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sábado, 5 de setembro de 2009

QUARTA-FEIRA,10 DE SETEMBRO DE 2009:"ATOS"

Muito da vida é o pouco que fazemos por nós mesmos, ocupados que estamos em negá-la, sem ao menos nos dar conta dessa auto-traição. E se a percepção de conduta assim tão destrutiva é, por regra, ausente em cada um, a soma no alheamento tem por resultado frágil simulação de sensações. Mas, como tudo corre em direção sempre exclusiva, do sensacional ao emocional mal se vê o ilusionismo marcado de sentimento.
É neste, então, a morada nômade da mlgada humanidade sedentária. Amor, ódio, rancores, paixão... Criações, todos, de primitivos seres na longínqua jornada do decurso do tempo mais e mais veloz que a fantasia de se ir além. .
Transforma-se e não transmuta-se. Na formação constante, imagina-se transcendência. Contudo, nada ascende; senão, tão-somente confirma-se na descendência o decadente a multiplicar a singularidade, determinando padrão. Daí, toda a pré-concepção; por isso, o incerto na via do conceito, elaborando orgia póstuma a grandezas imensuráveis, carentes mesmo do valor exaltado enquanto norma individual rumo ao plural absolutamente ignorado.
Pensar isso, nisso raciocinar, é reter legitimidade ao mais aguçado sentimento: a angústia, ou a dor da angústia -aquela a abreviar minutos, reduzindo os segundos, devolvendo o homem a insignificância da sua permanência na vida.
À pequenez agigantamos olhar cerrado. como possível fosse na cegueira desenhar contornos. Entorno é, sim, limite, ao derredor na vizinhança.
Na solidão da reconhecida orfandade não se admite adoção, porque -crença-, será a visão reflexa da mater/paternidade não adquirida.
As minhas, as nossas faltas são, pois, a falta da identidade a tornar comum uma só voracidade: a que nos faz a todos devorar , em comunhão do flagelo já feito oração, substantiva e conjugada como adverbial, ao modo de todo ou qualquer tempo, porque atemporal a finitude oculta, encerrada na plataforma do inconsciente a fugir da superfície. (Marcus Moreira Machado)

segunda-feira, 31 de agosto de 2009

TERÇA-FEIRA, 9 DE SETEMBRO DE 2009:"DA ÉTICA"

A 'insatisfação', pelas limitações que ocasiona ao indivíduo, afronta o maior dos princípios da Ética -a harmonia do humano ser consigo mesmo e, por efeito, a imprescindibilidade de uma saudável relação da pessoa com a coletividade.Hoje, fala-se em Ética mais como 'especificidade', afastada por completo do 'gênero' que a comporta. Afinal, em qualquer dicionário, é sempre este o significado: 'ética' - "o relacionamento do homem para com Deus e a sociedade."Ainda que eu próprio acredite apenas nos deuses que respeitem o meu direito de inventá-los, eu os invento, em criação indispensável à minima compreensão do meu estar no mundo.
(Marcus Moreira Machado)

domingo, 30 de agosto de 2009

SÁBADO, 8 DE SETEMBRO DE 2009:"MIDAS E A MORTALHA"

'Proibida para maiores', a arte do 'vale tudo' não tem autoria apócrifa: sua autenticidade encontra-se na mentalidade espartana a nortear ainda hoje 'centuriões' adestrados para o genocídio. Com entrada franca apenas para 'menores', obviamente. Aprendizes de feiticeiro, movidos por 'complexo de Midas', encenamos a alquimia da vida eterna na terra, como reedição de 'faraós', 'czares' e 'césares' reinando sobre a própria incompetência e avareza. Cristãos ou não, judeus ou muçulmanos, invariavelmente iniciamos o 1º ato com a advertência: "O meu reino é esse mundo". E, ao cair o pano, acrescentamos: "Se a casa do pai tem várias moradas, essa é minha", sem dar conta de que a fantochada em cartaz reduz a títeres tão prosaicos 'artistas. A contemplação do mau caráter, em detrimento da força moral, já no século XIV era motivo de preocupação por parte de Giovanni Boccacio, um dos maiores nomes da literatura italiana, ao lado de Dante e Petrarca. Em o "Decamerão", escrito entre 1348 e 1353, obra que reflete a crise das concepções do mundo religioso, Boccacio, através de 'Elisa', uma das jovens refugiadas num local solitário para fugir à peste que assolava a Europa, critica esse asqueroso hábito, hoje tão em voga sob o manto (ou a mortalha?) da hipocrisia. (Marcus Moreira Machado)

SEGUNDA-FEIRA, 7 DE SETEMBRO DE 2009:"PRETEXTO E PROPÓSITO"

Mal iniciado este século, o retorno ao passado, no que ele representou de mais conservador, parece ser a meta de um futuro próximo. Retroceder ao tempo de um Estado soberano, formal e essencialmente burocrático, onde nação é mero pretexto e nunca um sincero propósito, tem sido habitual em nossos dias. No dizer de Medard Boss, "a verdadeira, a grande bomba atômica já estorou séculos atrás; falamos daquela bomba atômica espiritual, a qual começou a atomizar e pulverizar nosso mundo, quando as ciências naturais-analíticas declararam serem as coisas de nossa terra e de nosso céu um simples acúmulo de massas moleculares e de movimentos ondulatórios, e assim as destruíram como coisa que eram até então". Ao passo em que os avanços da tecnologia moderna deveriam propiciar um progresso generalizado e extensivo à toda população do planeta, exatamente o contrário é que mais corriqueiramente se verifica desde a expansão econômica advinda com a Revolução Industrial, demonstrando ser expressão da verdade a consideração de que "os meios pelo homem criados para aumentar seu bem-estar, notadamente os que lhe dão mais força ou segurança, são naturalmente aqueles que ele vai utilizar para se fazer mais forte na guerra, a fim de dominar ou tentar dominar os outros". Com efeito, justamente quando o aparato das ciências aplicadas atinge o seu maior estágio é que a humanidade se percebe totalmente desprotegida, vítima
-execravelmente- da miséria e da violência.
(Marcus Moreira Machado)

DOMINGO, 6 DE SETEMBRO DE 2009:"DESMESURA"

O homem, de tanto acreditar no que era capaz de fazer, muito pouco realmente fez de bom para si mesmo, esquecendo-se de sua necessária integração à natureza que paulatinamente vem buscando transformar. Marcados pela avareza - típico sinal de uma pretensa modernidade - deveríamos ouvir do pretérito o que de melhor ele teve. Assim, nunca é demais a advertência, ainda que simbólica, de um Dante Alighieri, em sua "A Comédia" (mais tarde chamada de "divina"): "Eles se hão de embater na eternidade:/Ressurgindo, uns terão as mãos fechadas, / Os outros de cabelo pouquidade./Por dar mal, por mal ter viram cerradas/Do céu as portas; penam nesta lida,/Com mágoas, que não podem ser contadas". O progresso não tem sido acompanhado de evolução, antes ele tem somente possibilitado uma suposta maturidade. As divergências de interpretações várias não estão mais subordinadas a um consenso inevitável; como uma necessidade do progresso, o que entre nós se instalou "o domínio sem controle do livre arbítrio". Sendo "as leis relativas á existência humana tão verdadeiras como as regentes de todos os outros aspectos da natureza", o seu desprezo tem acarretado o insuportável ônus de uma espetacular deterioração da sociedade humana. A teoria do eterno retorno, apregoada pelos nihilistas, não é de toda inaceitável: sem nenhum melhor critério, estamos a voltar à sucessão de episódios que, bem o sabemos, só fizeram difundir a negação da supremacia humana na terra. Essa insustentável leveza do ser já foi comparada à fragilidade da própria história que "é tão leve quanto a vida do indivíduo, insustentávelmente leve, leve como uma pluma, como uma poeira que vai desaparecer amanhã", na observação de Milan Kundera. A cada novo instante, mais submissos todos estamos, em severa subordinação à nossa surpreendente insignificância diante daquela que ainda hoje nos é de toda incompreensível - a mente humana. Buscando reduzir o assombro, projetamo-nos como deuses onipotentes, onipresentes e oniscientes, não percebendo que "todo querer não é outra coisa que uma procura de compensação, que um esforço visando sufocar o sentimento de inferioridade". E a sombra dessa projeção indica mais nada menos que o nosso reduzido tamanho e a nossa incapacidade para uma reflexão mais séria sobre a existência da humanidade e o seu destino a partir do livre arbítrio e suas nefastas conseqüências. Definitivamente, não somos felizes. Por que? Talvez, porque não é incorreta a assertiva "o coração tem razões que a própria razão desconhece". Porém, com uma imprescindível ressalva: não entendemos absolutamente nada de "coração", o que vale dizer - conhecemos o sistema solar, a via-láctea e muito mais, mas absurdamente, o universo interior de cada um de nós é um enigma jamais decifrado. É de considerar-se oportuna a advertência de Medard Boos: "As pessoas que mais temem a morte são sempre as mesmas que mais têm medo da vida, pois é sempre o viver da vida que desgasta e põe em perigo o estar-aí". Não vocacionado para a paz, o homem moderno quedou-se ao silêncio da omissão, um desventurado procurando a felicidade no desmesurado do qual fez o seu inviolável refúgio. Inapto para a vida em plenitude, o seu suicídio se opera de forma lenta e gradual, através de um vago mecanismo de defesa consistente na recusa sistemática daquilo que lhe é essencial - o amor, também este no mais amplo sentido a nortear a sua breve passagem por este mundo. Regredir é a conduta dos temerosos, de tantos quantos renunciam à vida em seu próprio nome.
(Marcus Moreira Machado)

SÁBADO, 5 DE SETEMBRO DE 2009:"IDIOSSINCRASIA"

Sôfrego, eu procuro a verdade nos antigos poetas alemães, nihilistas quase sempre, porém jamais intolerantes. É quando encontro num Wertheimer Von Krause, por exemplo, a esperada explicação para o sentimento universal traduzido pelos germânicos como 'Wille zur Macht', isto é, a afirmação do poder do "Eu". Pois, sob o pretexto refutável do estabelecimento de uma sinarquia, os sengos são forçados à convivência com a sorna da mais nova sóbole, grandiloqüente, porém nada mais que a aglutinação de somelgas sinagelásticos ocultando, em formidável simulacro, o destino de sinuelo reservado a tantos quantos obedeçam o seu sinistrismo. Impressionante!! O que não é capaz de fazer um homem obstinado com a falsa idéia da fama! Que fale agora Von Krause: "Spielzeug nicht geeignet für Kleinkinder unter 3 Jahren. Die Kleinteile könnten verschluckt oder eingeatmet werden". Afinal, as impressões álgicas multiformes - de compreensão, distensão, avulsão, ardor - são todas derivadas das chamadas sensibilidades profundas, motivo pelo qual as idéias dualistas de Goldscheider frutificaram em concepções que explicam a dor como sendo essencialmente uma reação talímica, produzida de vez em quando tardiamente na escala zoológica, compreendida entre os fenômenos afetivos e não entre as senso-percepções. Difícil o entendimento? Só para quem não conhece a profundidade do pensamento germânico contemporâneo, sem dúvida alguma a marcar toda a doutrina política da atualidade, tal a influência na Psicologia das massas, invariavelmente impregnadas de lúdicas estratégias do 'marketing'. Mas... já é hora de assumirmos novamente o quase sempre ingrato ofício de 'tradutor', e dar ciência à massa ignara (que também não sabe o que isso significa) da filosofia de um vago Wertheimer Von Krause, tão incerto quanto alegórico. Pois já não mais faz sentido a mensagem subliminar burlesca, o 'dito pelo não dito' que também nada disse. Se tanto lutamos pela emancipação do nosso povo, e pedimos 'diretas-já', e exigimos a deposição dos fraudulentos que conspurcavam a nação aviltada, se o nosso passado é de glórias, gloriosamente admitiremos a nossa ignorância, em primeiro e definitivo passo para o aperfeiçoamento moral do idioma luso-latino-franco-germânico-anglo-brasileiro-ianomâni, abolindo as fronteiras dos galicismos, anglicismos, e todos os demais 'ismos' que enodoam a cultura nacional de Pindorama. Assim falou Zaratrusta! E assim falou Von Krause: "Brinquedo não apto para menores de 3 anos. As peças pequenas poderiam ser ingeridas ou aspiradas". Agora, enobrecidos pela cultura popular do 'kinder over', já podemos respirar aliviados, todos bastante convictos de estar cumprindo, também, o honorável mister de distribuir gratuitamente a presunção característica da idiossincrasia bandeirante. E não se fala mais nisso! (Marcus Moreira Machado)

SEXTA-FEIRA, 4 DE SETEMBRO DE 2009:"ESTADO DELIRANTE"

Ao gosto dos mais eruditos, assim compara a expressão latina: "Nec solo nostro imperio milita re credimus, ilos, qui gladiis, clypeis, et thoracibus nituntur, sed etiam Advocatos: militant namque causarum patroni, que gloriosae vocis confisi munimine, laborantium spem, vitam, et posteros defendunt." Obviamente, como nem o Português ainda dominamos, e de cultura somos ainda mais pobres do que outras carestias várias, melhor mesmo é assumir a ignorância e identificar a fonte da latinada: "Dicionário de Latim Forense", de Amilcare Carletti. Trata-se de uma dessas obras com que determinados sujeitos gostam de usar e abusar com "adjetivo', pensando impressionar magistrados que se dão por felizes quando têm tempo de ler, em rebuscadas linhas de 'portugueis tupiniquim', as 'exordiais', os 'embargos infringentes' e aflitivos da montoeira enorme de processos e processos, e mais processos. Assim, como de médico e de louco, como de advogado e de tapado todo mundo tem um pouco... está na hora de termos, também, um pouco de tradutor e intérprete, e passar para o povaréu, que se impressiona com qualquer coisa - sempre que dita com ar professoral -, o significado da aguçada observação do filósofo (será mesmo?), autor das belas palavras, que são lindas justamente porque a sua beleza consiste no efeito, na impressão, muito mais que realmente pela expressão. Mas, vamos lá: "Não acreditamos que no nosso império militem somente aqueles que se tornam fortes (no manuseio) das espadas, nos escudos, nas coraças, mas também os advogados; porque militam os defensores das causas, os quais confiando no auxílio da palavra gloriosa, defendem a esperança dos atormentados, e a vida e a posteridade." Êta beleza! De posse de uma carteira da O. A. B., das prerrogativas do advogado (mais encontradiças no Estatuto da O. A. B.), e de um comentário em latim, como é o caso desse belo exemplar, qualquer um do povo poderá sentir-se convicto de estar cumprindo o honroso mister de distribuir... arrogância e prepotência. E daí? Quem não tem cão caça com gato, e quem não tem dinheiro gasta com poder. E é por esse e outros motivos semelhantes que eu sinto falta da Alice da minha infância pobre no interior do meu agreste e recôndito ser. No país da fantasia, estória era só o que a minha mãe me contava, parece que já antevendo o meu estado delirante, vítima de hipersinestesia, notívago e insone. Hoje, de olhos abertos, arregalados, minha vigília é para não crer em fábulas econômicas, em onomatopéias discursivas, em ideologias desvairadas de ilhas fantásticas. (Marcus Moreira Machado)

QUINTA-FEIRA, 3 DE SETEMBRO DE 2009:

Na China pós-revolução, já na década de 50, naquela que se convencionou denominar "proclamação do poder popular", pelos comunistas, havendo um só sistema de Corte, incluindo a Corte Militar, julgou-se, a princípio, dever ser eliminada a profissão de advogados. Segundo os revolucionários de então, seria a eliminação do sistema de advogados e não a eliminação dos advogados. Mas, em ressalva, preferiu-se distinguir os "advogados justos", procurando-se 'aproveitá-los ao máximo, na composição do novo governo'. À época, julgados os advogados 'que cometeram crimes', a formação do pessoal jurídico estabeleceu um corpo de conselheiros do povo, a quem cabia redigir documentos sobre demandas, fazer conferências em lugares públicos, 'esclarecendo o povo sobre os mais variados problemas jurídicos'. Se os chineses cogitaram sobre extinguir a advocacia como profissão, tendo em vista a corrupção como característica primeira dos advogados daqueles tempos, não foram, contudo, os primeiros a atribuirem a esses profissionais qualidades indesejáveis no exercício da atividade que, segundo Fiot de La Manche, "sem armas... doma a força; sem força arrosta a violência; sem violência reduz o fausto e a prepotência à modéstia e ao temor..." Muito antes, pretendia Napoleão cortar a língua a todo advogado. Pois, à esquerda e à direita, disputando o apoio dos grupos burgueses, aristocráticos e populares, os grandes condutores do movimento revolucionário que instalou a modernidade - a Revolução Francesa -, tinham em Mirabeau, Marat, Robespierre, Saint Just, homens de reconhecido saber jurídico, com é especificamente o exemplos de Danton, advogado, um dos fundadores do Clube dos Cordeliers e figura ímpar na cultura contemporânea, pelo brilho com que defendeu os ideais revolucionários da cidadania plena. Entretanto, entre nós brasileiros a advertência do mestre Ruy Barbosa, refletindo a possibilidade de instrumentalização da lei perante os embates entre ideologias que se defrontam, é de máxima conveniência. Reformador social, a um tempo homem de pensamento e ação, Ruy adverte: "Ora senhores bacharelandos, pesai bem que vos ides consagrar à lei num país onde a lei absolutamente não exprime o consentimento da maioria... ... num país onde, verdadeiramente, não há lei, não há moral, política ou juridicamente falando". A gravidade da consideração deste que foi no Brasil 'o primeiro a tratar da pedagogia como problema integral da cultura', a ponto de ter verificado que "... a chave misteriosa das desgraças que nos afligem é esta, e só esta: a ignorância popular, mãe da servilidade e da miséria...", é tratada, ao que parece, com sarcasmo pela voz popular. Não por outro motivo o bacharelado em Direito é objeto de escárnio na trova zombeteira: "Querendo Jesus Cristo/Castigar os infiéis/Deu ao Irã gafanhotos/E ao Brasil bacharéis". Se por advogado se entende aquele que intercede por alguém, patrocinando os interesses de outrem, e se por advogado temos como sinônimos, também, "padrinho" e "protetor", bastante razoável seria acatar-se a tese de que contemporaneamente a advocacia mais presente é a em causa própria, quando toda eloqüência não é mais que pretexto em dissimulada alicantina. Já o "Manual do Chicanista" glosava sobre a Ordem dos Advogado do Brasil, dizendo que tal instituição "existe para a defesa dos advogados", porém "dos advogados que estão de posse da Ordem". E acrescenta que não por mera coincidência são escolhidos para o preenchimento "quinto" constitucional (a inclusão de 'um quinto' de advogados e membros do Ministério Público na composição dos tribunais de justiça) exatamente, em geral, aqueles que fazem parte dos conselhos diretores das secções da OAB. Obviamente, exceções existem. Contudo, a regra parece contrariar Brieux, para quem os advogados deveriam ser anjos, porque a advocacia era profissão acima das possibilidades humanas, e que "quando se vive dos sofrimentos humanos, deve-se estar acima deles". E se Voltaire pretendia ser advogado, por crer que fosse essa a mais bela carreira humana, certamente ele jamais gostaria de o ser no Brasil, subordinado a uma 'autarquia' que, mesmo sendo o 'órgão de seleção disciplinar e defesa da classe', conforme definição legal, desrespeita a observância efetiva daquela que tem o nosso país como um do seus signatários - a "Declaração Universal dos Direitos do Homem". Pois, a Assembléia Geral das Nações Unidas, dentre elas o Brasil, procurando promover o respeito universal aos direitos e liberdades fundamentais do homem, assegurou, em seu Artigo 19: "Todo homem tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferências, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e idéias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras". François Marie Arouet, inteligência viva e espírito rebelde, tendo pregado o primado da razão sobre o preconceito, não viveu, porém, o suficiente para conhecer a Constituição de 1791, na França, onde co-existiam duas espécies de cidadãos - os ativos e os passivos, tendo direito a voto os primeiros, porque podiam pagar um imposto equivalente ao valor de três dias de trabalho. E, para a sua sorte, o sarcástico "Voltaire", jamais conheceria, no Brasil, dois tipos de advogados - os que tudo podem falar, porque monopolizam a "defesa" dos interesses da classe, e os que a tudo têm que silenciar, subjugados em sua cidadania. Fazer valer a máxima, eis a questão: "ADVOGADO, DEFENDA AS TUAS PRERROGATIVAS!".
(Marcus Moreira Machado)

QUARTA-FEIRA, 2 DE SETEMBRO DE 2009:"O ENREDO DA TRAGÉDIA"

Atualmente, o que mais estimado se faz, o mais honrado... o que é engrandecido com prêmios de alto valor, é exatamente aquele que diz mais palavras abomináveis, ou que pratica os atos mais vergonhosos. Isto é a grande, e digna de lástima, vergonha de nosso tempo; e constitui prova bastante convincente de que as virtudes, ao sumirem da terra que habitamos, abandonaram os míseros mortais na lama dos vícios". Não por menos, quase um milênio antes, o grego Diógenes, filósofo bastante admirado pelo Imperador Alexandre Magno, renunciando em extremo aos bens materiais o à ganância, de pronto respondeu ao monarca que lhe prometia dar qualquer coisa que desejasse: "Não me tires o que não me podes dar". Referia-se o maior vulto da Escola Cínica. Diógenes, à luz do sol, com a qual estava se aquecendo, uma vez que o imperador, à sua frente, fazia-lhe sombra. Preocupação dos grandes gênios na história da civilização humana, infelizmente a reflexão não parece ser ocupação da maioria de nós, todos bastante distraídos com o entretenimento da dissimulação. Pretender dons divinos, fingindo onipotência, onipresença e onisciência que não possui, é demonstração da estereotipia reducionista do homem na face do planeta Terra; com a diferença de que há causas aparentes para a repetição indefinidamente prolongada das atitudes que o tornam protagonista do seu próprio malogro. A causa maior, sem dúvida, não é falta de conhecimento e sim a ausência de Deus. Na apoteose da 'superioridade' da raça, a deificação do ser humano evitou a transcendência de fato, anterior a qualquer experiência, para garantir a supremacia do relativo. Agora, findo mais um 'ato', intérprete e personagem se confundem no enredo trágico do seu destino, num show que - já estou certo - vai continuar, porque insistimos, ainda, na pobre vocação para uma alma mambembe, afastada da magnanimidade e voltada para o egotropismo. Na coxia, alguém insiste que o show não pode parar. Ninguém o vê, mas todos o obedecem. (Marcus Moreira Machado)

TERÇA-FEIRA, 1 DE SETEMBRO DE 2009:'BÁRBAROS, AINDA"

Eu penso se toda a nossa vida não passa de um interminável ensaio para um show que nunca vai se realizar. Atores competentes, levamos a sério o ofício de representar a tragicomédia das nossas existências. E mesmo não passando quase sempre de figuração, acreditamos (ou queremos acreditar, seria o mais correto) que as nossas personagens devem merecer destaque, em reconhecimento à pretendida excelência de nossas interpretações. Isso para não falar de tantas vezes em que a pretensão é ainda maior, justificando sermos o dramaturgo, o diretor, o cenógrafo. o coreográfo, o contra-regras, e até, o seleto público da farsa nossa de cada dia. Restritos num conhecimento que não vai além dos limites do próprio umbigo, não obstante planejemos longas temporadas nesse que é verdadeiro teatro de horror e efeitos especiais - o supostamente complexo, e taxativamente leviano, jogo de seduções a que intitulamos moderna sociedade, somos, apenas, os 'doces bárbaros'; sofisticados, mas bárbaros. Com muita propriedade e aguçado espírito crítico, não errou Joseph Heller ao definir a hipocrisia numa única expressão: "Ninguém governa, todos representam". Embora comentasse o 'establishment' americano, o autor de "Ardil 22" e "Gold Vale Ouro", reúne algumas citações que valem como mostruário do valor (ou da falta dele) nas relações humanas. Extraído de um conto de Bernard Malamud, o comentário sobre a experiência judaica - "Se você, alguma vez esquecer que é judeu, um cristão logo tratará de lhe lembrar"- traduz o desprezo com que os homens se tratam. Nesse palco iluminado em que vivemos de 'doirado', o 'script' é o da fantasia fingindo ser realidade, o da realidade pretendendo o surrealismo, o encontro do passado e futuro na impossibilidade do presente. A sonoplastia revela apenas um longínquo som - a voz débil de uma consciência ainda mais. Porque, encenando a mesma peça, "A Sobrevivência e a Seleção das Espécies", há séculos e séculos ritualizamos o espetáculo da vida, condicionando-o a show de variedades atrozes. E matamos, e condenamos ao extermínio pela fome, ostentando em luz neon o cínico título de 'civilizados'...! (Marcus Moreira Machado)