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sexta-feira, 23 de maio de 2008

SEGUNDA-FEIRA, 26 DE MAIO DE 2008: "INTENÇÃO GESTUAL".

Eu vivo assediado por pessoas bem intencionadas. Eu próprio sou deveras bem intencionado, mesmo sabendo que entre intenção e gesto há uma distância enorme. Já acreditei em muita coisa, até em Nietzsche, que em pouca coisa parecia acreditar. Procurei uma 'verdade' mais permanente, que não a de "um batalhão móvel de metáforas, metonímias, antropomorfismos... enfatizados poetica e retoricamente". Nos 'arquétipos', de Jung, busquei explicação para o primata que de quando em quando se revela em cada um de nós, na barbárie que todos cometemos dia após dia. Aderindo à economia mecanicista, pensei encontrar refúgio na História, e nela poder intervir, não como figurante ou coadjuvante, contudo, protagonizando-a. Sociólogo de botequim, exaltei Durkheim, em tempero existencialista de Camus, negando valores e inventando outros tantos.
Não fui o único. Não sou o único. Muitos quiseram, e ainda insistem em querer, a paz em lugar dos horrores e das infâmia da guerras, tudo pela majestade única do amor. Utopia, acreditávamos, não existia, era questão de tempo. E como o tempo insistia em não chegar, ouvimos Krishnamurti, desistindo então de aprendizado que nos libertasse da nossa miséria, renunciando a ensinamentos vários acerca do caminho libertador, ou de um pensamento ou de uma prática qualquer; pretendemos revelar-nos a nós mesmos, a fim de que pudéssemos ver o que éramos em depois, esquecer-nos. Enfim, almejamos sair do ego, alcançar a criatividade através da visão do nosso vazio e descobrir, simultaneamente, o amor.
Balela! Muita balela!! Nossas boas intenções nada mais fizeram que ocultar a omissão dos nossos gestos.
Agora, se eu sou incapaz de gestos, não quero mais me capacitar com intenções. Se eu não tenho uma intenção gestual, faltam-me sentimento e conduta de dentro para fora de mim mesmo. Tão-somente algum bem farei à humanidade não sendo hipócrita.(Marcus Moreira Machado)

DOMINGO, 25 DE MAIO DE 2008: "COLÓQUIO NOTURNO".

Madrugada adentro, na insônia que insiste em me fazer vigilante, eu tenho recebido inesperadas visitas. Noite dessas, Barbosa (o Ruy) me fez severa advertência: "-Pesai bem que vos ides consagrar à lei, num país onde a lei absolutamente não exprime o consentimento da maioria, onde são as minorias, as oligarquias mais acanhadas, mais impopulares e menos respeitáveis as que põem e dispõem, as que mandam e desmandam em tudo; a saber, num país onde, verdadeiramente, não há lei, não há moral, política ou juridicamente falando". Mas Ruy -ponderei- os tempos são outros. Nem bem terminei de falar, sou tomado de surpresa com a entrada de um poeta em meu escritório (seria ele um amigo de Barbosa!?). E com a certeza de que o clamor de justiça se perde no espaço e no tempo, entôou o bardo: "-Há dois mil anos te mandei meu grito, que embalde, desde então, corre o infinito". Já bastante entusiasmado com o papo, eu, perdendo a noção do tempo, retruquei: "-Vocês são por demais pessimistas, e certamente deixaram de acreditar no Estado como a forma da organização nacional". Subitamente, acorreu, em defesa dos meus visitantes, o doutrinador Luis Racasens Siches. Com a sua singular veemência, dirigiu-me a preleção: "-O grande erro cometido pelo transpersonalismo não se dar conta de que a coletividade não tem realidade substantiva, não tem um ser por si e para si mesma, independente do ser dos indivíduos que a compõem. Em troca, o ser do indivíduo consiste num ser por si e para si mesmo, num ser autônomo e idenpendente. Por isso, a coletividade deve respeitar o indivíduo, no modo de ser peculiar deste, nos valores próprios que lhe são destinados, e reconhecer a sua autonomia. O indivíduo não é pura e simplesmente uma parte do todo, ele é superior à sociedade, porque é pessoa no pleno e autêntico sentido desta idéia. A coletividade careceria de sentido se não se afirmasse como um meio para o indivíduo". Eu, atento, ainda resistia aos brilhantes argumentos. E disse-lhes: "-Ouçam-me, amigos, estou sinceramente feliz com a visita que me fazem e não quero ser desrespeitoso, mas será que isso tudo se aplica, em caso concreto, ao Brasil? Será, em nosso país, o Estado adota a concepção personalística. sendo apenas um meio posto à disposição de pessoa humana do brasileiro? Vocês parecem querer me sugerir que o problema é político, e essa é a causa da má administração brasileira". Quase que em uníssono, sou interpelado: "- A política repercute na administração, em quaisquer tempos. Mas hoje ela tem substituído a administração. Observe, Marcus, a majoração dos salários tem repercutido imediata e intensamente nos custos industriais e comerciais, logo consumindo, na voracidade tributária, o aumento demagógica e ilusoriamente concedido. É claro que em tal clima, torna-se impossível administrar com fecundidade". Neste instante, eis que novo visitante, um militar, de nome Castelo Branco, muito entusiasmado com a direção tomada na conversa, lembra a todos nós, não sem discreta gravidade, o que ouvimos com prudência: "- O preço da liberdade é a eterna vigilância". Cinco da manhã e eu ali, na absoluta vigília! Momentânea pausa para um café e um cigarro. Tomás de Aquino, recém chegado, insiste em esclarecer: "- O social e o político são atributos da essência humana na sua universalidade completa. Não se pode compreender o indivíduo sem o Estado, nem o Estado sem o indivíduo. O Estado é apenas um ser distinto dos indivíduos, e nada mais; é uma espécie de corpo místico, como a Igreja". Um tanto confuso, um tanto cansado, o sono chegando, pergunto o Ruy o quê, afinal, ele recomenda. Sereno, Barbosa me diz: "- Não ser baixo com os grandes, nem arrogante com os miseráveis. Amar a Pátria, estremecer o próximo, guardar fé em Deus, na verdade e no bem". Deixei-os ainda animados, nem sinal de que pretendessem encerrar o colóquio noturno (e já era dia!). Fui dormir.(Marcus Moreira Machado)

terça-feira, 20 de maio de 2008

SÁBADO, 24 DE MAIO DE 2008: "ARBITRAGEM".

Repensar o óbvio em nova linguagem, eis a genialidade. Anunciar o antigo como se fosse inédito, eis a mediocridade.
Em nome de suposta imparcialidade, intelectuais -respaldados pela chamada grande imprensa, auto-denominada 'independente'- discutem por este Brasil afora o sexo dos anjos, pretendendo descobrir quem nasceu primeiro, se o ovo ou a galinha. Menosprezando, de forma generalizada, a alheia capacidade de discernimento, se finge encontrar a corrupção em tudo e em todos, menos onde ela sempre esteve, isto é, na cabeça de cada ser humano. Em messiânica e ao mesmo tempo quixotesca investida, supostos pensadores de uma hipotética nova era dimensionam tragédias humanas sob a ótica reformista, tão própria aos doutrinadores. E toda veemência das causas cede lugar ao sensacionalismo das consequências.
Ora, lidar com os efeitos é, seguramente, apoiar os que só fazem colaborar com os motivos!
Muito se fala do futuro, como se conjugá-lo fosse prece a deus pagão. Pouco se faz pelo presente, a cada dia, mais uma página virada na história do país. Denunciar, denunciar, denunciar -é o que temos aprendido a fazer. Inspirados na falsa credibilidade daqueles que por ofício têm a arte da acusação, convivemos com as mais disparatadas idéias acerca da verdade, a ponto mesmo de duvidarmos que ela exista. Aliás, fazer com que a mentira esteja sempre em evidência é desprezar demais valores, os positivos, principalmente.
Com efeito, por que não pensar, então, que confundir é também um processo de dominação?!
Quando a noção de 'delito' já está proscrita, toma-se o conceito de 'pecado'; e vice-versa. Mas em ambas as circunstâncias jamais falta quem se arvore justo e ponderado, a prescrever ou a pena ou a penitência. E assim novamente as mentes são expropriadas, relegando-se a plano secundário a análise na identificação e no reconhecimento das causas de uma transgressão.
Ao que parece, 'arbitragem' ganhou novíssimo status, onde a 'honestidade' é relativizada, até nos convencermos de que tudo deva ser ilusório e momentaneamente eficaz.(Marcus Moreira Machado)

SEXTA-FEIRA, 23 DE MAIO DE 2008: "TROPICANA"

Cá neste rincão rococó, cá nestas plagas barrocas, encontrei dia desses, todos juntos numa mesma praça, em feliz coincidência, um pregador religioso, um sindicalista e um marreteiro.
Bradava o pregador a falência da vida temporal, conclamando os passantes à vicissitude da abundância no reino do céu. Bramia o sindicalista a falência do capitalismo, incitando os transeuntes à fartura na próxima, nova e igualitária sociedade. Proclamava o marreteiro a falência da velha e esfolada faca de cozinha, anunciando à multidão as inigualáveis vantagens de um revolucionário picador de legumes.
No mesmo exaltado tom, rivalizavam-se os três 'oradores-profetas' de uma nova era, cada um deles querendo ocupar sempre mais espaço, entre os fiéis, os proletários e os consumidores. O povaréu, ouvindo: "- a Cesar o quê é de Cesar... vade retro, satanás!". "- Abaixo a burguesia... morte aos gringos imperialistas!". "- Nada de faca, dona Xica... pica, pica, pica tudo... até lingua de sogra!".
No meio da turba, não é que um fulano não entendeu nada, misturou tudo, pajelança com os discursos, e murmurou "-...Compro a danada da maquininha, pico os tais gringos e me livro do demônio... vou 'prô' céu ..." !?.
Insistentes, contudo, os "oradores" rogavam a atenção de todos, e exibiam a basófia, em meio ao alarido típico de gentarada se acotovelando. Clamavam... Clamavam em nome de Deus, em nome da liberdade, em nome da facilidade. Quão úteis são os três! -pensei. Como é bom viver em plena democracia! -testemunhei. Que felicidade tropicana! -exclamei. Porque, a um só tempo, eu tenho assegurado o meu inalienável direito de ir e vir -ainda que seja da terra para o céu (ou seria o contrário!?); não mais serei escravo da miséria -já é chegada a hora da minha tão sonhada emancipação econômica, com a derrocada da opulência alheia; que bom poder ser consumidor em potencial de bugigangas utilitárias -mesmo que continuem sendo só bugigangas sem uso.
Exaltei-me, em louvor: '- Eu quero ir para o céu! Eu quero ser socialista! Eu quero comprar!!!'. E, ponderei: 'acima de tudo, eu quero sentir o imenso prazer em ser mais um desses "artistas", a discursar intermináveis blás-blás-blás aos ouvidos moucos de tantos quantos crêem. E, finalmente, decidi: serei também missionário -vou picar inhame e aipim, picar cana cubana na goela dos loucos de todos os gêneros!(Marcus Moreira Machado)

QUINTA-FEIRA, 22 DE MAIO DE 2008: "INTERMÉDIO".

A nossa História terminou. Zoologicamente, constituímos uma família, a primeira na ordem dos primatas, e também na classe dos mamíferos. Mas essa família divide-se em grupos, onde a observação encontra diferenças maiores para isolarem as variedades, no objetivo de dar origem ao que se chama 'espécies'. Desde que se admita o princípio da transformação evolutiva, a expressão "espécie" designa um momento de 'individualização' relativa mais pronunciada, e não um tipo absoluto, imutavelmente constante. Assim, é permitido reconhecer entre os homens diferenças tão graves como as que dividem outras espécies.
As divergências irredutíveis dos mais característicos 'tipos' de homens possibilitam a existência de um 'homem intermediário', sem fala, sem pensamento.
Quando os seres humanos se dispersaram, eram somente um esboço que, posteriormente, se desdobrou em espécies dissemelhantes. Se não tivesse ocorrido dessa maneira, seria impossível localizar na sua multiplicidade 'diferenças' tão profundas, a admitirem tal divisão, essa pluralidade.
A irredutibilidade das várias expressões linguísticas é um argumento capital em favor da dispersão precedente à conformação definitiva dessa diversificação da humanidade.
Desde que a palavra "espécie" perdeu o valor metafísico que possuía; desde que, por outro lado, esse transformismo imprimiu ao homem ascendência natural, surgiu a questão de se determinar o número exato das atuais 'espécies humanas'. Formados os primitivos 'tipos' humanos dotados de fala, cada um se dividirá em variedades, denominadas "raças históricas", para cuja formação concorrem, além da ação do clima (afora os cruzamentos), as próprias instituições e os acasos e condições da existência individualizada. Cada uma dessas raças subdivide-se, por seu turno, em agrupamentos chamados de "povos", a que frequentemente corresponde uma organização politicamente autônoma, dando origem às nacionalidades.
Inquestionavelmente, a maior ou a menor capacidade intelectual das raças é consequência do grau de sua 'civilização'. Pois a partir do momento em que se consideram formadas as primeiras raças humanas, a vida posterior da humanidade é norteada por motivos sociais predominantes sobre os naturais.
Considerados estes parâmetros, é de se perguntar: o povo brasileiro já detém uma linguagem própria a lhe permitir as criações racionais? O povo brasileiro possui o princípio ativo e iminente da existência das sociedades cultas? Ou, será, ainda está a situar-se em fase intermediária, na ressonância das vozes do passado?
Respostas a essas indagações seria determinar se o povo brasileiro já percorreu o longo itinerário -em sucessivas manifestações- do 'movimento' até a 'fala', e, desta, ao pensamento articulado.(Marcus Moreira Machado)

domingo, 18 de maio de 2008

QUARTA-FEIRA, 21 DE MAIO DE 2008: "TROPEÇOS"

No meio do caminho havia uma pedra; havia uma pedra no meio do caminho. Para falar a verdade, era tanta pedra no meio do caminho, que Arquimedes, não suportando os obstáculos, munido de um pedaço de pau, bradou:"-Dê-me uma alavanca e eu removerei o mundo!". Inconformado, Atlas revidou, dizendo que o mundo já tinha dono; e nem mesmo Galileu -com a sua tese anarquista da Terra redonda- estava autorizado a alterar a situação. Entretanto, a humanidade, insistente, construiu altíssima torre-Babel, incapaz de aceitar prepotência maior que a sua própria. Dada a pequenez de raciocínio, não elaborou sequer um cronograma da obra, logo embargada pelos poderes constituídos. E séculos se passaram, sob a influência de rígida mas ignorada lei -a etimologia. Naturalmente, a semântica adotou novas expressões vocabulares; e quando o carpinteiro pedia a lima, o servente disparava ao pomar, procurando laranja.
Em Sodoma e Gomorra, o povo, já desacreditado, partiu para a baderna, promovendo saraus aos som de lundus, onde Baco demonstrava a arte de bem viver."Para que preocupações?" -perguntavam uns aos outros. "Estamos aqui de passagem!".
Milênios mais tarde (já assistira Nero ao imprudente incêndio do Coliseu; Calígula, incestuoso, transara com a irmã; os pagãos foram batizados; e o Brasil descoberto, finalmente), Jung alardeava o inconsciente coletivo nos arquétipos da trajetória humana.
Por não se indignar com a idéia de que cada homem guarda em si um 'australoptecus', ou mais ainda, um 'cro-magnon', os militares neanderthais, em ordem unida, amotinaram-se, decretando intervenção nas pesquisas genéticas, e assim confiscando os cromossomas da América Latina.
Vocês ainda perguntam se o povo não reagiu? Claro que não! Pois ninguém se achava povo. Pelo mundo afora, um dizia que a culpa era do outro, quer dizer, Babeuf e Calabar (tanto faz) -ingênuos e revoltados- portavam deformações que somente a frenologia poderia explicar.
Nostradamus, quieto em seu canto, ria muito; ria dos gafanhotos que, só ele sabia, seriam os mal rascunhados helicópteros de Leonardo, a bombardear Napalm no Camboja.
Desentendidos, os intelectuais de esquerda necessitavam de um bode expiatório para a malfadada revolução bolchevique; e ao mesmo tempo que acusavam o papa de besta, convocavam Camus, o único a se entender bem com "O Estrangeiro".
Na Baía dos Porcos, Ana de Amsterdam apagava charutos cubanos nas coxas, ao passo que os japoneses -em quimonos camuflados de black-tie, bebiam o pontual e germânico chá das cinco, rindo, rindo muito de Pearl Harbor .
O progresso sempre parece maior do que realmente é", advertia um proletário no Pentágono, por ocasião da perplexidade de Neil Armstrong, já quase babando "-A Terra é azul!". O astronauta nem sequer percebera Cubatão, entusiasmado que estava com a insustentável leveza do ser na Lua sem gravidade. E o vento levou, levou suas palavras aos 'quatro' quadrantes do espaço sideral. A artudida voz foi ressonar num enigmático e insólito monolito. Mesmo chamado às pressas Stannley Kubrick, a pedra insistia na emissão de incríveis sons, obrigando Spielberg a um imediato contato de terceiro grau, em meio à guerra civil angolana e ao narcotráfico internacional. Mas que nada! O monolito só sabia repetir: "No meio do caminho havia uma pedra; havia uma pedra no meio do caminho".
Cadê Arquimedes?! Onde se meteu aquele alquimista de uma figa?!! Estaria ele metido com o rei Hiero, convencido do incalculável poder da sua alavanca!? Em momento tão importante, perder tempo com protocolo de intenções! Ora, bolas!!
E agora, José? O que fazer com as pedras, se nem preciosas elas são?
'Uma rosa é uma rosa é uma rosa'. E uma pedra é uma pedra é uma pedra.
Seria mais suave se no meio do caminho houvesse uma rosa, sim. E uma enorme flor a desabrochar dentro do peito, para a gente poder dizer de peito cheio que o coração tem razões que a própria razão desconhece.(Marcus Moreira Machado)

QUARTA-FEIRA, 27 DE AGOSTO DE 2008: "PEDRAS".

No meio do caminho havia uma pedra; havia uma pedra no meio do caminho. Para falar a verdade, era tanta pedra no meio do caminho que metade dele jamais seria um caminhar.(Marcus Moreira Machado)