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quinta-feira, 19 de junho de 2008

DOMINGO, 22 DE JUNHO DE 2008: "INSÂNIA".

Pré-potência é confinar-se no que 'pode vir a ser' mas não 'virá'; é perpetuar-se na latência do promissor postergado. Não é essa a minha vocação. Eu espero que discordem de mim, sempre. Mas não porque eu use cuecas, jamais porque eu desacate com o meu impudor a "Liga das Senhoras Católicas" (ou o quê restou dela), representada por uma imprensa banal e fofoqueira, a vasculhar escândalos nas rampas palacianas da mesma maneira como o faz com rampeiras de passarelas.
Eu prefiro ser totalmente desacreditado por toda uma 'nação', se ela der nota zero à espalhafatosa alegoria dos meus inebriantes discursos, e desclassificar o meu samba-enredo de "pé-quebrado".
Se presidente eu fosse (e não quero ser presidente nem de clube da esquina), logo renunciaria, imediatamente após a divulgação do pleito, somente para poder, em derradeira oportunidade, advertir os meus eleitores, avisando-lhes que eles são auto-governáveis, desde que saibam distinguir "archein" de "krátos". Quem sabe o Brasil ficasse curado de tanta insânia, a gerada na ficção política nacional. E, quem sabe, cessasse de imediato essa renitente ejaculação verbal precoce pelo país afora. E, quem sabe, quem sabe... o brasileiro ouvisse mais frequentemente a sua própria razão, que já nem sei se está irremediavelmente enclausurada em prosaicos atos libidinosos.
Enquanto não renuncio, porque também não me candidato (o povo está, sim, preparado para votar, só não está para renunciar), eu me cansei de 'não ouvir'. Vocês, contudo, façam-me apenas uma gentileza (afinal, vocês são deveras pródigos em gentilezas). Ouçam-me uma única vez: -Tchau e benção!(Marcus Moreira Machado)

quarta-feira, 18 de junho de 2008

SÁBADO, 21 DE JUNHO DE 2008: "TEMPO INCÔMODO".

Ou eu penso muito depressa ou tem gente que entende muito devagar. Prevalecendo a segunda hipótese, não errou, há 14 anos, Hans Donner, quando afirmou: "O Brasil fica louco por uma coisa que não exista".
Provavelmente, o renomado e global programador visual nem se deu conta da extensão de suas palavras, a traduzirem um comportamento muito mais abrangente, no sentido social e político, de próprio brasileiro. A observação de Donner valeu como método, ainda que empírico (mas nem por isso menos verdadeiro), de análise psicológica do povo destas plagas. (Um 'academicismo' impertinente insiste em chamar "povo" essa aglomeração de deslumbrados!).
Neste 'país' (olha aí outro desmesurado 'academicismo') é fácil, facílimo, ser bem dotado, ou até mesmo super dotado, considerando -muito mais que o empobrecimento- o emburrecimento sistemático a que estamos sempre mais e mais expostos. E não venham os imbecis de cátedra vincular a causa da nossa depauperada economia com a suposta e bastante questionável consequência de alienação e despolitização. Imunidade à idiotice institucionalizada adquire-se na na recusa em aceitar tal 'instituição'. É algo mais ou menos assim: cada um de nós poderia (ou poderá!?) readquirir a capacidade inata de pensar, se negando a ser mero e passivo receptor e, por efeito, fiel depositário das babaquices "jornalísticas"; e, então, reassumir a frequência de potente transmissor e gerador de idéias. Adaptar-se em simbiose parasitária às imposições de uma mídia monopolista é render-se à farsa da festa de "democracia", onde todos têm o sacrílego direito de discordar de tudo e de qualquer coisa. desde que não se ofereça nenhum perigo à estabilização da 'ordem cultural' vigente e vigorosa (com o vigor do tradicionalismo, ainda que travestida com a fantasia da renovação).
Eu não sou capaz de incomodar sempre que a pré-ocupação é incomodar-se com inverossímeis incredulidades: xoxotas despidas, traseiros abundantes (?!), não povoam a urbe? É o tesão recolhido querendo jogar no lixo o quê já estava.
Não levamos tantos anos para a conquista de qualquer Estado de Direito. Pois, que direitos são essas mil possibilidades de organizarmos outras mil diferenças em mais mil comitês de "iguais" ?!. O tempo que levamos não foi outro senão o suficiente para admitirmos que 'agora já fazemos' tudo aquilo que antes a censura não nos permitia: as nossas próprias bobagens. Um tempo incômodo, convenhamos. Afinal, eles, os governantes de outrora (aliás, não por coincidência, os mesmos de hoje) é que perderam o medo de nós, da nossa "subversão"? Será, tinham medo? Perceberam, isto sim, que não oferecíamos o menor perigo; souberam identificar o crucial -que nós não temos o hábito de pensar; e como quem não pensa arruina-se por imaginar que o faz, compreenderam que a nossa ruína moral já seria o bastante para que eles nada precisassem fazer contra nós. O gol seria o gol que é: gol contra!(Marcus Moreira Machado)

segunda-feira, 16 de junho de 2008

SEXTA-FEIRA, 20 DE JUNHO DE 2008: "IDENTIDADE E UTILIDADE".

Quando Henry Ford pretendeu competir no mercado da produção de borracha natural, instalando em muitos hectares de terra do Norte brasileiro uma formidável "cidade" pré-montada, não soube sequer compreender os reclamos locais como verdadeiros fundamentos do conceito de 'valor'. Ao querer introduzir concepções supostamente civilizadas de moradia, habitação, Ford não 'valorizou' a típica rede de dormir dos caboclos, ignorou o jabá, o charque, como iguarias nativas. Houve revolta. O progressista empresário quedou-se em perplexidade, exclamando ser impossível para ele conceber a idéia de um povo que, embora servido de alimentos proteicos e vitaminados dos EUA; não obstante recebendo por moradias edificações de excelente padrão para os norte-americanos; ainda assim se rebelasse, não levando em conta até mesmo os altos salários -considerando a referência local- que lhe foi pago pelo pioneiro empreendedor.
Precursor da organização científica do trabalho, inovador, com a implantação de esteiras para a produção em série, homem que abominava a filantropia e enaltecia as vantagens de bem remunerar a mão-de-obra, Henry Ford não soube, porém, identificar e distinguir as 'riquezas' do lugar; para ele, estrangeiro, sem valor, mas de infinito valor (porque prazeirosas) aos nortistas do Brasil.
Nota-se, pelo exemplo, que um conceito objetivo e realista de 'utilidade' é o que, fundamentado nas intrínsecas qualidades de uma coisa, determina o seu valor de uso. E essa qualificação há que ser considerada na relação de conveniência entre a coisa e a satisfação que ela proporciona. A Psicologia, nesse caso, trará recursos à Economia, questionando o ser humano antes de ele ser tratado como consumidor padronizado.
Trazer bem-estar à população de um país será respeitar as suas crenças e os seus hábitos; admitir a correlação entre 'identidade' e 'utilidade'; aceitar o raciocínio de que um DVD player é tão importante quanto um pequeno rádio à pilha 'utilizado' pelo torcedor nos estádios de futebol. Será permitir a convivência entre 'sabedoria' e 'conhecimento'; coexistir o erudito e o popular -no reconhecimento da alma humana concebida como 'unidade', no dizer de Kant.
Preocupar-se com o bom desenvolvimento de um povo exige o não aniquilamento da sua personalidade, preservando-se a harmonia do 'compromisso' entre o primitivo instinto com o consciente adquirido por influência das forças sociais.(Marcus Moreira Machado)

domingo, 15 de junho de 2008

QUINTA-FEIRA, 19 DE JUNHO DE 2007: "CIRCUNSTANCIAL".

"Eu sou eu mais as minhas circunstâncias", refletiu Ortega y Gasset. Com efeito, é certo que em dado momento uma particular situação exige conduta singular e supostamente contraditória a outra, decorrida numa condição diferente. Ser incoerente é então muito mais atributo da personalidade que fraqueza moral. Ora, não é certo que a adolescência sucede a infância? E para cada idade não existe uma relação de conveniência entre o objeto e o seu co-respectivo desejo? E que o valor de uma coisa implica em comparação e preferência?
A "desejabilidade", se livre da utilidade normativa, fundamenta o 'valor'. Assim, o hedonismo, não confundido com devassidão, é determinante na fixação do valor de 'riquezas'. Entretanto, no desprezo aos prazeres, a valorização da posse relega a própria vida a 'valor secundário', forjando circunstância prevalentes sobre o ego. Daí o desafio de Prudhon à sugerida contradição: "Sendo a riqueza composta do valor das coisas possuídas, como se explica que uma nação é tanto mais rica quanto as coisas estão por mais baixo preço?".
O que se nos parece é que 'a riqueza de uma nação' não deveria ser constituída tal qual a riqueza de um indivíduo em particular, isto é, pelos valores das suas posses. Contudo, quando suprime-se a relatividade do conceito de riqueza, impondo-se padrões de utilidades, certamente, até a ética e a moral adquirem valor secundário, vez que são reduzidas a simples reflexos de circunstâncias artificializadas.
Sem dúvida, vivemos numa sociedade paradoxal, onde o quê de fato pode e deve ser mais útil é exatamente o quê menos valor possui. Com efeito, no Brasil acentuadamente, a ostentação é mais considerada que uma lauta refeição, ou mesmo um simples pedaço de pão com manteiga. O vago conceito de 'raridade' desse ou daquele item acaba por privilegiar muita coisa que não se pode prazeirosamente consumir. Inegável, o 'supérfluo' não existe. Desnecessário será, sim, tudo aquilo que não proporcione efetivo deleite. Por exemplo, uma tela de Rafael somente tem importância se corresponde ao fascínio de um amante da pintura; e uma coleção de "souvenirs" não será vendida por preço algum, se o seu dono a vê como propriedade, como um bem de inestimável valor. São casos que ilustram a relatividade do conceito de riqueza.
O que não se pode admitir como razoável é a condição onde o indivíduo deixa de ter uma conduta na conformidade de suas circunstâncias, para -sem hierarquizar suas necessidades- ser ele mesmo a própria circunstância, ou seja, numa relatividade imaginária, ser um circunstancial.(Marcus Moreira Machado)

QUARTA-FEIRA, 18 DE JUNHO DE 2008: "AUTO-DIDATA".

Mesmo na 'meia-idade', eu ainda acredito nas fantasias do tipo "mocinho-bandido". Empaquei na adolescência. Imagino donzelas dependendo da minha bravura no combate a ferozes dragões e, de origem humilde mas valente, faço juras de amor e fidelidade, em arroubos de heroísmo quase pueril. Assim, um tanto aventureiro, eu sou cavaleiro medieval partindo em cruzadas contra a invasão de bárbaros. E de mim depende, 'efetivamente', a redenção dos povos sucumbidos à selvagem truculência dos imperialistas. Nos meus devaneios, eu construo um novo mundo, em que somente a minha justiça ditará o império do que me parece ser o bem. Sou honesto, belo, virtuoso... a ponto de, para não menosprezar opositores, eu me limitar a responder: "-Eu não vi nada". Por isso é que ainda serei ungido: lutei onde havia trevas; minhas cicatrizes são a minha credencial, o meu passaporte ao reino dos justos. Meus adversários (que nem isso são, já que sou o dono de toda e qualquer 'situação') pretendem a minha desgraça, e me injuriam. Não se dão conta, porém, de que os meus seguidores são em muito maior número e não contestam o meu comando (eles também sonham, deliram, tanto quanto eu mesmo). Hoje, elevado ao máximo cargo de representante da nação, nem militar de cinco estrelas é lembrado, contudo, é admirida aquela que foi estrela solitária do meu pavilhão vermelho. Vermelho como o sangue de Jesus Cristo, efetivamente.
Pouco fui à escola. Sempre fui menino precoce (até hoje, não abandonei esse garoto que mora no coração de cada um de nós todos). Esta a razão pela qual eu me basto: sou autodidata. Predestinado, nasci vocacionado para governar, já que a maioria nasceu limitada a me seguir. Líder, incontestavelmente, um líder! É o que eu sou. O homem da venda, o empresário do aço, o metalúrgico da foice e do martelo, o clérigo, o sacristão, todos eles me reconhecem um líder nato. Eu não preciso e nem devo trabalhar -que trabalhem os outros em meu lugar-, pois ocupado estou em organizar o trabalho de todo mundo. Sou por demais inteligente para me preocupar com mazelas do dia-a-dia; "mereço a comida que você paga pra mim". Quem mais teria tanto tempo e tamanha competência para discursar a seu favor? Hein?!
Aos que ainda relutam, àqueles recalcitrantes, insistentes em chafurdar o meu nome na lama, só respondo: vocês constataram, por duas vezes, que quem ri por último é porque não entendeu a piada. Eu tenho carisma, sabe disto a minha legião de discípulos espalhados pelos sem número de ministérios que criei. É só perguntar ao povão e ouvirão em uníssono: "hoje é o dia da caça, hoje é o dia da caça e do caçador. De que maneira poderia um brasileiro antes miserável (como, via de regra, é todo brasileiro) dizimar a penúria dos desvalidos, com o poder de reduzir a zero a fome nacional?! Não existiria mesmo explicação, não fosse a minha capacidade de tanto entender de fome, a ponto de, imitando Padim Ciço, miná-la, sob a inspiração da estrela guia, com pãezinhos. Porque nem só de caviar vive o homem, buchada e estrogonófre (assim mesmo, abrasileirado, como prefere um cabra porreta!) também fazem parte da vida. É verdade, scotch escocês não é má idéia, mas a cachacinha é pra render homenagem ao passado ultrapassado, efetivamente.
Mais que tudo, eu sou o quê este país sempre precisou, desde Palmares e Villares. Eu sou macho. Y hay que ser macho, pero no mucho!!!(Marcus Moreira Machado)