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sábado, 17 de maio de 2008

TERÇA-FEIRA, 20 DE MAIO DE 2008: "BICHOS".

No início dos anos 70, eu ainda era um adolescente; eu nunca fui um "teen". Naquela época, a gente era 'bicho-grilo', quer dizer, uma geração de garotos e garotas encucados, 'grilados' mesmo. O 'grilo' significava um misto de revolta e indignação, fruto da experiência precoce em diferentes áreas do saber, da filosofia à psicologia, do materialismo histórico às excentricidades místicas; e, de resto, a música, muita música, de Chico Buarque a Ravi Shankar, dos Stones e Yes ao regionalismo brasileiro.
Éramos mais felizes? Talvez sim, talvez não. Muitos de nós piraram definitivamente, como se ofertassem sua juventude à causa mais nobre que conheciam -a vida. Rendemos nossas homenagens ao grandioso prazer de viver, em serestas madrugada adentro, embriagados de martini, de lua, de amor, de versos repentistas. Celebramos à Afrodite o culto pueril de ingênuos jovens, sedentos, insaciáveis.
Geração psicodélica, contestávamos o valor do casamento. E casávamos assim mesmo, ou por isso mesmo, mas sem dar o braço a torcer, numa cerimônia 'hippóide', ao som de violão de 12 cordas; as noivas, ainda mais lindas do que tinham conseguido ser a suas avós quando também se casaram; os noivos, ainda mais eufóricos e esperançosos do que tinham sido os seus pais quando trocaram alianças.
Éramos mais felizes? Talvez sim, talvez não. Éramos poetas, todos nós. Pois acreditávamos em tudo, na bomba atômica e no cogumelo, e mais do que tudo, acreditávamos em nós mesmos. As nossas composições não tocavam no rádio, ao contrário, em verdadeiro culto ecumênico, mil flautas doces, bongôs, vozes lindas e românticas entoando cânticos à liberdade, à paz. Pensamos em guerrilhas, fizemos guerrilhas, porque não podíamos suportar o contraste entre tanta beleza e tamanha miséria; porque o "Che", legendário, era meio Zorro, meio Robin Hood, meio Simon Bolívar, e meio brasileiro, com o indeclinável latin lover de que precisávamos.
Nossos filhos (ficávamos pais, ficávamos mães, por questão de ordem) eram nosso brado de tão sonhada emancipação. Todavia, com tristeza, vimos as nossas crianças tornarem-se os filhos do silêncio, num Brasil engolido inteiro no atoleiro da submissão. Com agonia, sofremos lares desfeitos no alcoolismo, nos manicômios, nos suicídios dos 'adolescentes do anos 70' que não puderam resistir ao pânico diante de uma sociedade morta, aviltada naquilo que fôra mais que um ideal, e sim um modo de ser -o amor.
Fomos felizes? Sem dúvida, éramos mais felizes quando não passávamos de adolescentes, quando não éramos apenas "teens". Tínhamos nossos próprios jornais, mimeografados, panfletados nas escolas dos nossos festivais. E... pensávamos! Como pensávamos!! Afinal, por isso éramos 'bicho-grilo'. Às vezes sumíamos com livros da prateleira, porque algum boato corria, espalhando a 'notícia' de que a polícia viria nos buscar. Era isso o que traficávamos: livros! João Cabral de Melo Neto e Karl Marx tinham para nós o mesmo peso, jogavam no mesmo time, no nosso time.
Dizem os educadores, diz a imprensa que os "teens", os adolescentes de hoje, são bárbaros, que são alienados e cruéis. Mas o que todos esperavam colocar no vazio deixado pela dor!? Sinceramente, seria possível uma juventude "bem comportada"?!
O sonho acabou? Acabou! É hora do pesadelo número dois, do "day after" no país da fantasia que nunca acaba, da mentira deslavada que não escondeu o lado mau de cada um de nós. É hora de colher não o trigo, mas o joio. "Quem sabe faz a hora, não espera acontecer": uma advertência mal compreendida, quem sabe. Porque, de fato, 'aconteceu'. E 'aconteceu' o pior. Nós, os adolescentes dos anos 70, somos agora respeitáveis 'pais de família' insistindo na ladainha: "sempre foi assim, nunca vai mudar". E, esperança morta, tocamos nossas vidinhas , já que da vida -nosso princípio anterior- não mais sabemos o que é isso.
Ouvimos um dia: "cresçam e apareçam". Crescemos e sumimos no anonimato de uma outra juventude, a de um novo milênio, que quando 'aparece' é para ser tratada como causa, quando -sabemos!- não é mais que consequência.
Encucou? Qual é o grilo, bicho(Marcus Moreira Machado)

quinta-feira, 15 de maio de 2008

SEGUNDA-FEIRA, 19 DE MAIO DE 2008: "(RE)CONHECER HABILIDADES"

Para Sócrates ou Platão, pouco progresso advém da comunicação direta do 'conhecimento'. A ambos, o importante é a capacidade de pensar, criando-se mentes aptas a formar corretas conclusões, a encontrar, por si próprias, a verdade.
Na definição platônica, o homem "é o caçador da verdade", sendo importante, sim, a busca, mas não a posse do saber.
Pensadores modernos, igualmente, enaltecem a veracidade desse princípio. É o quanto se observa na assertiva de Jean Paul Richter: "Não é o fim, mas o movimento que nos faz feliz".
A ruptura desse primado é efeito do exagerado "realismo" notado na educação, com o progresso científico. De fato, o utilitarismo do conhecimento tem menosprezado a importância do 'auto-desenvolvimento' enquanto valor fundamental na aprendizagem. E nesse sentido, o papel da escola é, sem dúvida, o de cultivar virtudes intelectuais. Enfim, o quê é "disciplina", senão a antítese de "doutrina"? Por isso, o professor é o indivíduo que detém um corpo sistematizado de conhecimentos, ao passo que os alunos apropriam-se de parte dessa doutrina, a parcela mais condizente com as suas necessidades específicas.
Neste contexto é que, mesmo sendo a escola reflexo do meio social de origem, pode (e deve!) a sociedade ser reformada a partir da instituição educacional. Contudo, será exclusivamente a educação democrática a competente na viabilização dessa reforma, concretizando-a através do (re)conhecimento de habilidades (resultantes da prática inteligente e continuada) e por meio do conhecimento e da compreensão estimulados pela observação
no pensamento reflexivo.
Ocorre que em toda a história da educação há muito tem-se procurado atender o "aprendizado" de alguns, mas pouco se faz pelo "conhecimento" da maioria. E, pior, ainda assim, a escola tem se desviado de sua função precípua, a de suplementar outras instituições. Enquanto instituição intelectual, essa mesma escola deve considerar três aspectos do pensamento: o material, o espiritual e o humano. Afinal, adestrar não é educar.
Há que prevalecer a educação no entedimento da soma de experiência individual com experiência social.
Um país que faz uso apenas do conhecimento instrumental, em detrimento da efetiva 'formação', está quando muito preparando mão-de-obra, sem, contudo promover seu povo no exercício da cidadania.
Urge, pois, redefinir a acepção do termo 'intelectual', apropriando-se do seu amplo sentido, no propósito de fazer a escola assumir o seu papel de instituição intelectual, respeitando-se então a 'personalidade' forjada no desenvolvimento de atitudes e ideais adquiridos com a auto-educação.(Marcus Moreira Machado)

DOMINGO, 18 DE MAIO DE 2008: "EDUCANDO A ECONOMIA".

Considerando as mudanças que atualmente se processam nos modos de produzir e consumir, as expectativas de parte das famílias de alunos (bem como as das instituições sociais, em geral), se voltam em especial para importantes aspectos decorrentes dessas transformações no processo de 'formação humana'. Um pressuposto de ordem abrangente tem-se firmado quanto à interdependência necessária dos serviços prestadores de ensino e a destinação profissional dos educandos; ou, as formas de trabalho mediante as quais possam se tornar elementos "prestantes" a si mesmos e à vida social.
Se em outras épocas outros conjuntos de relações a este se sobrepunham, agora isso não mais ocorre. Portanto, precisamos admití-lo importância relevante na compreensão das tendências culturais contemporâneas.
Já por outro lado, poucas são as liberdades culturais, no vazio econômico, que possam ser mesmo desfrutadas; e, na mesma condição, tal escassez não é suprida sem o emprego dos recursos produtivos comunitários ou a aplicação recorrente da economia social.
No que toca aos serviços de ensino, todo e qualquer plano que desconsidere objetivos econômicos -relacionados com a concepção de maior produtividade social, da qual advenham subsídios financeiros suficientes- será mera divagação, desprovida de sentido real.
A sociedade paga pelo que recebe. Se as escolas não estiverem 'produzindo' satisfatoriamente (ou de modo que a sociedade perceba que os serviços prestados lhe tragam reais benefícios), não poderão contar com os recursos indispensáveis à sua manutenção e ao seu progresso. Tanto que, os estudos econômicos, em sua atual compreensão, não ressalta somente modos e formas de produção, porém, ainda, os de consumo e os de sua correlata distribuição. O seu conceito básico é o de um desnível entre uma coisa e outra, a insuficiência de bens, ou, noutros termos, o 'deficit' entre o montante desses bens e o valor ideal que possa satisfazer todas as carências humanas.
Ora, o pressuposto de todos os modelos na economia é que o 'sistema econômico' deva tender a elevar os índices de produção de consumo "per capta" -seja em mercadorias, seja em serviços. O que não se consegue, é claro, sem investimentos em 'educação popular'. Com efeito, sob este aspecto, os conceitos de 'educação' e de 'economia' são interdependentes, vez que os serviços do ensino público representam 'investimento remunerador', porque fazem crescer a produção. O que vale dizer: investir em educação popular é gerar riqueza. O equivalente a afirmar, então: educando a economia, assegura-se à sociedade, no todo, o usufruto de bens e serviços no processo final da produção, garantindo-se a manutenção das liberdades culturais de indivíduos e de múltiplos segmentos.(Marcus Moreira Machado)

quarta-feira, 14 de maio de 2008

SÁBADO, 17 DE MAIO DE 2008: "PROFISSÃO DE FÉ".

Eu sou um crente por excelência. A minha fé cega não remove montanhas, mas, estou convencido disso, leva-me até elas.Sempre acreditei nos políticos; nunca, nem por um minuto, eu desabonei qualquer projeto governamental, por menor ou por maior que ele fosse. Afinal, num país tão grande, imenso, assim, de proporções continentais, é forçoso reconhecer, não há como fazer milagres. Não obstante, creio neles, muito embora eu não confunda patriotismo com fervor. Este último, é ele o meu guia; movido por ele, sou 'brasileiro, profissão esperança'. Quando todos, absolutamente todos, gritaram "Fora, Collor!", eu murmurei: 'dá mais uma chance, ele tem uma carinha boa'. Fazer o que... Democraticamente, derrubaram o presidente; eu me resignei, porque democracia faz parte do meu credo. Naquela época, centenas de milhares de milhões de patrícios meus, do Oiapoque ao Chuí, por unanimidade suprapartidária, optaram pelo restabelecimento do meu país, depositando -assim como eu fiz- nas mãos do Congresso Nacional a árdua tarefa de intermediar junto aos deuses do Olimpo a salvação da pátria idolatrada. Aceitaram -e eu também- um presidente-vice, vez que o mesmo espírito anima a nós todos, nortistas e sulistas: o espírito da redenção definitiva, a resgatar das trevas todos os benfeitores da humanidade. No caso, nós mesmos.
Como eu creio! Eu creio em todas as possibilidades da economia nacional, do biodiesel à flor de maracujá, resplandecente potência, este Brasil!
"Brasil, ame-o ou deixe-o". Ninguém deixou. O amor venceu. Aliás, sempre vence.
"Diretas já!", e o que se viu? A multidão agradecida -assim como eu- jamais duvidou, sempre soube que tudo era uma questão de tempo. E de fé, muita fé. Pois, se a montanha não vem a Maomé, a Transamazônica desbravou a grande floresta e a Ferrovia do Aço foi até Carajás.
Pero Vaz de Caminha -assim como eu- também era um apóstolo da fé. E ele, profeta, prenunciara a farta vida de crediários que hoje todos desfrutamos, com direito a empréstimos consignados, juros menores para os velhinhos. Aqui, em se plantando tudo deu; até cannabis-sativa, aos montes. Droga! Não fosse uns poucos pés-de-chinelos a incomodar a polícia com granadas e metralhadoras, e eu diria que, muito além do Eldorado, vivemos no Paraíso.
Não faz mal, a minha fé é inabalável, inquebrantável. Eu sou cem por cento amor. E nesta profissão de fé, deveras paciente com os pequenos erros de todos os nossos grandes (enormes!) governantes. Enfim, se pecar é humano, errar não é pecado!

terça-feira, 13 de maio de 2008

SEXTA-FEIRA, 16 DE MAIO DE 2008: "LIMITES NA AUTO-CRÍTICA".

Quando os trabalhadores estão convictos de que a atual distribuição de riquezas é injusta; quando -na organização de um partido político- os trabalhadores afirmam e divulgam que o sistema vigente de propriedade particular é, além de injusto, incompatível com a riqueza potencial que eles têm a partilhar; quando os trabalhadores estão extremamente convencidos de que a sua miséria é causada pelo sistema de governo em vigor; quando os trabalhadores insistem em proclamar que já tentaram reorganizar as instituições políticas, sem que lhes fosse possível racionalizar as condições sociais; podemos então conjecturar que não faltam os elementos necessários para a fundamental transformação da sociedade.
O que vemos, aqui, entretanto, é a ausência de imaginação dos governantes. Eles não sabem e não querem considerar o pensamento dos seus críticos.E, por efeito, temos os seus limites na auto-crítica. Incapazes a grandes concessões, demonstram fraqueza peculiar à "ordem ameaçada", tanto quanto a inabilidade no conhecimento de quanto e em que devem ceder. Temem mudanças estruturais porque, em parte, habituados à cultura política da perpetuação no poder, acreditam que o pacto final com a História já foi consumado; e, também, porque o medo do desconhecido os inibe à faculdade de raciocinar claramente. Inevitável consequência, no momento da indispensabilidade de sua segurança, pressuposto para conduzir a nação além dos limites a que estão acostumados a considerar como garantidos, insistem os governantes em permanecer dentro dessas mesmas confinadas 'fronteiras'. Não concebem a segurança senão em seus próprios termos.
Ora, a fim de manterem tal tênue segurança, esses dirigentes precisam fazer uma de três coisas: devem ser capazes de desenvolver um 'restabelecimento' até o limite em que desapareça a descrença em sua própria capacidade de governar com êxito; ou então devem aniquilar toda a democracia como costumeiro veículo de expressão política, a fim de atacarem as instituições históricas da classe trabalhadora, através das quais a descrença na sua capacidade para governar tem sido organizada e chamada a se manifestar; ou, em última análise, devem promover transformações estruturais permissivas de adaptação das relações de produção às próprias forças produtivas. Ou seja, necessitam pôr em prática um raro fenômeno histórico -uma revolução consentida.
O que de fato todos precisamos é identificar quais as causas profundas e impessoais deste inegável conflito, para não mais atribuí-lo exclusivamente à vontade caprichosa de homens de má-fé. E esse conhecimento só será viabilizado após investimentos numa educação melhor adaptada ao caráter do nosso tempo, vez que grande parcela da população (onde se incluem os próprios governantes) não é atingida pela herança cultural do país, seguindo vida afora inconsciente das forças que regem o seu destino, presa fácil nas crises administradas com receitas paliativas, frequentemente persuadida de que ela própria é a responsável por seus males.
Resta claro o interesse noutra perpetuação, a da ignorância. Ignorância da qual podemos nos livrar combatendo este interesse, sem esperar que a auto-crítica governamental manifeste alguma disposição em sair dos seus estreitos limites.

QUINTA-FEIRA, 15 DE MAIO DE 2008: "DO PROGRESSO E DOS LOUCOS".

Tolstói explica porque, em seu parecer, "A Ciência pela Ciência" é uma absurda concepção.
Ora, nós não podemos conhecer todas as obras, já que o seu número é, pode-se dizer, infinito. Portanto, é preciso escolher. Mas, podemos fazer essa seleção sobre o simples capricho da curiosidade? Não será mais importante deixar-nos guiar pela utilidade, por necessidades práticas e sobretudo morais? Afinal, não temos outra ocupação mais interessante que a de contar a quantidade de estrelas existentes em torno da Terra?
Indubitável, para Tolstói a palavra utilizada não possui o sentido que se lhe atribuem os homens de negócio e, com eles, a maioria de nossos contemporâneos. Preocupa-se pouco com as aplicações da indústria, as maravilhas da eletricidade ou do automobilismo, considerando-os mais como o obstáculos ao progresso moral. O útil é então só o que pode melhorar o homem.
Contudo, ponderando, nem uma coisa nem outra. Nem esta plutocracia ávida e limitada, nem essa democracia virtuosa e medíocre, ocupada tão-somente em expor o maximalismo da "esquerda", democracia na qual viveriam sábios na ociosidade, que, evitando os excessos, morreriam não de enfermidade, porém, de tédio. Todavia, esse essa é questão de gostos, desinteressante a qualquer discussão.
Por outro vértice, não deixa de subsistir o problema a merecer toda atenção: se a nossa escolha não deve ser determinada pelo capricho ou pela utilidade imediata, não haverá ciência pela ciência, e, via de consequência, inexistirá a própria ciência. E isso é verdade? Não há dúvida, outra escolha deve haver; qualquer que seja atividade e obras, os acontecimento são mais céleres que os nossos passos, sem que jamais possamos alcançá-los. Ao tempo em que um sábio se empenha a "descobrir" uma obra, se produzem milhões de outras em cada parte do seu corpo. Querer encerrar a Natureza na ciência seria pretender encaixar o todo na parte. Pois os sábios acreditam na criteriosa hierarquia de feitos. E têm razão, vez que sem isso não haveria ciência. Basta abrir os olhos para ver que as conquistas industriais, enriquecendo a tantos 'homens práticos', não existiriam se tais homens não fossem precedidos por 'loucos' desinteressados, a morrerem pobres, sem nunca pensarem nessa 'utilidade', e sim movidos apenas pelo capricho. São esses 'loucos' os responsáveis pelo progresso a gerar lucros àqueles outros, os 'práticos'. Esses 'loucos' poupam aos outros o trabalho de pensar. Logo, a maioria não gosta mesmo de pensar, guiados só pelo instinto. Contudo, o instinto é rotina; e se o pensamento não o fecundasse, não progrediria mais no ser humano que na abelha ou na formiga.
Pelo progresso, é preciso então pensar por aqueles que não o querem; e como são numerosos, é necessário que cada um desses pensamentos seja o mais últil possível. De tudo, resta-nos um ensinamento: as obras mais interessantes são as que podem servir várias vezes, as que têm possibilidade de renovar-se.(Marcus Moreira Machado)

domingo, 11 de maio de 2008

QUARTA-FEIRA, 14 DE MAIO DE 2008: "GOVERNADO NO ESPELHO GOVERNANTE".

'Estrangeiro': -Imagina que um leigo é capaz de dar conselhos a um médico. Não devemos chamá-lo pelo mesmo nome que damos a esse profissional?
'Jovem Sócrates': -Sim.
'Estrangeiro': -Pois bem, se um cidadão qualquer é capaz de dar conselhos ao soberano de um país, não poderemos dizer que nele existe a ciência que o próprio soberano deveria ter?.
'Jovem Sócrates': -Sim, poderemos.
'Estrangeiro': -Mas a ciência de um verdadeiro rei, não é a ciência própria do rei?
'Jovem Sócrates': -Sim.
'Estrangeiro': -E aquele que a tiver, sendo rei ou simplesmente cidadão, não terá direito, em virtude de sua arte, ao título real?
'Jovem Sócrates': -Certamente que sim.
Este diálogo, extraído de "O Político", de Platão, busca determinar a natureza do político e, através dessa natureza, o caráter da própria política. Para o filósofo de "A República", a política é uma ciência e, também, a mais nobre das artes, aquela que dá felicidade aos homens. E ao distinguir em "O Político" cinco espécies de formas de governo, faz referência à 'democracia' como o domínio da multidão que "em tudo é fraco, sem grande poder tanto para o bem como para o mal, em comparação com outros (governos), porque (nele) os poderes estão divididos entre muitas pessoas".
Transportando-nos da vida política de Athenas de então, para a "a mais grave ignorância em matéria de política" constatada no Brasil atual, concordaremos que o verdadeiro homem de Estado é o "filósofo", isto é, o homem dotado de conhecimentos, como assevera o pensador grego; e lamentaremos, por efeito, a triste conclusão: não há política neste país, onde o governado se vê no espelho do governante; e a nossa democracia tem sido exercida por aqueles "que imaginam possuir esta ciência em todas as suas minúcias", ainda mais exatamente que os demais.
Insiste o 'Estrangeiro': "-Quando pensamos em dirigentes, no exercício de alguma direção, não vemos também que as suas ordens têm sempre como finalidade alguma coisa a ser produzida?"
Partindo da singela analogia de que um governante é um pastor de homens, e que cabe a ele alimentar seu rebanho, lamentaremos outra vez: não governantes neste país, pois que falta-lhes direção e nada é produzido para real satisfação do povo brasileiro.
É fundamental, via de consequência, que encontremos o caminho pelo qual possamos chegar à compreensão do que é 'o político', diferenciando-o, dele determinando o atributo, para, a seguir, dar aos 'atalhos' que dele se afastam um só caráter, específico a eles todos, aos que não são 'o político'. Ou correremos o risco de confundir a arte do governante com ficção do intérprete, do patrão, do "profeta", do arauto, e de outros tantos semelhantes entre si; e desse risco, um outro, o de, na confusão, obedecer a um poder diretivo estranho e alheio à ciência política.
Hoje, não por razão outra é costumeiro ouvirmos: "Não gosto de política". Quem não gosta de "política", ou não sabe o que de fato ela é, ou apenas vê a si próprio quando imagina ter enxergado o seu governante.(Marcus Moreira Machado)