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quinta-feira, 24 de setembro de 2009

TERÇA-FEIRA, 20 DE OUTUBRO DE 2009:"ENTIDADE MORAL"

Utopia do século XVIIII, com efeito, o indivíduo não pode ser superior ao Estado; também não pode ser subjugado a um conceito de igualdade humana que o suprime, como no comunismo. Porque a sua personalidade social não foi observada, no primeiro caso; e, no
segundo, não foi verificada a sua personalidade moral. Um e outro configuram o Estado revolucionista, mas nunca o evolucionista. Divergem ambos da concepção do “homem”.Verdade é que, no decorrer da história, são registrados acontecimentos que valorizam o homem como entidade moral. Avançando no tempo, desde a selvageria dos povos primários até a civilização, acompanhamos a evolução desse conceito como atributo indiscutível. Os atenienses, à época de Platão, deram todo o poder à assembléia do povo, em desprezo ao indivíduo, reservando, porém, o areópago para os experientes, os anciãos dignos; a história romana separa com clareza o indivíduo superior das classes e do clã, mas oferece à “romanidade” uma situação de privilégio, “humaniza-a”, e o povo romano aprende a estimar o individual através do direito privado –aparece o proprietário, usando e abusando de sua coisa, a pessoa se emancipa juridicamente da massa; com o Cristianismo, substituída foi a romanidade por humanidade, ignorando-se, contudo, a liberdade individual em si, considerada de pouco valor, identificada então pela alma, a Deus destinada como exclusivo objeto, restando, o Estado tendo por finalidade o próprio Estado, estabelecido um senso humanista de duvidoso caráter, aperfeiçoado pelas monarquias ditas cristãs. (Marcus Moreira Machado)

SEGUNDA-FEIRA, 19 DE OUTUBRO DE 2009:JUSNATURALISMO NA GÊNESE DO ESTADO DE DIREITO"

A livre expressão, principalmente pelo voto em todos os níveis, a organização pluripartidária, o respeito incondicional à dignidade humana, constituem alguns dos caracteres fundamentais do Estado de Direito, através do qual a faculdade de governar, sempre transitória, está legitimada pelo povo. O Estado de Direito pode ser entendido, por isso, como a ordem justa, identificada com a vontade geral. Essa vontade geral, via de conseqüência, somente pode ser observada no Estado democrático. Isso porque a autoridade, no regime democrático, tem a sua fonte na vontade dos cidadãos, identificando-se a vontade estatal com a vontade coletiva, nas co-respectivas manifestações. Porque a liberdade individual, ao constituir instrumentos e condições necessários ao exercício da própria autoridade, decorre ela mesma do regime democrático. A identificação entre as vontades do governante e dos governados é então o ideal do regime político corrente na democracia. Para a sua garantia de sobrevivência, impõe-se, por princípio, o reconhecimento das limitações jurídicas do exercício do poder, de maneira a impedir sejam os atos de governo incontrastáveis. Ora, todo poder, ainda que oriundo da vontade incontestável de um homem ou de um órgão, é naturalmente, limitado. Precisar, antes, a noção de “homem” importará em situá-lo, em compreendê-lo no Estado de Direito. E, evidentemente, não se trata do indivíduo solto, isolado, abstratamente soberano em uma sociedade dividida em indivíduos igualmente independentes. O homem é ser moral; não há uma coincidência real entre o homem sujeito de direito público e a pessoa física. Esta é elemento primário de direito; aquele, uma unidade social. Por unidade social do homem deveremos entender as tradições e os deveres que lhe pesam, alma coletiva em harmonia com alma individual, a criatura portadora de obrigações sociais, complexo espiritual que se tornará incompreensível fora da sociedade. Imperfeita a sua definição, surgem as profundas discordâncias a respeito dos seus direitos.O individualismo da Revolução Francesa, nesse aspecto, é um equivoco: não concebeu o homem real, que não é o indivíduo destacado do meio a que pertence. Também o comunismo marxista é um erro: não vislumbrou o homem real, que não é uma quantidade inexpressiva em um número inteiro, perdendo as características de individualidade inerentes à sua natureza, à dignidade do seu espírito. O individualismo é a metafísica da liberdade natural peculiar ao indivíduo soberano, expressada nas máximas: “o cidadão é rei em sua casa”; “o eleitor é soberano“; “o livre arbítrio na iniciativa econômica não reconhece nenhum limite”; “garanta o Estado, fornecedor de segurança, a ordem pública, que os indivíduos se encarregarão do resto”; “igualdade, liberdade, fraternidade”. O comunismo é a metafísica da coletivização dos bens, traduzida por seus aforismos: “a propriedade particular é uma violência”; “o produto do trabalho a todos cabe”; “não somente igualdade do ponto de partida (democracia), como no ponto de chegada (bolchevismo)”; “a história é uma luta de classes”; “Deus, uma invenção da classe dominadora”; “governo é tirania”. (Marcus Moreira Machado)

DOMINGO, 18 DE OUTUBRO DE 2009: "ESTADO: PLURALIDADE HISTÓRICA"

Com Locke nasce a idéia individualista do Direito Natural, assimilada pela Revolução Francesa. Em Puffendorf propugna-se o prosseguimento do racionalismo do século XVIII. Thomasius separa direito e moral, sendo considerado precursor de Kant. Conforme a sua doutrina, vê-se: na concepção integral, a derivação do direito em Deus; na absoluta autonomia do Direito Natural, a concordância de que o direito provinha da natureza ou, então, da Nação, (assim defendido pela escola histórica), ou do Estado, no entendimento dos positivistas. Neste prisma, percebe-se como a história dos povos oprimidos por estruturas estatais com governos organizados na defesa das minorias privilegiadas retrata diretamente as conseqüências desses posicionamentos. E confirma-se como de fácil verificação a variada dimensão da justiça e da injustiça, decorrente da experiência factual desses múltiplos conceitos, notadamente quando dirigimos o olhar para o fato de que a sociedade contemporânea encontra-se definitivamente em busca da justiça. Ora, Direito Natural assim não propugnar nem haverá de colocar-se em identificação com o bem e o justo coletivo, objetivos constantes dos imprescindíveis princípios políticos de Platão. Multiplicidade de conceituações, oriundas dos fundamentos do Direito Natural, na sua essência, são formuladas com relação ao Estado, ao longo da história. Para Del Vecchio inadequada é a concepção de Kant definindo o Estado como reunião de uma multidão de homens conviventes debaixo de leis jurídicas; vaga a de Hegel informando tratar-se o Estado da substância ética de si própria; e, de colorido materialista, insuficiente, a de Duguit concebendo o Estado como agrupamento humano fixado em território determinado, onde os mais fortes impõem a sua vontade aos mais fracos. Del Vecchio conceitua como sendo o próprio homem considerado “sub specie juris” o Estado, vez que este deve ser compreendido como a síntese dos direitos de todos.Diante da pluralidade de conceitos de Estado ao longo da história, conjugando a pormenorização das exponenciais, como preteritamente aqui exposta, com a abordagem genérica do conteúdo basilar do Direito Natural – que informou e informa a concepção de Estado- tem-se a tradução da efetiva necessidade em reconhecer conquistas históricas dos povos como fatos geradores de organizações políticas revolucionárias, cujo conceito funda-se na justiça daquilo que o é por natureza. (Marcus Moreira Machado)

SÁBADO, 17 DE OUTUBRO DE 2009: "A TUTELA DA COMUNIDADES NATURAIS"

Sem a apresentação de fatos, tornar-se-ia inócuo o tratamento dado por Stammler e Kelsen, principalmente, de cunho filosófico ao problema de conceituação do Estado correlacionado ao Direito Natural. Lembrando, pois, a abordagem de Aristóteles e Platão, é necessário destacar a suas idéias de Direito Natural no exame dos pressupostos jusnaturalistas, no conceito do Estado à luz da dicotomia contemporânea entre o Estado e o próprio Direito, decorrente do determinismo histórico, responsável pelo nascente materialismo jurídico. Porque é da afirmação desse materialismo jurídico a inexistência de qualquer resquício de Direito Natural, considerada a superposição entre o Estado de Fato e o Estado de Direito, com a conseqüente perda da autonomia do Direito. Ora, em contraposição a tal entendimento, temos o humanismo. E para tanto, cumpre ressaltar que a idéia de Direito Natural, diversamente do que se apregoa, remonta precipuamente a Platão, não sendo obra advinda com os tempos modernos; é idéia encontrada, aliás, com os próprios pré-socráticos. Via de conseqüência, o Direito Natural, contemporaneamente, deverá ser compreendido através das discussões e posições filosóficas iniciadas com os gregos, seguindo até a jurisprudência romana, e daí partindo para o Direito Ocidental.Estabelecido o critério da sucessão ideológica na conceituação do Estado e do Direito Natural, percebemos que para Leibnttz o Direito Natural é o que tutela e auxilia as comunidades naturais, identificadas seis modalidades dessa comunidade, nelas compreendidas as cidades e aldeias, o Estado, a Igreja, a comunidade internacional, e a cada uma delas atribuídas o seu particular Direito Natural.
(Marcus Moreira Machado)

SEXTA-FEIRA, 16 DE OUTUBRO DE 2009:"O JUSTO POR NATUREZA"

De extrema importância é destacar a direta intervenção do entendimento de Direito Natural, com início pelos gregos, na concepção do Estado, porque, na filosofia grega, Direito Natural e ordem jurídica, identificados entre si, estão voltados ao Estado ideal, cumprindo a justa posição entre o direito e a moral. Para Aristóteles, o Direito Natural é um método experimental possibilitando o discernimento, pela observação do mundo exterior, entre o justo e o injusto, em conformidade com a natureza. Para os estóicos, o Direito Natural racionalista é oposição ao de fundamentação metafísica observado na antiga tradição pré-socrática. Resta, por conseqüência, constatada a inserção desse entendimento do Direito Natural no contexto do cosmopolitismo estóico, informando outras dimensões ao Estado e ao próprio Direito como um todo. Ora, no contexto do pensamento jurídico ocidental contemporâneo, um dos princípios gerais de direito presentes é exatamente o Direito Natural. O Direito Natural, após o jusnaturalismo cosmológico pré-socrático, já integrado com a essência da natureza humana, através da filosofia aristotélica, mantém-se de certo modo fiel à doutrina platônica, na caracterização de conteúdo essencial da idéia do direito. De acordo com as circunstâncias históricas, as correntes jusnaturalistas impregnam a idéia de Estado, demonstrando o renovado e constante anseio de justiça da humanidade em buscar o que é justo por natureza. As mudanças sociais ocorridas a partir de 1648 provocaram novas tentativas de conceituação de Estado, sempre relacionadas com o Direito Natural; tal como Grotius defendendo a objetividade do Direito Natural; como Locke reafirmando o Direito Natural subjetivo; e até mesmo Spinoza, para quem o Direito Natural não é a expressão da razão e sim da força; ou em Puffendorf, enfatizando a distinção entre o Direito Natural e o Direito Positivo;Kant, por seu turno, subordina o Direito Natural à razão e à vontade, condicionando-o ao entendimento de liberdade individual como pressuposto formal; em Hegel, o idealismo objetivo extingue o Direito Natural; Rosseau apresenta a sua solução no encontro de uma forma de associação que tutele a pessoa e os bens de cada associado, através da qual, todos unidos, cada um obedeça, contudo, somente a si mesmo, conservando a anterior liberdade, fundamentando, dessa maneira, o contrato social.
(Marcus Moreira Machado)

terça-feira, 22 de setembro de 2009

QUINTA-FEIRA, 15 DE OUTURBRO DE 2009:"CONSCIÊNCIA CIENTÍFICA DA SUA DIMENSÃO SOCIAL"

É patente a necessidade de redefinir os “fundamentos epistemológicos” da ciência. Porque, na prática, ela está penetrada pelas normas, pelos valores e pelas ideologias de seu meio socio-cultural. E descobrir a importância desses fatores é sumamente importante para que os cientistas também se sintam responsáveis por aquilo que fazem. E isso só pode ocorrer através de um novo fundamento epistemológico para a categoria “ciência”, num reconhecimento, de um lado, da dimensão social da prática científica, e de outro, da necessidade de os cientistas tomarem consciência dessa dimensão. O que se postula, portanto, é o desenvolvimento de uma “epistemologia crítica”, suscetível de fornecer, de informar um fundamento prático para uma nova concepção do homem, em suas relações consigo mesmo e com a natureza, de maneira a escapar das tradições reducionistas, a fim de substituí-las por um enfoque coerente e global, buscando a tomada de consciência sobre a complexidade da sociedade humana e de seu meio ambiente natural, no reconhecimento, a final, da inegável ligação entre o pensamento e o fato, correlacionados, interagindo num processo amplo, afastado de aspectos isolados que não condizem com a evolução do homem em sua totalidade. Inserida nessa maior amplitude, nessa visão global própria à epistemologia crítica imprescindível à prática científica, é que deverão ser identificados os pressupostos jusnaturalistas do centro de Estado, desde a pesquisa relacionada às suas mais remotas concepções.A idéia de Estado, assim compreendida, comporta, na Idade Média, a existência de um Direito Natural de “origem divina”, ao qual toda a atividade humana, e conseqüentemente a do Estado, é subordinada; e a de um direito positivo criado por esse Estado, mas que também deve estar em harmonia com o Direito Natural, tendendo a realizar o bem público. A origem divina do Estado, nas concepções medievais, pois, reveste-se do elemento voluntarista, alheio ao intelectualismo greco-romano. Por conseguinte, o Estado, realidade empírica, corresponde ao plano da criação, é manifestação da vontade de Deus e instrumento de salvação. Decorrência, nota-se, do enquadramento do feudalismo, sucedendo o Estado universal romano, em nova fórmula de dominação econômica e política, a qual, mais adiante, seria objeto de supressão pela Revolução Francesa, através do individualismo. A esta tentativa, uma inegável conquista da liberdade humana, seguiram-se outras, mais tarde, denominadas invariavelmente “totalitárias”, responsáveis por novas concepções de Estado, com formas possivelmente idênticas, mas de diferente conteúdo, surgindo paralelamente à crescente conscientização de segmentos destacados da comunidade, principalmente
(Marcus Moreira Machado)

QUARTA-FEIRA,14 DE OUTUBRO DE 2009:"ESPÍRITO INÓCUO"

Marx Weber afirmava que ao limitar-se a liberdade da pesquisa e do ensino científico ainda pode ser salvo o princípio da neutralidade ética. E esse princípio salvaguardaria a honra e a dignidade do cientista, permitindo-lhe tomar certa distância relativamente aos objetivos imorais do meio dirigente. Nesse sentido, em semelhante situação, a ciência, uma vez livre de todo o sistema valorativo, poderia então assumir um papel desmistificador, tornando-se favorável ao progresso. Todavia, nas sociedades atuais, parece que o principal perigo social não provém tanto dos regimes autoritários ou tirânicos, como temia Max Weber, mas sim de um “vazio espiritual” crescente e generalizado. Diante das proclamações de que “Deus morreu” (Nietzsche) e de que “a verdade morreu” (Hilbert), e a última “profecia” do século XX, a de que “o homem está em vias de desaparecimento”, que é mero produto do “acaso”, não é “necessário”, por ser um simples “acidente” no mundo, pergunta-se: como preencher esse vazio?Parece que o preenchimento desse vazio está sendo tentado por uma “fé” no poder e no êxito da ciência realizada – a tecnologia -, uma ideologia do consumo, numa obsessão quase patológica pela eficácia dos meios. Isso tudo estreitamente ligado a uma profunda falta de interesse pelo problema da “racionalidade” e da “humanidade” dos objetivos. De tanto “racionalizar” os “meios”, o homem atual torna-se irracional quanto a seus “fins”. Nesta sua atitude, o que se pode notar é que, ante essa situação histórica, ou face a esse “clima espiritual”, não é possível crer que o princípio da neutralidade ética não possa desempenhar um papel profundamente mistificador de suporte ideológico desse tipo de sociedade.
(Marcus Moreira Machado)

TERÇA-FEIRA, 13 DE OUTUBRO DE 2009:"ÉTICA NEUTRA E PROGRESSO"

Verificamos que até o fim do século XIX uma das funções mais específicas da ciência era justamente a de proporcionar uma avaliação crítica da sociedade e da realidade. O critério dessa avaliação estava baseado em duas noções filosóficas: a da idéia de “ordem natural” e de “direitos naturais” do homem; e a idéia de “progresso”, permitindo uma atitude crítica da situação em que se encontravam a economia, a política e o direito, justamente em nome da “ordem” e do “progresso”. Ademais, essa idéias se apresentavam não só como críticas, mas também como “justificadoras”. Assim, a economia capitalista era considerada como a ordem econômica que melhor podia corresponder à natureza humana, sendo capaz de favorecer o mais rápido progresso. A partir do momento, porém, em que começaram a surgir resistências a essas idéias, os cientistas, sobretudo sociais, passaram a empreender um esforço formidável para eliminar das ciências todo e qualquer juízo de valor, a fim de reduzir as pesquisas sociais a uma pura descrição e explicação dos fatos concretos. Os conceitos problemáticos de “ordem natural” e de “progresso” não foram substituídos, até hoje, por outras categorias normativas. É o que se pode ilustrar, por exemplo, pelo recente positivismo lógico, ainda bem presente e atuante na formação “filosófica” dos cientistas contemporâneos. Com efeito, os adeptos da corrente neoempirista consideram todos os juízos de valor pura e simplesmente como expressões afetivas, desprovidas de toda e qualquer significação cognitiva. A filosofia viu-se reduzida à “filosofia da ciência” ou, mais precisamente, à lógica da ciência ou da linguagem científica, perdendo o seu papel de instrumento heurístico, deixando de ser crítica e orientadora. A ciência passou a ser a única forma de saber dotado de sentido: ela é interpretada como o estudo de certos fenômenos empiricamente observáveis, possibilitando o estabelecimento de certas regularidades entre os fenômenos e a extrapolação dessa possibilidade a outros tantos fenômenos. Toda avaliação relacionada às necessidades, aos sentimentos, às normas morais, é tachada de fundamentalmente irracional, desprovida de sentido e devendo ser rejeitada. Assim, a neutralidade ética da ciência passa a ser considerada como fator de progresso.
(Marcus Moreira Machado)