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quarta-feira, 2 de julho de 2008

QUINTA-FEIRA, 3 DE JULHO DE 2008: "AMOR PENSANTE".

Lang, melhor que qualquer outro, discerniu a família neurótica -um apêndice enfermo de uma sociedade ainda mais doente. Ela, que deveria se prestar à estrutura pessoal de cada um dos seus membros, ao descumprir esse seu papel primordial, traz a desagregação como maior motivador da angústia.
Muito distante da sua origem, nem a urbanidade nem a cordialidade suprem a ausência do amor, uma característica marcante da família atual. Ser preterido das íntimas relações familiares é estar "marginal" e, consequentemente, angustiado.
As designações "pai", "filho", "irmão", "irmã", não são simples títulos honoríficos; ao contrário, implicam em sérios deveres recíprocos, perfeitamente definidos, como comenta Friedrich Engels acerca da família tribal na Índia e na América. E -acrescenta- se ocorreu o desenvolvimento de uma sociedade superior à família, isso foi devido somente ao fato de que a ela se incorporaram famílias profundamente alteradas.
A família como hoje a conhecemos não se baseia em condições naturais, mas sim nas econômicas, constituindo-se o ápice da propriedade privada a triunfar sobre a comum, primitiva. Por ser assim, é também 'a forma celular da sociedade civilizada, na qual encontra-se a natureza das contradições e dos antagonismos que atingem seu pleno desenvolvimento nessa mesma sociedade'.
Assumir nessa célula a "marginalidade" poderá ser a busca de uma identidade, fora dos restritos limites da família incapaz. Incapacidade, aliás, consequente de distorções próprias aos padrões morais que se sabe insustentáveis, contudo que 'menor risco' oferecem diante do comprometimento necessário ao ato de amar. Amar torna-se "perigoso", porque exige identificação pelas semelhanças e desprendimento pelas diferenças. Ainda mais quando 'amar' não é uma simples disposição do espírito, é, sim, a razão disposta a possibilitar a espiritualidade que lhe compete. Afinal, quem pensa ama. Ou deveria amar, se verdadeiramente pensa.(Marcus Moreira Machado)

terça-feira, 1 de julho de 2008

SÁBADO, 5 DE JULHO DE 2008: "VIGÍLIA".

Meus amados irmãos!! Você, que sofre de terríveis dores de cabeça! Você, que tem um parente que bebe! Você, que parece que não reza e que ainda acredita no poder do voto e nas cartilhas de cidadania! Caríssimos irmãos!! Não é pelas drogas, pelo sexo e pela luxúria, pela fornicação, que vocês encontrarão a paz!!! Seus corações têm alimentado o ódio e a inveja...! E somente conseguem a ruína da alma, a pobreza do espírito!!! Levantem as suas cabeças, meus queridos irmãos!! Ponham as mãos sobre o peito e agradeçam a derradeira oportunidade da salvação eterna!! Os bens materiais, toda a fortuna acumulada, de nada servem para a cura da alma aflita! O contrário, a avareza tem sido a causa da sua destruição! Você, que padece de mal que médico algum descobre a cura e, por isso, você continua com essa crônica dor de cotovelo...! Você, que fez de tudo para matar a sua mãe, o seu irmão... e herdar sozinho o patrimônio da família!!! Você, que procurou no poder dos homens a redenção! Irmão, nós oramos por você. Oramos pela idiotice dessa vida besta que você leva, se achando o maior, o melhor, acreditando-se o mais esperto, só porque não devolveu o troco recebido a mais na padaria! Irmãos, a cura está próxima...Nós libertaremos todos das garras do demônio que quer se apoderar das suas mentes, mesmo que vocês sejam o demônio em pessoa.
Aqueles que sofrem porque foram abandonados pela mulher , porque o marido fugiu com a sua melhor amiga... Aqueles que só pensam no suicídio dos outros e chegam à loucura por tanto tormento...Aqueles que sempre acreditam num Brasil melhor, país do futuro... Todos os que acreditaram no fim da inflação, e saíram em disparada a comprar, a comprar, a comprar... Vocês hoje também serão abençoados! A ira de nosso Deus veio para aplacar a fúria dos Bancos, a ganância das transnacionais!! E repatriar os lucros da usura para o inferno de onde ele vieram!! Nunca mais seremos escravos do capital internacional! E mesmo que o flagelo da fome vença de 10 a zero, o nosso amado Senhor nos libertará, provando a sua infinita capacidade de perdoar os carrascos da humanidade, conclamando-os a repartir suas riquezas com este país gigante que é o nosso!!!
Você, que está desesperançado, pessimista, com titica de galinha na cabeça... Pare de cacarejar igual a uma broaca velha!!! O poder da nossa oração lhe libertará. E você poderá obter a divina graça de enxergar mais de um palmo além de seu nariz! E você andará novamente de quatro, rastejando qual um réptil repuganante, tornando a ser o símio de sempre!
Humildade, irmãos! Humildade!! Porque o reino do céu está próximo, muito próximo ao da companheirada da classe operária que foi ao paraíso!!! Orai e vigiai! Vigiar e punir, punir e vigiar, eis a transformação que é a benção do ex-excluídos, já inclusos e obtusos!!!(Marcus Moreira Machado)

SEXTA-FEIRA, 4 DE JULHO DE 2008: "O SILÊNCIO DA OMISSÃO".

Sem critério algum, insistimos em voltar à sucessão de episódios que, bem sabemos, só fizeram difundir a negação da supremacia humana na terra. Essa insustentável leveza do ser já foi comparada à fragilidade da própria História, que "é tão leve quanto a vida do indivíduo, insustentavelmente leve, leve como uma pluma", na observação de Milan Kundera.
A cada novo instante, mais submissos todos estamos, em severa subordinação à nossa surpreendente insignificância diante daquela que, ainda hoje, se nos apresenta incompreensível: a mente humana. Buscando reduzir o assombro, projetamo-nos como deuses onipotentes, onipresentes e oniscientes, não percebendo que "todo querer não é outra coisa que uma procura de compensação, que um esforço visando sufocar o sentimento de inferioridade". E a sombra dessa projeção indica, nada mais, nada menos que o nosso reduzido tamanho e a nossa incapacidade para uma reflexão mais séria sobre a existência da humanidade e o seu destino a partir do livre arbítrio e suas nefastas consequências.
Definitivamente, não somos felizes. Por que!? Talvez porque, como na assertiva, "o coração tem razões que a própria razão desconhece". Com uma necessária ressalva: não entendemos abolutamente nada de "coração". O que vale dizer: conhecemos o sistema solar, a Via-Láctea, exploramos agora o solo de Marte... Mas, absurdamente, o 'universo interior' de cada um de nós é enigma jamais decifrado.
Oportuna, enfim, a advertência: "As pessoas que mais temem a morte são sempre as mesmas que mais têm medo da vida, pois é sempre o viver da vida que desgasta e põe em perigo o estar-aí".
Sem vocação para a paz, o homem contemporâneo quedou-se ao silêncio da omissão -um desventurado procurando a felicidade no desmesurado consumismo em que fez o seu inviolável refúgio. Inapto à vida plena, seu suicídio ocorre de forma lenta e gradual, através de um vago mecanismo de defesa, consistente na recusa sistemática daquilo que lhe é essencial, o amor, que, no mais amplo sentido, deveria nortear a sua breve passagem pelo mundo.Regredir é, pois, a conduta dos que temem a si próprios, de tantos quantos renunciam à vida em seu próprio nome. (Marcus Moreira Machado)

domingo, 29 de junho de 2008

QUARTA-FEIRA, 2 DE JULHO DE 2008: "SUBMISSÃO SUBLIMADA"

Presidentes, todos, por este imenso país! Presidentes de conselhos, presidentes de associações, presidentes de sociedades beneficentes ou não!! Em meu nome e em nome de meus concidadãos, eu vos saúdo! Não fossem as vossas lideranças e o quê seria de nós, pobres miseráveis, sem índole, sem estirpe?! Em vós buscamos a segurança que nos falta em nossa estúpida e banal existência! Convosco, eis a possibilidade de progresso em nossas vidas, de evolução da raça humana!! Por isto, somo gratos.
Quando nenhum de nós sabia organizar uma 'pelada' de várzea, quem se nos apresentou, magnificente, senhor das mais originais idéias sobre planejamento!? Quem!? Vós, ó todo poderoso Presidente da Associação de Artilheiros e Similares do Esmaga-Sapo!
Diante da vizinhança aturdida, querendo estruturar a coleta seletiva de lixo domiciliar, vós e mais ninguém o responsável pela criação do Conselho Pró-Vizinhos Higiênicos ! Do qual, merecidamente, vos escolhemos o digno presidente vitalício.
Em nossa peculiar insignificância, desconhecíamos a 'mais-valia' e, por isso, não entendíamos o porquê do trabalho duro nunca ter nos trazido a justa recompensa. E não foi por acaso a vossa perspicácia política que nos convenceu da utilidade de uma classe trabalhadora sindicalizada!? E, mais tarde, a funcionalidade de um partido de trabalhadores!? Não foi também vossa abnegação o exclusivo motivo de em vós termos o Presidente do Sindicato dos Trabalhadores Desempregados!?
Presidentes de 'Bancos Centrais' e/ou descentralizados, presidentes das Torcidas do Contra!!! Vós sereis reverenciados sempre com 'P' maiúsculo, ainda que gramaticalmente incorreto. Porque a Gramática terá, doravante, um 'Presidente'. Ou, melhor, dois: um será o Presidente de Honra.
Vós, vice-Presidentes, haverá o dia em que todos se curvarão em reverência às vossas passagens! Porque todo Presidente de Alguma Coisa já foi vice-Presidente de Uma Outra Coisa. E é de vice-Presidência em vice-Presidência que se chega definitiva e triunfalmente a Presidente de Tantas Coisas.
Nós, humildes governados, confiamos cegamente nos Presidentes de Todas as Coisas ao Mesmo Tempo. Somente eles souberam acumular tanta sabedoria para hoje nos guiarem.
Reconhecemos o quão salutar é vos obedecer, Presidente Interino da Vice-Presidência do Gabinete da Presidência! Afinal, não chegastes onde estais sem a rara obstinação dos vocacionados e virtuosos.
Governados pela sapiência, imparcialidade e salomônico senso de justiça de que vossa vontade está imbuída, temos como certa a equanimidade a nos governar -pelas ruas, pelos bairros, por cidades afora, por este país privilegiado, verdadeiro celeiro de ex-Presidentes que nunca tardam em ser novamente Presidentes. De fato e de direito, por direito de sucessivos fatos, fatalmente o direito fático ao trono vos conduzirá. E se em um dia qualquer quisermos ser também Presidente, o faremos através da experiência consolidada no Presidencialismo das escolas primária da nossa infância, onde já fomos Presidente do Grêmio Recreativo da Turma da Manhã.
Assim, para o bem do povo e felicidade geral dos Presidentes em geral, juramos cumprir quaisquer determinações Presidencialistas, por mais genéricas que sejam.(Marcus Moreira Machado)

TERÇA-FEIRA, 1 DE JULHO DE 2008: "LATÊNCIA".

Já no terceiro milênio e o retorno ao passado, no que ele representou de mais conservador, parece ser a meta de um futuro próximo. Retroceder ao tempo de um Estado soberano -formal e essencialmente burocrático- onde 'nação' é mero pretexto e nunca sincero propósito, tem sido habitualidade, contemporaneamente. No dizer de Boss, "a verdadeira, a grande bomba atômica já estourou séculos atrás; falamos daquela bomba atômica espiritual, a qual começou a atomizar e pulverizar nosso mundo, quando as ciências naturais-analíticas declararam as coisas de nossa terra e de nosso céu um simples acúmulo de massas moleculares e de movimentos ondulatórios; e assim as destruiram como coisas que eram até então".
Ao passo em que os avanços da tecnologia moderna deveriam propiciar um progresso generalizado e extensivo à toda população do planeta, exatamente o contrário é o que se verifica desde a expansão econômica advinda com a Revolução Industrial, demonstrando ser expressão da verdade o argumento de que os meios pelo homem criados para aumentar seu bem-estar, notadamente os que lhe dão mais força ou segurança, são naturalmente aqueles que ele vai utilizar para se fazer mais forte na guerra, a fim de dominar ou tentar dominar os outros. Com efeito, é justamente quando o aparato das ciências aplicadas atinge o seu maior estágio que então a humanidade se percebe totalmente desprotegida, vítima da miséria e da violência, próxima à aniquilação dos indivíduos uns aos outros, não mais exclusivamente em confrontos intenacionais, porém, até no seio das famílias (como outrora, num cenário em que a consanguinidade não era limite para o assassínio entre parentes).
O homem, de tanto acreditar no que era capaz de fazer, muito pouco realmente fez de bom a si mesmo, esquecendo-se de sua indispensável integração à natureza, a mesma que, paulatinamente, vem degradando. Marcados pela avareza (sinal típico de pretensa modernidade), deveríamos ouvir do pretérito o quê de melhor ele teve. Neste sentido, vale recordar a advertência de Dante Alighieri: "Eles se hão de combater na eternidade/Ressurgindo, uns terão as mãos fechadas/Os outros de cabelo pouquidade/Por dar mal, por mal ter viram cerradas/Do céu as portas; penam nesta lida/Com mágoas, que não podem ser contadas".
Não foram proféticas as palavras do autor de "A Comédia" (mais tarde chamada de "divina"). Antes, 'auscultaram' os 'ruídos' latentes na humanidade, reveladores da sua tragicomédia. (Marcus Moreira Machado)