normalidade' e 'loucura', ou 'arte', 'sintoma e delírio', são falsas, se contrapostas. Essa perspectiva é defendida por Michel Foucault em "As Palavras e as Coisas", como também é característica do surrealismo. Ela consiste em pensar o delírio, tanto quanto o sonho e a criação poética, como meios de conhecimento. Assim como a linguagem científica abre campos de conhecimento, a linguagem não-instrumental, não-discursiva, abre outros campos de experiência do real. Entender o inconsciente como consciência não-discursiva auxilia no entendimento da modernidade. Permitindo a intervenção do inconsciente, Antonie Artaud rompe com o discursivo e com a sociedade, ou seja, com o 'discurso da sociedade'.O poeta e dramaturgo Artaud expressa a arte revolucionária, pela radicalidade da rebelião individual, e por sua crítica à realidade. Por isso deve-se entendê-lo como meio de conhecimento, e não apenas como algo a ser interpretado, como objeto do paradigma clínico ou de uma teoria literária. A inserção consciente de Artaud na tradição da ruptura acentua o caráter universal de sua contribuição, por mais que esta se tenha manifestado de modo particular, irredutível, a não permitir uma escola ou doutrina de seguidores, apesar da sua influência em tantos campos dessa modernidade. Influência no teatro, na poesia, na contracultura, na antipsiquiatria: universal por expressar contradições fundamentais entre o sujeito e o mundo que lhe é exterior, o imaginário e o real.
(Marcus Moreira Machado)

terça-feira, 27 de outubro de 2009

QUINTA-FEIRA, 26 DE NOVEMBRO DE 2009: "A LIBERDADE MORTA"

Herbert Marcuse, através de “Eros e Civilização”, faz um estudo sobre as teorias de Sigmund Freud e de Karl Marx. O filósofo Marcuse busca compreender como ocorrera o processo de civilização da humanidade. Conforme Freud, “a história do homem é a história da sua repressão. No caso, a repressão dos desejos de Eros e Thanatus é convertida em energia para o desenvolvimento da humanidade. O homem reprimido proporcionaria o progresso da civilização, pois sua energia é canalizada aos progressos da humanidade, na sua evolução social e intelectual. Assim sendo, por meio desta repressão seria encontrada a explicação da nossa existência, pois,“a cultura coage tanto a sua existência social como a biológica, não só partes do ser humano, mas também sua própria estrutura instintiva. Se tivessem liberdade de persistir seus objetivos naturais, os instintos básicos do homem seriam incompatíveis com toda a associação e preservação duradoura: destruiriam até aquilo a que se unem ou em que se conjugam”, afirma Marcuse. No entanto, o homem, para garantir a sua sobrevivência, influenciado pela cultura, necessita desviar os instintos animais de seus objetivos, transformando o homem animal, quer dizer, os “desejos suicidas” em 'ser humano'. É preciso negar sua liberdade para “civilizar-se”.Freud apresenta essa transformação do “princípio de prazer em princípio de realidade” descrevendo o inconsciente do homem como governado pelo princípio do prazer. E este é, a todo momento, controlado pelo consciente (o princípio da realidade). O princípio da realidade seria a mediação do ego (consciente) com o id (inconsciente) e o superego (cultura). O homem, pr meio do princípio de realidade, consegue controlar o do prazer, aprendendo a abandonar seus desejos momentâneos. Pela mediação do ego com o id e o superego, torna-se o homem, capaz de “examinar a realidade, a distinguir entre bom e mau, verdadeiro e falso, útil e prejudicial.Transforma-se num sujeito consciente, pensante, equipado para uma racionalidade que lhe é imposta de fora”. Se a civilização da sociedade provém da renúncia da felicidade, isso, então, por efeito, nos caracteriza como seres infelizes? Se o homem abre mão de sua liberdade, de sua felicidade, permutando-as com a civilização, a fim de garantir a sua sobrevivência... isso nos sinaliza para o pessimismo? Marcuse descreve ainda, na tentativa de reavaliar a maneira específica do comportamento da sociedade contemporânea, a “super-repressão sexual” exercida sobre o trabalho, transformando as energias reprimidas em esforço para o trabalho. O trabalho alienado, via de consequência; aquele que não traz satisfação nem alegria ou compensações; não é fonte de criação nem possibilidade de sublimação. Trabalho ascético da vida ascética.Trabalho super-reprimido que não protela nem substitui o prazer. Trabalho que tão-somente mata.A super-repressão se define em “produzir para consumir e consumir para produzir; sentir-se culpado, humilhado, diminuído quando não se produz o quanto e o que a sociedade estipula ”.Essa mudança da satisfação imediata para a satisfação adiada implica num quadro de alterações na estrutura de uma sociedade civilizada. A restrição do prazer proporciona a canalização das energias reprimidas para a produtividade, tornando o trabalho como uma atividade penosa, alienante e necessária à sua sobrevivência. O homem cada vez mais se sente incompleto. Marcuse escreve, ainda sobre o “princípio de rendimento”, explicando que o indivíduo, com sua insatisfação, faz do trabalho uma atividade lucrativa. Todavia, isso significa suporte ao capitalismo.Diante desta interpretação pode-se afirmar: através do princípio de rendimento se tem início o processo de exclusão, porque aqueles que não conseguirem acompanhar o ritmo nas exigências do mercado, serão excluídos, produzindo a pobreza e a miséria. Afinal, o controle do mercado acaba nas mãos de uma minoria, com o desemprego cada vez maior, com os indivíduos alienados de sua própria existência. Assim, percebe-se, o trabalho não é algo que liberta, mas sim uma atividade que domina. E, escravos, já não se sabe onde há liberdade.
(Marcus Moreira Machado)

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

QUARTA-FEIRA, 25 DE NOVEMBRO DE 2009: "UNIDIMENSIONAL"

Política e violência compreendem relação que se constitui tema central da cultura ocidental desde suas origens. Desde o tempo dos mitos gregos aos dias atuais, a pergunta se é lícito servir-se de meios violentos para alcançar certos objetivos políticos esteve sempre presente. Qualquer monumento, como lembra Benjamin, é sempre também um monumento da barbárie. Particularmente na esteira da idéia marxista de revolução ou de luta de classes, esse foi sempre um tema muito polêmico. Após as frustradas tentativas revolucionárias da década de 1920 na Europa e as terríveis experiências do stalinismo, do nazismo e do fascismo, a juventude, na esperança de reverter o refluxo da consciência e da vontade de renovação política, chamou a si a tarefa de transformação social, recolocando, uma vez mais na ordem do dia, o papel da violência nas transformações sociais. Dois grandes pensadores - Herbert Marcuse e Hannah Arendt - tomam partido nesse debate, um condenando e o outro defendendo a não-violência.As críticas de Marcuse à sociedade capitalista, em especial na obra "Eros e Civilização", de 1955, e em "O homem unidimensional", de 1964, fizeram eco aos movimentos estudantis de esquerda dos anos 1960. "O homem unidimensional" pode ser visto como uma análise das sociedades altamente industrializadas.Herbert Marcuse critica tanto os países comunistas quanto os capitalistas, por suas falhas no processo democrático: nenhum dos dois tipos de sociedade foi capaz de dar igualdade de condições para seus cidadãos.Ele argumentava que a sociedade industrial avançada criava falsas necessidades que integravam o indivíduo ao sistema de produção e de consumo. Comunicação de massas e cultura, publicidade, administração de empresas e modos de pensamento contemporâneos apenas reproduziriam o sistema existente e cuidariam para eliminar negatividade, críticas e oposição. O resultado, dizia, era um universo unidimensional de idéias e comportamento, no qual as verdadeiras aptidões para o pensamento crítico eram anuladas.Marcuse viveu para assistir e sentir os efeitos do que teorizou: tinha 70 anos quando eclodiu a Revolução Inesperada, a grande revolta estudantil de 1968, em praticamente todos os países do mundo.Por sua capacidade de se engajar seriamente e apoiar os estudantes que protestavam contra a guerra do Vietnã (1961-1974) e queriam mudar a sociedade e a política, o filósofo logo ficou conhecido como o "pai da nova esquerda", qualificação que ele mesmo não aceitava.
(Marcus Moreira Machado)

domingo, 25 de outubro de 2009

TERÇA-FEIRA, 24 DE NOVEMBRO DE 2009:"DO SABER E DO DIVINO"

Kant foi pioneiro na compreensão do homem de forma crítica, oferecendo uma resposta às reflexões de Pascal, destinada, assim, metafisicamente ao 'ser' do homem, contextualizando sua relação com o mundo e captando seus problemas fundamentais: "¿qué es este mundo ele hombre conoce? ¿Cómo es posible que el tal como es em su realidad concreta, pueda em geral conocer? ¿Cómo está el hombre em el mundo que así conoce, que es este mundo para él y él para el mundo?". Kant insistiu em que o espaço e o tempo são apenas as formas nas quais a visão humana 'daquilo que é', necessariamente se realiza; ou seja, não são constitutivos da natureza íntima do mundo e sim dos sentidos do indivíduo. O mundo é dado como uma aparência cuja existência e conexões só podem se realizar na experiência. A finitude e infinitude do espaço e do tempo não entram nessa aparência. A eternidade é algo bem diferente do infinito, exatamente como não é igual ao finito. Portanto, conclui-se pela possibilidade de uma conexão entre o homem e o eterno. A resposta kantiana a Pascal pode ser formulada nos seguintes termos: o que se aproxima de nós, a partir do mundo hostil e aterrorizador, o mistério do espaço e do tempo, é o mistério de nossa própria compreensão do mundo e o mistério de nosso próprio ser. “Tu pergunta ¿Que es el hombre? es, por tanto, um problema auténtico para el que tienes que buscar la solución". Em vez de construir uma nova casa no universo, ele deve conhecer-se a si mesmo. Bernhard Groethusyen, discípulo de Wilhelm Dilthey, fundador da história da antropologia filosófica, disse com razão, a propósito de Aristóteles, que, com ele, o homem deixa de ser problemático. Segundo Marías, em Aristóteles, o homem é definido pelo saber. É esta a dimensão essencial do ente humano. Aristóteles aprofundou-se estranhamente neste permanente e quotidiano mistério de que o homem conheça as coisas, de que estas passem, de certo modo, a estar nele embora ficando fora dele; e de que o homem, consoante sua expressão feliz, seja de algum modo as coisas mesmas. No saber, o homem encontra sua perfeição; e, portanto, na vida que consiste em saber, na que chama contemplativa ou teórica, acha-se a plena realidade do homem enquanto tal; seu exercício adequado e próprio. E isto é o que se entende por felicidade. A moral aristotélica, que é uma moral de perfeição, apresenta-se centrada no conceito de vida contemplativa, que é, ao mesmo tempo, a vida feliz e a virtude mais elevada. Mas o pleno saber, a vida contemplativa em sua autenticidade, que é a mais própria e verdadeiramente humana, é simultaneamente o tempo algo que excede o homem. O que é mais seu é concomitantemente algo alheio, possuído apenas parcialmente e como de empréstimo. Enfim, um valor divino. O homem, vivente mortal, uma coisa entre outras, participa, por sua capacidade contemplativa, de outro modo de ser mais alto, divinizado, cuja vida consiste na contemplação de si mesmo. Em certo sentido, pois, a posição do homem é intermédia: quando é plenamente homem, transcende a si próprio para penetrar no modo de ser do divino e assim imortalizar-se. A antropologia aristotélica culmina, desse modo, em uma referência ao divino: o próprio do homem é ser mais que homem.
(Marcus Moreira Machado)