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sábado, 31 de maio de 2008

TERÇA-FEIRA, 3 DE JUNHO DE 2008: "CÂNONES".

"E o quê é a verdade?!" -exclama Nietzsche- senão "um batalhão móvel de metáforas, metonímias, antropomorfismos, enfim, uma soma de relações humanas, que foram enfatizadas poética e retoricamente, transpostas, enfeitadas, e que após longo uso parecem a um povo sólidas, canônicas e obrigatórias ? As verdades são ilusões, das quais se esqueceu o quê são...".
Inegável, de fato, o 'homem intelectual' tornou-se uma criatura dada a explicações, na forja dos seus próprios cânones. Por isso, a conscientização das massas populares é pura mistificação, porque impede o despertar de uma consciência particular, singular. E não por outra razão, é necessário dispensar à política tratamento tal que não venha ela prejudicar a vida do espírito, vez que a pluralidade (pressuposto a ser assumido, em síntese, pela imaginação, no 'diálogo' do pensamento) sofre ameaças, desde o início da modernidade, como bem esclarece Hannah Arendt.
Assim como jamais existiu na História sublevação pela concordância, certamente, nunca será viabilizada a 'liberdade' sem o precedente de sua motivação, qual seja, o pré-questionamento da 'condição humana.
O homem libertar-se-á quando disser 'não' ao 'sim' a que foi adestrado repetir sistematicamente. Quando, por fim, 'pensar', ao invés de 'idolatrar'. Porque é no diálogo do pensamento que está a gênese do amor. Anárquico que é, o amor rompe as imposições que insistem em confinar os sentimentos nos limites da indução.
"A alma quer mesmo o quê quer: tem o seu próprio conhecimento, sentada, infeliz, na superestrutura da sua explicação, qual um pássaro que, coitado, não sabe de que lado vai voar".
Será no gênio da loucura que a cada um de nós resgataremos as profecias das verdades insondáveis.
Personalíssimos. poderemos então comungar a vida em sua apoteose transcendental, pois a verdade não será sempre a primeira, totalitária, e sim a do "senso comum que possibilita partilhar o mundo com nossos semelhantes".
'Pensar' será -na pluralidade- comprometer-se apaixonadamente com a vida, divindade única na temporalidade existencial. O contrário, é preferir a morte adiada, no culto ao deus projeção de si próprio, como se isso minimizasse o 'absurdo' da imensurável dimensão humana.(Marcus Moreira Machado)

quinta-feira, 29 de maio de 2008

SEGUNDA-FEIRA, 2 DE JUNHO DE 2008: "DUVIDANDO".

Eu preciso saber o quê está acontecendo, se é que alguma coisa está mesmo acontecendo. Ouvi rumores. Boatos dão conta de que o Congresso foi tomado de assalto por 'tropas de elite'; comenta-se à boca pequena o confinamento do presidente em exílio ignorado. Estou com medo. Quero comprar cigarros mas não tenho um salvo-conduto. E se for verdade o toque de recolher, eu serei preso e interrogado como provável suspeito do levante, responsável pelo tentado golpe para desestabilizar o governo revolucionário do 'partido pela libertação do povo oprimido' -o temido "Estrela Cadente". Vizinhos sussurram, dizem que será suspensa por tempo indeterminado a venda de combustíveis, a fim de se evitar fabricação caseira de coquetéis molotóv. A minha correspondência está atrasada e receio dar algum telefonema (será, grampearam meu telefone?). Ainda tenho um resto de "louro-fino", posso enrolar o fumo. Mas, e o adoçante?! E o café?!! Pior: se eu não conseguir comprar o jornal, como ficarei sabendo o quê acontece lá fora?!!! Rádio, nem pensar. Desconfio que as emissoras estão tocando funk por ordem do 'comando revolucionário'. Bateram à porta, não atendi. Ouço sirenes a todo instante, e creio que aquele estampido era o de uma bala perdida, mesmo parecendo som de escapamento "envenenado". É melhor eu queimar meus livros. Porei fogo nos poemas de Florbela Espanca e nas receitas de Dona Benta. Foi desse jeito, na última vez: um amigo meu "desapareceu" quando assistia ao filme (agora em DVD!) de Costa Gravas, "Missing"). Ou era "Lost", o seriado!? Não me lembro. A casa dele fôra revistada, apreenderam um exemplar raríssimo de Flash Gordon, personagem de comprovada subversão, disseram os agentes federais; patrocinador de "aventuras delirantes, um ópio do povo", confirmou a guarda nacional. Por isso a minha cautela: vai que descobrem, nos ingredientes do 'strogonof ', no livro de culinária, indícios de perigosa composição de reacionarismo burguês...! A minha agenda vai para a fogo também. Vai que descobrem que tenho irmãos... Será um passo para identificarem em minha árvore genealógica o parentesco com Fernão Dias... E pronto: me levarão em camisa-de-força, pela loucura descendente. Até porque, afinal, foram os bandeirantes, paulistas, os responsáveis pela Guerra dos Emboabas! Não correrei esse risco.
Deixarei crescer barba e cabelos, tingirei fio por fio, vestirei macacão de metalúrgico; fingirei ser homem do povo, todo sujo de graxa e fedendo como todo bom proletário deve feder, se quiser cair nas graças da emancipação da classe operária.
Porcaria! Como é difícil fazer cara de revolucionário!! Dá uma canseira danada! Mas estou decidido: vou delatar todo mundo, me filiar no "Estrela Cadente", pelo tempo que ele permanecer no poder.
E se ele cair? Simples: direi que sofri lavagem cerebral, porque antes eu só ouvia Dvorack e sempre fui adepto ferrenho (ou ferrado!?) do neoliberalismo.
Acreditarão? Sim, acreditarão. Crédito, crediário e crença, para eles, é tudo a mesma coisa!(Marcus Moreira Machado)

DOMINGO, 1 DE JUNHO DE 2008: "VISITA".

Eu fui visitado por extra-terrestres. Vinham em paz, ele me disseram, telepaticamente. Preocupado, de imediato, fiz grave recomendação: "- Vocês trazem o quê aqui não há e o quê aqui não querem?! Porque entre nós, Gautama, Jesus, Spinoza, Tolstoi... todos pretenderam proclamar um mundo sem ódio. Jeremias, Confúcio, George Fox e Platão... eles vieram à Terra como soldados da paz, sonhando com um mundo melhor, em viva voz através do silêncio dos séculos. No entanto, o quê aqui viram foi homens procurando dividir o mundo entre si e o 'Deus' em nome de quem falavam, tais quais verdadeiros príncipes do ódio, profetas da espada construindo impérios e destruindo civilizações". Inútil a minha advertência! Os alienígenas conheciam a nossa história em todos os seus detalhes; e insistiam na possibilidade de uma nova família humana, na vanguarda de uma nova era, em que reis filósofos triunfariam em sã rebeldia. Eu refutei, argumentando com a vã promessa de Lenin e Gandhi, o assassínio de nobres idéias, desejosas de consolidar uma livre e harmoniosa 'família de nações', liberta da propriedade privada como fonte de todo o mal; afastada da opulência; dedicada à compreensão da piedade e da beleza da vida, como o fez Francesco Bernardone. E acrescentei: "-Todavia, seguiram-se-lhes toda a maldade, como a infâmia da Inquisição de Gregório IX e seu mais perfeito produto -Torquemada, um zeloso incinerador de maometanos e judeus".
Que nada! Insistentes os meus visitantes. À hipocrisia de Marcus Porcius Catão, os estrangeiros inter- galáticos lembravam-me o gênio de Shakespeare, a um só tempo -diziam- revolucionário, como Shelley; amargo, como Heine; pessimista, como Eurípedes; cínico, como Byron; desiludido, como Swinburne; filósofo, como Goethe: e esperançadamente resignado, como Tennyson.
Eu concordei: "-Tivemos, sim, grandes vultos. Porém, necessitamos de pessoas que reajam prontamente contra a ignorância, contra a intolerância e a opressão. Mas vocês sabem mesmo onde estão? Em que lugar do universo vieram parar?! Vocês estão agora no Brasil!! Aqui não é nem terceiro mundo, é outra dimensão!!! Aliás, acreditar em extra-terrestres foi a nossa última invenção, nesta prolongada letargia em que hibernamos. Aqui, não mais cabe discutir se há vida depois da morte, mas sim entender o porquê dessa morte antes da vida!".
Nesse momento, eu imaginei ter ouvido um zumbido muito forte, e ter visto luzes ofuscantes. Ficção ou não, percebi então que eu conversava comigo mesmo. O quê me fez notar que todo brasileiro tem esse zumbido nos ouvidos -que não é labirintite, mas sim visíveis sinais de comunicação intuitiva, decodificada através de fenômeno de imagens. Ou seja, eu agora sei a nossa verdadeira identidade: somos alienígenas, e o Brasil não é país, é uma imensa nave espacial que se perdeu da nave-mãe. E confinados no Planeta Terra, por séculos, por isso então é que em nada parecemos com os personagens da história da civilização humana... (Marcus Moreira Machado)

SÁBADO, 31 DE MAIO DE 2008: "SENSO, CONSENSO".

Sofre o homem contemporâneo, tragado pelo impacto da multiplicidade de alternativas num processo consumista.
Sob a pressão subliminar de ideologias várias, que insistem em se fazer aparentar distintas umas das outras, as sociedades procuram atingir, passo a passo, a sofisticação tecnológica; em todas elas, a mesma resolução: suprimir a liberdade do seu único imprescindível componente -o pensar. Ora, é o pensamento uma atividade do espírito, a subsidiar a capacidade de compreensão. Compreender, por sua vez, é promover reconciliação entre um estrangeiro, o homem, e este mundo onde ele vive. Assim, "uma vida não compreendida não é uma vida plenamente vivida".
O que se vê, hoje, ao contrário, é a constante presença de nomes, indicando tendências e qualificações: o perfeito caminho da iconolatria; o senso do consenso; o exato instantâneo da "idiotice" institucionalizada; a hora e a vez dos "cretinos fundamentais".
De fato, eis porque Saul Bellow adverte: é preciso ser um verdadeiro maníaco para insistir em querer ter razão; ter razão é, afinal, apenas uma mera questão de explicações.
A razão, contudo, não é princípio recente. E somaticamente, o 'homo-sapiens' quer resistir, embora já bastante fragilizado. Transfigura-se, então. Agora, outra vez, apenas 'homo-erectus', sofre dores primitivas num cenário vanguarda. Submisso, não compreende a relatividade dos conceitos emblemáticos. E curva-se à imaginada verdade.

terça-feira, 27 de maio de 2008

SEXTA-FEIRA, 30 DE MAIO DE 2008: "MODERNIDADE UNDERGROUND".

No labirinto de teorias governamentais, estamos, parece, a esperar um corajoso e apaixonado Teseu, em desafio ao Minotauro, pelo amor a Ariádne. E como quem nada possui briga por pouco, a violência fermenta a c onvulsão social em barbárie coletiva, por ninharias, quinquilharias que em nações 'civilizadas' não passam de sucata. Vermes vorazes, encontramos na podridão da cultura brasileira -amesquinhada e aviltada- o putrefato alimento das nossas sórdidas paixões. Alguns já marginais, outros ainda 'marginalizados', falta muito para sermos párias. Reduzidos a ínfima casta, excluídos da sociedade, devoraremos uns aos outros, numa antropofagia própria a esta modernidade underground, onde à superfície se vigia quaisquer 'saídas' dos miseráveis. 1984 já passou. Orwell talvez não soubesse que na Revolução dos Bichos os brasileiros não seriam metáfora, mas os próprios bichos. O esforço de alguns (não poucos!) homens para derrubar outros homens e 'subir', ascender pelos seus cadáveres, traduz a profunda angústia pela qual passamos, mergulhados no canibalismo da tal modernidade social, matando e sendo mortos, odiando e sendo odiados, subjugados, enfim, à lei não escrita, porém, norma piedosa da sobrevivência. Se ao menos os nossos 'dirigentes' acreditassem no ciclo-reflexo de causa e efeito, então poderiam os homens de governo renunciar à trama de atividades direcionadas, somente, à garantia dos privilégios da 'grande farsa', consagrando todo o seu tempo e energia exclusivamente na real, efetiva reabilitação do país. Todavia, forçoso admitir, nem mesmo a lei do karma (a cada ação corresponde uma reação) vinga cá em Pindorama. Mais 'contribuintes' que 'cidadãos',somos vitimados por formidável desestabilização social, onde não há acordo entre "técnicos" econômicos e a legião de consumidores fãs de crediário (compradores a longo prazo e inadimplentes a curto prazo). Mas, absurdamente, a esse processo chamam 'democracia'! Ponderar os efeitos reais das ações pretéritas, compreender o seu resultado cumulativo, ainda será a maneira mais razoável de se corrigir a rota e, daí prognosticar formas de atuação futura. No mais, necessitaremos do "pessimismo' como um alerta permanente.(Marcus Moreira Machado)

QUINTA-FEIRA, 29 DE MAIO DE 2008: "PARARREAL"

Eu não sou exatamente um pessimista. Ao contrário, não apenas o real mas também o hiper real me fascinam. Mas não é minha a culpa, se a realidade é péssima. Não pretendo, pois, otimizar situações onde se registra a mais evidente degradação do ser humano. E não é outra coisa o que se identifica num povo como o brasileiro, tragado pela superfluidade no tratamento dos peculiares problemas nacionais. De fato, estamos sob rendição. Não temos mais que uma cultura de almanaque, consagrando o banal, ritualizando fórmulas retrógadas de "salvação" individual ou coletiva. Somos tão descartáveis quanto as informações que consumimos todos os dias. Temos acreditado no 'pararreal'!
Valorizar a educação seria no mínimo medida profilática, preventiva de males cruciais como a fome, a miséria, combatidas quixotescamente como 'causa' da violência imperante, da origem da desagregação social, quando, em verdade, não são mais que reflexos da visão delirante que precedem-nas.
Quando se trabalha com fenômenos sociais, não se pode esperar a precisão da informática ou a certeza dos laboratórios. Em sociedades, múltiplos aspectos concorrem para maior possibilidade de dúvidas do que para a probabilidade de acertos. O organismo social, quando doente, requer muito mais que singela 'boa vontade', mais que mero 'otimismo'; carece de conhecimento, e conhecimento prático. No entanto, o quê se observa em se tratando de ciências jurídicas, políticas e econômicas neste país é exatamente o distanciamento da realidade mais óbvia. Opiniões diversas são apresentadas como concepções "sui generis", impressionando pelo 'ineditismo', porém, por demais frágeis, porque extremamente 'fantásticas', inviabilizando o pragmatismo.
Ou, quem sabe, isso ocorra porque não se pretende resolver mesmo coisa alguma?! Neste caso, buscar, então, alternativas calcadas em contexto paralelo ao da realidade, é premeditação, confirmadamente, no desinteresse político, a fim de se garantir o lucro certo de uma cúpula, auferido com a manutenção da miséria alheia.
Hoje, na era do bio-degradável, estamos nos tornando -ao que tudo indica- lixo, ou, a mais forte evidência da própria degradação!(Marcus Moreira Machado)

QUARTA-FEIRA, 28 DE MAIO DE 2008: "CAOS ANUNCIADO".

Genocídio (um 'neologismo', segundo os dicionaristas) é a recusa do direito de existência a grupos humanos inteiros, pela exterminação dos seus indivíduos, na desintegração de suas instituições sócio-políticas e culturais, face à sua deterioração linguística e a dos seus sentimentos nacionais e religiosos. O vocábulo advém, certamente, de "geno", a expremir, por seu turno, a idéia de 'sexo' ou 'geração'. Daí o adjetivo 'genesíaco', relativo a 'geração'.
Outros tantos léxicos apontam como sinônimo deste substantivo o feminino 'chacina', o figurativo de 'matança' -observando que o ato de 'chacinar' compreende, antes, dispor carne de porco em postas, vez que "chacim" é antiga designação desse suíno.
Cientes da origem do mundo e do homem -narrada no primeiro livro da Bíblia; e certos de que o ser humano não principiou sua existência sob a rude e primária forma de um porco; colocamos em dúvida a veracidade dos "extermínios", verificados pelo país, como expressões fiéis ao termo 'chacina'. E nem mesmo em sentido figurado.
O que se nos parece é figurar nesses movimentos assoladores a mais completa ruína, só vista na mais pura tradução dos 'genocídios. Porque não está o Brasil, afinal, mergulhado na desintegração das suas instituições todas?!
Nesse sentido, é Guerra Junqueiro, em "O Regimen", quem adverte: "A ruína bruta é o de menos. Uma parede no chão, levanta-se; um banco sem dinheiro, atulha-se de dinheiro, facilmente. Mas, a ruína moral...! A morte de milhões de almas, milhões de idéias, de consciências... é pavoroso!". Ora, por preservação de mínima sensatez, devemos concordar com o poeta português, já que notamos em nosso dia-a-dia um caos anunciado.
Aqui, a 'filantropia' deu lugar à 'misantropia': a aversão aos homens e à convivência social tem sido a regra num estado de exceções.
Nesta ótica, não é demais relembrar Bertolt Brecht, no seu usado e abusado 'O Analfabeto Político': "Não sabe o imbecil que da sua ignorância política nasce a prostituta, o menor abandonado, o assaltante, e o pior de todos os bandidos, que é o político vigarista, pilantra, o corrupto.
Resta-nos agora identificar quem é o "imbecil" na política brasileira, a permitir que a filosofia do Estado nacional seja a filosofia do porco: devorar!!!(Marcus Moreira Machado)

domingo, 25 de maio de 2008

TERÇA-FEIRA, 27 DE MAIO DE 2008: "MAIORIDADE".

Em 1973, quando eu mal completara 18 anos e nem exisitia Estatuto da Criança e do Adolescente, iniciei o curso de Arquitetura e Urbanismo. À época, eu frequentava um universo de muitos mitos. Gropius, em sua Bauhaus; Mies Vander Rohe; Le Corbusier e a sede do Ministério da Educação; o urbanismo inovador de Lúcio Costa; as formas arrojadas de Niemeyer.
Por que Arquitetura? perguntavam-me. Eu não dava respostas, mas, sim, inventava desculpas. A melhor delas era dizer que "arquiteto é o artista que deu certo" (o que não era de tudo uma mentira). Afinal, eu convivera até então com a música, as artes plásticas, ensaiando ser um artista-retratista de minha geração, inovando outras eras, coisas do gênero. Mas alguém se encarregara de me classificar como intelectual burguês, filho de classe média. E como tal, não deveria arriscar-me no incerto caminho artístico; o melhor, diziam, seria eu escolher 'uma profissão'.
Eu mal completar 18 anos e nem Estatuto da Criança e do Adolescente existia. Não sabia ao certo o que poderia ser constrangimento. Tudo não passava de conselhos bem intencionados, de quem 'só queria o meu bem'. Com efeito, não restava outra saída. Eu teria mesmo que compatibilizar o rock latino de Carlos Santana, no meu bongô e na tumbadora, com a manutenção daquele 'status' classe média. E lá estava o garotão, flauta doce na mochila e régua T na prancheta, procurando "dar certo" na vida. Comigo, batalhões quase que infanto-juvenis incursionavam (muito mais do que 'cursavam') por um "happning" de ex-futuros modelos fotográficos e seus companheiros fotógrafos, ex-futuros músicos famosos e contestadores, compondo canções inéditas para o LP que jamais seria gravado. Nas salas de aula, 'perspectivas', 'pontos de fuga', arte rupestre, Brasília, 'a mais nova maravilha do mundo'; e professores presunçosos, pensando que a banda só tocava para eles.
Em casa, eu lia na notícias de "subversivos" que sequestravam embaixadores; capitão do Exército que caía na clandestinidade... Eu com a minha régua T, eles com os seus fuzis "roubados" da Companhia.
Nesse tempo, fui recrutado pelo Tiro de Guerra. O sargento nos ensinava contra-guerrilha; e eu acabava aprendendo o outro lado -a guerrilha, propriamente dita.
Na faculdade, móbiles, paisagismo, 'art-nouveau', o desfavelamento da 'Catacumba' carioca, na 'moderna' concepção de Sociologia Urbana. Muito nanquin, giz pastel... Um mundo lindo, maravilhoso dentro do meu "Brasil brasileiro, terra boa e gostosa, um Brasil pra mim, terra de Nosso Senhor, onde eu amarro a minha rede nas noites claras de luar, de fontes murmurantes, onde eu mato a minha sede".
Eu então já não me entendia nem como artista nem, muito menos, como um estudante de Arquitetura. Antes, aturdido, pensava em minha condição de 'produto artístico' num cenário disparatado, meio gótico, um tanto rococó ou -absurdamente!- neo-colonial.
Não deu outra, parei, larguei a faculdade.
Terminei a 'instrução' do Tiro de Guerra (se realmente me instruí, ainda hoje não sei). Tudo muito traumático, broncas mil, candidato a vagabundo, distante da maturidade esperada num garoto de mal completados 18 anos.
Nem soldado nem arquiteto. Nem músico nem artista. Apenas mais um adolescente que não queria virar 'gente séria', cansado de ser 'precoce' num país retardatário e irresponsável, que teimava (foi lá que começou) em fazer pose de país adulto.
Enfim, eu não dei certo. Porque o errado sempre esteve mais perto e, inegavelmente, foi e ainda é mais fascinante.(Marcus Moreira Machado)